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Princípio do mutualismo no contrato de seguro e seu impacto no direito do consumidor

A negativa de pagamento de indenização securitária baseada nas cláusulas contratuais e na mutualidade vai de encontro à proteção do direito do consumidor?

18/7/2019

O princípio do mutualismo nada mais é do que uma união de esforços entre as partes a fim de formar um fundo comum para a mitigação de riscos. Isto é, ao contrário do que grande parte dos consumidores acredita, as indenizações securitárias não são pagas pelos lucros das Companhias de Seguro e sim pelo fundo formado pelo pagamento dos prêmios de toda a base de segurados.

Por tais motivos, ignorar este princípio, determinando o pagamento aleatório de indenizações securitárias, sem a observância das cláusulas ali inseridas, fere toda a coletividade de segurados.

Desta forma, surge o questionamento: a negativa de pagamento de indenização securitária baseada nas cláusulas contratuais e na mutualidade vai de encontro à proteção do direito do consumidor?

O Código Civil define o contrato de seguro em seu art. 757, e converge a doutrina com o entendimento de que a contraprestação do segurador é a garantia, a segurança em relação aos riscos.

Desta forma, o contrato de seguro possui cláusulas que são limitativas dos riscos para viabilizar suas contratações e indenizações, bem como definir as extensões de suas responsabilidades.

Em outras palavras, a responsabilidade da Seguradora não extravasa os riscos assumidos no contrato de seguro. Salienta-se que todo contrato de seguro, independentemente de sua destinação, possui cláusulas específicas que são previamente submetidas à análise rigorosa e aprovação do órgão competente, qual seja, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), antes de serem postos em comercialização.

Sendo assim, a compreensão destas premissas do contrato de seguro é essencial, levando-se em conta que entre a seguradora e o segurado é estabelecido uma relação jurídica bilateral, na qual a Seguradora garante o interesse legítimo e se compromete a indenizar, conforme previsto no contrato, o dano sofrido pelo segurado, nos casos de seguro de dano, ou a pagar a soma estipulada, no caso de seguro de pessoas.

Assim, o segurado paga o prêmio, que é a fração técnica do risco calculado pela Seguradora, e torna-se credor caso o risco se concretize. A Seguradora avalia as estatísticas e calcula os riscos, estabelecendo um equilíbrio entre os prêmios que recebe e as indenizações pagas. Portanto, o risco precisa ser devidamente declarado, no sentido de restar individualizado e delimitado, de maneira que o segurador possa avaliá-lo e aferir a taxação do prêmio do seguro.

Diante dessa relação bilateral, uma vez pago pelo segurado o prêmio ajustado, a obrigação do segurador só surge quando e se sobrevier o acontecimento contido no contrato, ou seja, se ocorrer o risco previsto. Importante a fixação desse conceito, para não se olvidar que a bilateralidade contratual se desenvolve na adequação prêmio/risco coberto: o prêmio é fixado exatamente em função do risco garantido.

Por outra banda, o Código de Defesa do Consumidor admite cláusulas restritivas de direito (art. 54, §4º), apenas impondo que elas sejam redigidas com o devido destaque de modo a não deixar qualquer margem de dúvida. Logo, utilizando-se de tais preceitos norteadores dos contratos, inclusive do contrato de seguro, constata-se que o segurador recebe o prêmio dos seus segurados de acordo com a cobertura contratada e garantida, eis que as coberturas e cláusulas são previamente estabelecidas pela SUSEP, não se constatando, portanto, nenhuma vantagem exagerada em detrimento do consumidor.

Desta forma, justifica-se a existência de cláusulas que permitem a concessão de desconto quando o risco for consideravelmente inferior limitando o risco a ser assumido pela Seguradora. Assim, mesmo sendo um contrato bilateral, oneroso e formal, contrato de seguro é consensual, ao contrário de formal, aliás o próprio artigo 758, denota a consensualidade, que seria o mesmo que “informalidade”, uma vez que é dispensada apresentação da apólice de seguro para prova do contrato. É de risco por excelência e o fato de ser um contrato de adesão, não lhe retira estas características especiais.

Não se pode olvidar então que o princípio da boa-fé é primordial na aplicação dos contratos de seguro, por isso veio disposto nos arts. 765 e 766 do Código Civil.

Ora, assim como o princípio do mutualismo, a boa-fé é requisito indispensável na contratação do seguro, pois é através das verídicas informações prestadas pelo segurado é que é calculado o risco e consequentemente o preço do seguro.

Se o risco e preço do seguro são calculados de forma inverídica, toda a mutualidade será prejudicada, pois será pago uma indenização pela qual não houve pagamento recíproco do prêmio. 

De acordo com a doutrinadora Cláudia Lima Marques1, o Brasil opta por um direito privado sui generis, diferentemente de outros países de cultura jurídica romano-germânica, porquanto o Código Civil de 2002 buscou unificar as relações civis e empresariais ou relações privadas tidas como “entre iguais”, e de outro lado as relações entre “diferentes”, ou relações mistas, que são as figuras do consumidor e do fornecedor, cujo tratamento fora dado em diploma especial, que é o Código de Defesa dos Direitos do Consumidor.

Assim, conclui-se que o Código Civil, ao dispor sobre o contrato de seguro, destacou e trouxe a devida importância ao princípio do mutualismo, já que explicitou em seu art. 757 que não existe indenização sem a correspondente contrapartida do segurado, ou seja, o pagamento do prêmio.

Desta forma, já que restou enaltecido que o preço do seguro é calculado através das informações prestadas pelo segurado, consumidor, deve-se também exigir em contrapartida que o mesmo preste de forma correta e verídica as informações em relação ao bem segurado, sob pena de violação de vários princípios, em especial o do mutualismo.

Não se pode simplesmente aplicar de forma temerária e irresponsável o Código de Defesa do Consumidor ao pretender uma interpretação mais benéfica do contrato em face do consumidor, até porque deve-se levar em consideração as normas contidas nos contratos pactuados, mesmo que se denomine o mesmo como de adesão.

O regramento Civil deve ser levado em consideração, pois suas cláusulas fazem lei entre as partes, devendo ser cumpridas, pois foram de conhecimento do segurado no ato da contratação, ou estavam dispostas nos sites das Seguradoras, sendo todas estas informações trazidas na apólice de seguro.

Embora os contratos de seguro tragam cláusulas limitativas de direitos, não se pode analisar essas cláusulas de forma isolada, pois elas foram redigidas de acordo com o Código de Defesa do Consumidor e fazem parte do risco que permeia os contratos de seguro.

Mesmo não compartilhando do entendimento de que o consumidor está sempre em desvantagem em relação ao segurador, sabe-se que o Poder Judiciário ainda aplica “às cegas” o Código de Defesa do Consumidor, deixando de analisar caso a caso, cláusula por cláusula, apenas taxando-as de abusiva, tornando a relação totalmente desfavorável às Cias seguradoras.

Não se pode generalizar essa aplicação, o que deve ocorrer é analisar de forma equilibrada o contrato celebrado, sob pena da banalização do instituto da vulnerabilização do consumidor.

Há que se levar em consideração que ao julgar de forma desmedida a lide que envolve o contrato de seguro entre consumidor e seguradora, o magistrado está desconsiderando o fundo comum que é o resultado dos prêmios pagos para seguradora, pois a coloca em condição de desvantagem em relação ao segurado, afetando diretamente a própria mutualidade, pois deverá pagar valores pelos quais não recebeu a contrapartida.

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1 MARQUES, Cláudia Lima. A superação das antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o código de defesa do consumidor e o código civil de 2002. Revista de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004

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*Maria Carolina Balestra é sócia advogada da Jacó Coelho Advogados.

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