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Intervenção do Estado na propriedade privada – Limitação administrativa e a indenização

Cabe ao Poder Público, ante o prejuízo que possa advir do ato que criará a limitação, observar regras de proporcionalidade entre a finalidade almejada e o meio utilizado, indenizando o proprietário quando assim for cabível.

10/7/2019

Preceitua o artigo 1.2251 do Código Civil que está dentre o rol dos direitos reais, entre outros, a propriedade. Em seu artigo 1.2282 relata que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

A regra acima não é absoluta, pois é possível perder a propriedade, nos termos do artigo 1.2753 do Código Civil, por alienação, renúncia, abandono, perecimento da coisa e por desapropriação. Ademais, o artigo 1.275 é meramente exemplificativo, pois não exaure as possibilidades de perda da propriedade.

Podemos citar ainda que o proprietário perderá a propriedade pela usucapião, acessão, arrematação e adjudicação, requisição, posso pró-labore, servidão administrativa, apossamento administrativo ou desapropriação indireta, tombamento, limitação administrativa, ou ainda por ocupação temporária/provisória.

Diante da vasta possibilidade de intervenção do Estado, iremos nos ater à limitação administrativa no que tange ao direito de edificar. Conforme entendimento pacificado, em regra é permitido aos municípios criar leis municipais que ocasionem limitações ao direito de construir4.

É importante esclarecer que não consta expressamente disposto na Constituição Federal do Brasil a possibilidade da limitação administrativa, no entanto podemos observar que esta intervenção se deve à supremacia do interesse público5.

Como breve conceito, além do ordenamento jurídico acima destacado prever a possibilidade do direito à propriedade, também a própria lei prevê limitações que podem ser restrições diversas sobre o direito da propriedade, geradas por meio de ato expedido pela administração pública, que definem ao proprietário obrigações de fazer, não fazer ou mesmo de tolerar, cuja finalidade é a busca da preservação do interesse público. Estas limitações podem estar presentes em leis esparsas ou mesmo no plano diretor da cidade.

Podemos citar a lei complementar 171 de 29 de maio de 2007 que instituiu no Município de Goiânia o plano diretor e o processo de planejamento urbano. Podemos encontrar ainda na lei complementar 177 de 09 de janeiro de 2008 disposições sobre obras e edificações, como construção de calçadas ou ainda estacionamentos.

Como exemplo, o proprietário ao construir calçadas deverá atender parâmetros gerais como os estabelecidos pela lei federal 10.098/00 e regulamentada pela lei federal 5.296/04 que tem o intuito de promover o acesso para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

Além disso, outras regras também são estabelecidas como altura, rebaixamento, inclinação, piso, sinalização tátil entre outros.

Em regra, as obrigações impostas pela lei buscam condicionar o exercício da propriedade à satisfação de interesses coletivos. Podemos considerar também que estas obrigações visam garantir a dignidade da pessoa humana, promovendo o bem de todos, baseadas ainda no princípio da solidariedade, situações previstas no artigo 3º, inciso I e IV da Constituição Federal de 886.

Diante disso, as obrigações podem ser brandas, como o simples ato de manter limpo um lote, como também obrigações mais severas como impedimento de construir.

Inicialmente as limitações administrativas não ensejam ao proprietário o direito à indenização por parte do Estado, pois como dito acima, busca-se o interesse coletivo com o fim de promover também uma sociedade colaborativa.

No entanto, é necessário observarmos que, principalmente em imóveis urbanos, é interesse do proprietário a construção, seja para moradia própria, seja para investimentos, o que em ambos os casos estão interligados economicamente, pela diminuição de custos com aluguel, ou mesmo para obtenção de lucro ou renda.

Diante disso, uma vez o Estado intervindo com o interesse de obstar o direito do proprietário com medida mais rigorosa impedindo-o de construir, poder-se-ia estar causando uma verdadeira frustração e esvaziamento do direito real, pois poderia não somente deixar de obter qualquer lucro como também qualquer valor econômico.

Trata-se, portanto, de uma intervenção drástica na propriedade em que uma limitação administrativa retira do bem toda ou quase toda a possibilidade de utilização, anulando ou diminuindo significativamente o seu valor econômico.

Diante disso, uma vez ocorrendo a intervenção do Estado limitando o direito de construir, causando restrição total ou interdição do uso da propriedade ou de sua exploração econômica, em regra nasceria ao proprietário o direito de ser indenizado pelo Estado.

No entanto, como regra estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça, a indenização pela limitação administrativa devida ao imóvel urbano ocorrerá quando o proprietário comprovar o prejuízo causado pela limitação administrativa. Vejamos:

4) A indenização pela limitação administrativa ao direito de edificar, advinda da criação de área non aedificandi, somente é devida se imposta sobre imóvel urbano e desde que fique demonstrado o prejuízo causado ao proprietário da área. Acórdãos: AgRg no REsp 1113343/SC, rel. ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/10/10, DJe 03/12/10, AgRg nos EDcl no REsp 883147/SC, rel. ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/05/10, DJe 21/05/10, AgRg nos EDcl no REsp 1108188/SC, rel. ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/11/09, DJe 26/11/09, REsp 983017/SP, rel. ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/05/08, DJe 29/05/08 Decisões Monocráticas: REsp 1695213/SP, rel. ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/09/17, publicado em 02/10/17, AREsp 551389/RN, rel. ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/17, publicado em 21/09/17, REsp 1213098/SC, rel. ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 29/11/16, publicado em 02/12/16. Jurisprudência em teses do STJ. Edição 127: Intervenção do Estado na propriedade privada. Publ. 13.06.2019.

Diante disso, quando a limitação administrativa gerar ao proprietário o total impedimento ou restrição do direito de usar, gozar e dispor da coisa, se revelando na verdade uma desapropriação indireta e não limitação administrativa, em regra, caberá a devida indenização.

Importante destacar que o prazo prescricional para indenização em razão das restrições impostas pelo Poder Público é de cinco anos, conforme art. 10, § único, do decreto lei 3.365/41 e decreto 20.910/327.

Percebe-se por todo exposto, que cabe ao Poder Público, ante o prejuízo que possa advir do ato que criará a limitação, observar regras de proporcionalidade entre a finalidade almejada e o meio utilizado, indenizando o proprietário quando assim for cabível, podendo o Judiciário avaliar se o ato administrativo respeitou sua proporcionalidade, legalidade e finalidade pública, para que o proprietário do imóvel não seja prejudicado e sim justamente indenizado.

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1 C.C. Art. 1.225. São direitos reais: I - a propriedade;

2 C.C. Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

3 C.C. Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade: I - por alienação; II - pela renúncia; III - por abandono; IV - por perecimento da coisa; V - por desapropriação.

4 PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. TELECOMUNICAÇÕES. INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DAS ESTAÇÕES DE RÁDIO BASE (ERBS). LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO. ACÓRDÃO FUNDADO NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL DE REGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. SÚMULA 280/STF. LEI LOCAL CONTESTADA EM FACE DE LEI FEDERAL. ART. 102, III, C E D, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COM A REDAÇÃO DADA PELA EC 45/04. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. O Tribunal de origem, com base na análise de legislação local, consignou que é válida a edição de leis municipais que imponham limitações administrativas ao direito de construir em sua territorialidade. E tal não conflita com a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações e radiodifusão (art. 22, IV, da CF/88). 2. Verifica-se que o exame da controvérsia exigiria a análise de dispositivos de legislação local, pretensão insuscetível de ser apreciada em Recurso Especial, conforme a Súmula 280/STF ("Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário. ). 3. Ademais, o inconformismo enseja a contestação de lei local em face de lei federal. Contudo, o exame dessa questão refoge aos limites do recurso especial, uma vez que, nos termos do art. 102, III, "d", da Constituição da República, tal questão é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 823.716/SP, rel. ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/10/16, DJe 14/10/16) (grifo nosso)

5 CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. PODER DE POLÍCIA. NOTIFICAÇÃO PARA DEMOLIÇÃO DE EDIFICAÇÃO EM ZONA RURAL. FALTA DE LICENCIAMENTO PARA CONSTRUÇÃO DE CURRAL. CÓDIGO DE EDIFICAÇÕES DO DISTRITO FEDERAL. POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. A limitação administrativa à liberdade e à propriedade denomina-se poder de polícia, assim considerada a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade, sempre a fim de se evitar comportamentos danosos à sociedade. 2. O Código de Edificações do Distrito Federal tem como uma de suas finalidades justamente assegurar o direito à segurança de sua população, ao passo que o direito de construir é inerente ao direito de propriedade, garantias constitucionais expressas no artigo 5º da Constituição Federal. E havendo aparente conflito entre a segurança e a limitação do direito de construir, o Poder Judiciário deve ter cautela ao apreciar e julgar demandas desta natureza, de modo a compatibilizar a análise do pedido demolitório aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 3. Na espécie, apesar de o impetrante/recorrido ter edificado um curral em sua propriedade sem a prévia licença do órgão responsável, é certo que a sua manutenção não interfere no bem-estar da coletividade e em nada prejudica o Distrito Federal, mormente diante do fato de ter sido realizado há muito tempo (mais de nove anos), motivo pelo qual, diante do princípio da proporcionalidade, não se mostra recomendável o provimento demolitório haja vista a possibilidade de regularização da edificação. Precedentes deste Tribunal de Justiça. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. CONHECER DO APELO E DO REEXAME NECESSÁRIO UNÂNIME, E NEGAR PROVIMENTO A AMBOS, UNÂNIME. (Acórdão n.764835, 20120111465287APO, relator: ALFEU MACHADO, Revisor: LEILA  ARLANCH,  1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 26/02/14, Publicado no DJE: 12/03/14. Pág.: 79)

6 C. F. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...]; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

7 DIREITO PÚBLICO – SERVIDÃO ADMINISTRATIVA – RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU – INSURGÊNCIA DO AUTOR – RECURSO ADESIVO DA CORRÉ – O prazo prescricional da pretensão indenizatória em razão de restrições sobre a propriedade pelo Poder Público é de 05 (cinco) anos a contar do fato – Inteligência do artigo 10, parágrafo único, do decreto-lei 3.365/41 e do artigo 1º do decreto 20.910/1932 – Precedentes – Hipótese em que a servidão administrativa iniciou0se em julho de 2006, tendo sido ajuizada ação em abril de 2012, ultrapassando o lustro prescricional – Sentença mantida – Apelação desprovida, recurso adesivo prejudicado. (TJ-SP – APL: 00404098720158260100 SP 0040409-87.2015.8.26.0100, relator: Antonio Tadeu Ottoni, Data de Julgamento: 12/12/18, 13ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 13/12/18)

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*Vinícius S. Lima é advogado associado ao Jacó Coelho Advogados.

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