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Quando presentear juízes passa pela opinião pública

Questão que está suscitando acalorados debates nos Estados Unidos, cuida de indagar se é ético, ou não, juizes receberem bilhetes de avião, estadia e pagamento de despesas de grupos interessados em questões judiciais similares e pendentes nas Cortes. Parece que a mesma questão foi ventilada, aqui no Brasil e, como não poderia de ser, jogada embaixo do tapete, limitando-se a algumas insípidas defesas do procedimento. Mas, o clamor dos cidadãos norte-americanos, contra esse procedimento de muitos magistrados, está evoluindo dia a dia. Vozes importantes manifestam-se em contrário às benesses por uma razão tão simples, que passa a ser simplória: como pode um juiz ser imparcial se recebeu e se concordou estar presente em um seminário (ainda que de interesse cultural relevante para ele), se uma parte interessada ou seu advogado o presenteou, pagando-lhe as despesas?

28/9/2006


Quando presentear juízes passa pela opinião pública*

 

Jayme Vita Roso**

 

Questão que está suscitando acalorados debates nos Estados Unidos, cuida de indagar se é ético, ou não, juízes receberem bilhetes de avião, estadia e pagamento de despesas de grupos interessados em questões judiciais similares e pendentes nas Cortes. Parece que a mesma questão foi ventilada, aqui no Brasil e, como não poderia de ser, jogada embaixo do tapete, limitando-se a algumas insípidas defesas do procedimento.

 

Mas, o clamor dos cidadãos norte-americanos, contra esse procedimento de muitos magistrados, está evoluindo dia a dia. Vozes importantes manifestam-se em contrário às benesses por uma razão tão simples, que passa a ser simplória: como pode um juiz ser imparcial se recebeu e se concordou estar presente em um seminário (ainda que de interesse cultural relevante para ele), se uma parte interessada ou seu advogado o presenteou, pagando-lhe as despesas?

 

Ora, argumentam aquelas vozes: um magistrado que come, bebe e sofre lavagem cerebral de parte interessada não é isento para julgar qualquer caso em que o benfeitor seja parte. Pior: esse exemplo só contribui para aprofundar a erosão na desconfiança dos cidadãos no Poder Judiciário. Um conhecido magistrado da Corte de Apelação de Washington, Abner J. Mikva, incisivamente, diz: “Se o Centro de Judicatura Federal não pode prover suficiente educação jurídica para a tarefa (de juiz), podem os juízes federais usar uma profilaxia. Se querem viajar, deixe que o governo pague a viagem. Pode ou não mudar o lugar para ir ou as coisas que aprenderam, mas será pelo menos uma mudança na análise transacional”. Importante lembrança: os convites têm se acentuado a juízes encarregados de julgar questões ambientais que, naquele país, são levados muito a sério (no território deles).

 

A sociedade americana não se contenta em conhecer o fato. Aprofunda, querendo explicações, porque são escolhidos luxuosos resorts para os seminários, quantos juízes comparecem, quais as organizações que os patrocinam, qual o verdadeiro temário que os magistrados participam, e, principalmente, se o material que eles recebem tem relevância na formação de suas convicções ao sentenciarem.

 

A Community Rights Center, ou o Centro de Defesa dos Direitos Comunitários, não poupa esforços e vai fundo. Pressionou tanto os conselhos superiores de magistrados que, hoje, eles estão obrigados a declarar ao Departamento Administrativo das Cortes Americanas, a cada seis meses, qualquer presente ou viagem excedente a R$ 400,00. Valor inferior a três miseráveis salários mínimos é exigência ali cumprida rigorosamente. E, mesmo assim, entre 92 e 97, conservando os dados de cada juiz por seis anos, o Departamento acumulou 51.000 páginas de material referentes a presentes e benefícios dados a juízes. Além do mais, a imprensa divulga o nome deles periodicamente (exemplo: USA Today, de 25 de julho de 2000, p. 6A, publicou o nome de vários juízes, dando inclusive os tribunais em que atuam, número de viagens pagas por grupos que atacam as leis ambientais).

 

Servindo como exemplo e a ser seguido pelas ONGs que cuidam da transparência no Brasil, anoto o site https://www.tripsforjudges.org1, que encorajo os cidadãos e, sobretudo, os jovens, a visitarem, para iniciar movimento semelhante para redescobrirem, de verdade, a pátria que deve ser amada.

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1Trecho extraído do referido site: “Corporate special interests are wining and dining judges at fancy resorts under the pretext of "educating" them about complicated legal issues. Nothing for FREE, a July 2000 report by Community Rights Counsel (CRC), showed that these junkets appear to be working as their sponsors intend, encouraging rulings that strike down environmental protections and line the pockets of junket sponsors. CRC's most recent report, Tainted Justice, released in March 2004, expands on Nothing for FREE”. (Acesso em 22.set.2006).

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* Artigo escrito no ano de 2000.








**Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos

 

 

 












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