É inegável que o avanço da tecnologia vem demandando o aperfeiçoamento constante da legislação, em especial quando essa tecnologia permite que terceiros a utilizem fraudulentamente ou com a finalidade de obter vantagens ilícitas.
Pesquisas recentes revelam que somente no ano de 2018 a pirataria em diversos setores da indústria causou prejuízo de R$ 193 bilhões, fora todos os impostos que deixaram de ser recolhidos em virtude da sonegação fiscal típica dessa atividade criminosa.
Segundo reportagem extraída da revista EXAME, estima-se que no ano de 2016 foram realizados mais de 2 bilhões de downloads ilegais por usuários em um conjunto de 190 websites especializados em conteúdo fraudulento.
O tema ganha outra dimensão quando se analisa o mercado de transmissões de eventos esportivos, capazes de atrair milhões de consumidores em todo mundo, seja por veículos de transmissão tradicionais ou por plataformas de streaming.
Somente no Brasil, o período compreendido entre janeiro e junho de 2018 registrou 1.3 milhão de visitas aos 10 maiores websites que fornecem conteúdo ilícito, evidenciando o volume de dados ilegais transmitidos aos usuários frequentemente.
A Legislação Brasileira, apesar de imperfeita, prevê diferentes formas de proteção aos titulares de direitos. Por isso, as transmissões ilícitas de eventos esportivos podem violar concomitantemente vários institutos de direito, desde os Direitos Autorais e Direitos Conexos ao de Autor, passando pelo Direito de Arena até os Diretos de Imagem.
Os Direitos Autorais, previstos na lei 9.610/98, podem ser definidos como o conjunto de normas que regulam as relações jurídicas advindas da criação e utilização econômica de obras intelectuais, sejam elas artísticas, literárias ou científicas.
Quanto aos Direitos Conexos, são aqueles direitos reconhecidos pela legislação brasileira a determinadas categorias que auxiliam na criação, produção ou difusão de determinada obra protegida por Direito Autoral.
As empresas transmissoras de eventos esportivos, por exemplo, se devidamente autorizadas pelo titular dos Direitos Autorais, são algumas das beneficiárias de tais direitos, podendo se insurgir em face de terceiros que redistribuem o sinal ou divulgam o mesmo evento sem autorização.
Nos casos de violação aos Direitos de Autor e Direitos Conexos, além da possibilidade de se requerer a reparação por danos materiais e morais sofridos com a prática ilícita, os titulares dos direitos também podem requerer a condenação dos infratores na esfera criminal, uma vez que o artigo 184 do Código Penal prevê penas de três meses a quatro anos de prisão, conforme a modalidade de crime praticada.
Não obstante, o artigo 105 da lei 9.610/98 prevê que as transmissões violadoras de tais direitos deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sob pena de multa diária.
Paralelamente às violações à Lei de Direitos Autorais, as transmissões ilegais de eventos esportivos também podem violar o chamado Direito de Arena, previsto no artigo 42 da lei 9.615/98 (Lei Pelé), que consiste na prerrogativa exclusiva da entidade de prática desportiva para negociar os direitos de transmissão dos eventos desportivos de que participe.
O Direito de Arena garante às entidades desportivas uma proteção legal em relação às transmissões ilícitas, excetuando-se a exibição de flagrantes do evento desportivo para fins exclusivamente jornalísticos, desportivos ou educacionais, ou para captação de apostas lícitas, desde que respeitado o tempo máximo de 3% do total do evento, conforme inteligência do §2º e incisos do artigo 42 da Lei Pelé.
Como se não bastasse, as transmissões desautorizadas de eventos esportivos, podem ainda violar os Direitos de Imagem dos atletas envolvidos, direitos estes que possuem relevo Constitucional, conforme artigo 5º, XXVIII, “a”, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Enquanto os Direitos mencionados anteriormente são de titularidade dos transmissores do evento (Direito de Autor e Direitos Conexos ao de Autor) e das entidades desportivas envolvidas (Direito de Arena), o Direito de Imagem é de titularidade do indivíduo, que tem sua imagem propagada indevidamente.
Apesar da relativa eficiência da legislação, a ausência de mecanismos de fiscalização e enforcement (repressão) enfraquecem consideravelmente o combate a esta modalidade de pirataria.
Assim sendo, no intuito de buscar maior efetividade na repressão dessas atividades criminosas, algumas propostas legislativas tramitam no Congresso Nacional, com destaque para os projetos de lei 239/07 e 169/17, ambos em tramitação no Senado Federal.
O projeto de lei 239/07 busca ampliar o rol do §3º do artigo 155 do Código Penal, tipificando como furto simples (com
Por outro lado, o recente projeto de lei 169/17 propõe que o Poder Judiciário possa determinar a suspensão ou bloqueio de websites ou aplicativos de internet que incentivem ou promovam a prática de crimes. Caso aprovado, poderá ser determinado o encerramento das atividades de sites e aplicativos que disponibilizem conteúdos piratas na internet.
Por fim, vale mencionar que diante da epidemia social que se tornou a pirataria de eventos esportivos, de obras intelectuais e de marcas da indústria em geral, as Autoridade Brasileiras, em conjunto com os Titulares de Direitos, precisam estar mais alinhados do que nunca para promover ações educativas, reformar e atualizar a legislação existente, além, é claro, de investir e coordenar mais e mais operações de repressão contra os infratores.
Somente assim, poderemos passar às gerações futuras a mensagem de que a proteção aos direitos de propriedade intelectual sempre foi e sempre será o melhor caminho.
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*José H. Werner é sócio do escritório Dannemann Siemsen.
*Tulio Memória é advogado do escritório Dannemann Siemsen.
*Igor Morgado é advogado do escritório Dannemann Siemsen.