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Protesto extrajudicial de dívida ativa tributária não interrompe o prazo prescricional

A Procuradoria da Fazenda do Estado de São Paulo, por exemplo, tem utilizado esse instrumento desde o final do ano de 2012 como meio de cobrança dos créditos vencidos e não pagos do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor – IPVA.

10/7/2019

É cada vez mais comum que as Fazendas Públicas adotem o protesto extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa como medida de cobrança dos seus créditos tributários. A Procuradoria da Fazenda do Estado de São Paulo, por exemplo, tem utilizado esse instrumento desde o final do ano de 2012 como meio de cobrança dos créditos vencidos e não pagos do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor – IPVA1.

Por sua vez, o Tribunal de Justiça do mesmo Estado, em cartilha divulgada com comentários sobre medidas a serem adotadas pelos municípios paulistas para melhorar a eficiência na cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa, elenca a adoção do protesto extrajudicial como um dos meios que podem facilitar o recebimento desses créditos e, ao mesmo tempo, diminuir a quantidade de ações judiciais que seriam iniciadas com esse mesmo objetivo2. Nesse mesmo sentido também estão as orientações do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que, desde a publicação do comunicado SDG 23/13, tem indicado aos municípios paulistas que adotem o protesto extrajudicial como medida para tentar diminuir o seu estoque de dívida ativa3.

Em razão desse cenário, cada vez mais municípios estão adotando o protesto extrajudicial de CDA, especialmente para a cobrança dos créditos tributários de pequeno valor. Contudo, ainda é muito comum que as autoridades administrativas municipais tenham dúvidas sobre a possibilidade ou não de o protesto causar a interrupção da contagem do prazo prescricional das dívidas tributárias que constam na CDA protestada.

Antes de analisar essa questão, é importante lembrar que o art. 784, inciso IX do Código de Processo Civil prevê que a “certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei” é título executivo extrajudicial. E como tal, desde dezembro de 2012, com a inclusão do parágrafo único no art. 1º da lei 9.492/97 pela lei 12.767/12, passou a ser previsto como título passível de ser levado a protesto extrajudicial.

Foi a partir de então que teve início o movimento de incentivo à adoção desse instrumento como medida de cobrança de dívida ativa das Fazendas Públicas. Porém, ao mesmo tempo, surgiram questionamentos sobre a validade dessa previsão legal, sob o argumento de que o protesto extrajudicial seria mais uma medida de sanção política ao devedor do crédito tributário, por lhe impor restrições que lhe obrigam a pagar a dívida protestada sem ter chances de questionar a sua legalidade.

Esses questionamentos chegaram ao Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5135, de relatoria do ministro Roberto Barroso, que foi julgada improcedente em novembro de 2016, quando o STF decidiu que é constitucional o protesto extrajudicial de CDA, como pode ser observado em parte da ementa transcrita a seguir:

“Ementa: Direito tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9.492/97, art. 1º, parágrafo único. Inclusão das certidões de dívida ativa no rol de títulos sujeitos a protesto. Constitucionalidade. 1. O parágrafo único do art. 1º da lei 9.492/97, inserido pela lei 12.767/12, que inclui as Certidões de Dívida Ativa - CDA no rol dos títulos sujeitos a protesto, é compatível com a Constituição Federal, tanto do ponto de vista formal quanto material. (...) 3. Tampouco há inconstitucionalidade material na inclusão das CDAs no rol dos títulos sujeitos a protesto. Somente pode ser considerada “sanção política” vedada pelo STF (cf. Súmulas nº 70, 323 e 547) a medida coercitiva do recolhimento do crédito tributário que restrinja direitos fundamentais dos contribuintes devedores de forma desproporcional e irrazoável, o que não ocorre no caso do protesto de CDAs. 3.1. Em primeiro lugar, não há efetiva restrição a direitos fundamentais dos contribuintes. De um lado, inexiste afronta ao devido processo legal, uma vez que (i) o fato de a execução fiscal ser o instrumento típico para a cobrança judicial da dívida ativa não exclui mecanismos extrajudiciais, como o protesto de CDA, e (ii) o protesto não impede o devedor de acessar o Poder Judiciário para discutir a validade do crédito. De outro lado, a publicidade que é conferida ao débito tributário pelo protesto não representa embaraço à livre iniciativa e à liberdade profissional, pois não compromete diretamente a organização e a condução das atividades societárias (diferentemente das hipóteses de interdição de estabelecimento, apreensão de mercadorias, etc). Eventual restrição à linha de crédito comercial da empresa seria, quando muito, uma decorrência indireta do instrumento, que, porém, não pode ser imputada ao Fisco, mas aos próprios atores do mercado creditício. 3.2. Em segundo lugar, o dispositivo legal impugnado não viola o princípio da proporcionalidade. A medida é adequada, pois confere maior publicidade ao descumprimento das obrigações tributárias e serve como importante mecanismo extrajudicial de cobrança, que estimula a adimplência, incrementa a arrecadação e promove a justiça fiscal. (...) 4. Nada obstante considere o protesto das certidões de dívida constitucional em abstrato, a Administração Tributária deverá se cercar de algumas cautelas para evitar desvios e abusos no manejo do instrumento. Primeiro, para garantir o respeito aos princípios da impessoalidade e da isonomia, é recomendável a edição de ato infralegal que estabeleça parâmetros claros, objetivos e compatíveis com a Constituição para identificar os créditos que serão protestados. Segundo, deverá promover a revisão de eventuais atos de protesto que, à luz do caso concreto, gerem situações de inconstitucionalidade (e.g., protesto de créditos cuja invalidade tenha sido assentada em julgados de Cortes Superiores por meio das sistemáticas da repercussão geral e de recursos repetitivos) ou de ilegalidade (e.g., créditos prescritos, decaídos, em excesso, cobrados em duplicidade). 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Fixação da seguinte tese: “O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política.” (STF, ADI 5135-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, 9/11/16, DJe 7/2/18, grifo nosso).

Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça também confirmou, no julgamento do REsp 1.686.659/SP, realizado sob o rito dos recursos repetitivos, o entendimento pela legalidade da utilização do protesto de CDA como medida extrajudicial de cobrança de dívida ativa. A tese fixada no julgamento daquele recurso foi a seguinte:

(...) TESE REPETITIVA 32. Para fins dos arts. 1.036 e seguintes do CPC, fica assim resolvida a controvérsia repetitiva: "A Fazenda Pública possui interesse e pode efetivar o protesto da CDA, documento de dívida, na forma do art. 1º, parágrafo único, da lei 9.492/97, com a redação dada pela lei 12.767/12".

(...). (STJ, REsp 1.686.659-SP, Primeira Seção, Rel. Min. Herman Benjamin, 28/11/18, DJe 11/3/19, grifo nosso)

Superado esse questionamento, com a consideração de que é válido o uso do protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa como medida de cobrança da dívida tributária das Fazendas Públicas, a dúvida que se coloca é se o ato de realização desse protesto pelo tabelião responsável é capaz de interromper a contagem do prazo prescricional do crédito tributário devido. Em outras palavras, sabendo-se que, de acordo com o art. 174, caput do Código Tributário Nacional, o ente federado tem um prazo de cinco anos a partir da data da constituição definitiva do crédito tributário para promover a ação judicial de cobrança desse crédito, surge a questão sobre a possibilidade de a realização do protesto extrajudicial do título executivo que contém essa dívida interromper a contagem desse prazo.

Para responder a essa questão, é necessário lembrar que a Constituição Federal reserva à lei complementar de caráter nacional a competência para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição tributária, conforme prescrito pelo art. 146, inciso III, alínea “b” do texto constitucional. Lei complementar de caráter nacional é aquele documento normativo publicado pelo Congresso Nacional com a prescrição de regras sobre determinadas matérias que devem ser seguidas pela União, pelo Distrito Federal, por todos os Estados e por todos os municípios brasileiros, a fim de manter a uniformidade no trato daquelas matérias e garantir, com isso, a segurança jurídica dos contribuintes em relação a elas. Nas lições do Professor Robson Maia Lins:

 

“(...) a lei federal, no seu âmbito pessoal de validade, limita-se a vincular a União, sem alcançar as outras pessoas constitucionais. Por sua vez, a lei nacional, embora editada pelo Congresso Nacional, tem como destinatários não apenas a União, mas também os Estados e os Municípios. A matéria regulada em lei nacional é aplicável pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, ao contrário do que sucede com as leis simplesmente federais que se limitam consoante ao exposto, a vincular os jurisdicionados e administrados da União.”4

Sobre a atribuição da competência à lei complementar nacional, pela Constituição Federal, para dispor sobre normas gerais em matéria de prescrição tributária, bem explica o professor Eurico Marcos Diniz de Santi:

“(...) estabelecer normas gerais sobre decadência e prescrição em lei complementar implica definir nesse veículo normativo a hipótese (determinando o prazo, seu termo inicial e eventuais circunstâncias suspensivas e interruptivas que conformam esse fato temporal) e o consequente (extinção do direito de lançar, do crédito ou do direito de ação) das regras da decadência e prescrição do direito do Fisco e da decadência e prescrição do direito do contribuinte, aplicáveis, indiscriminadamente, à União, aos Estados, aos Municípis e ao Distrito Federal”5.

Como a prescrição tributária é o instituto que define o prazo que a Fazenda Pública tem para promover a cobrança judicial do crédito tributário que lhe é devido por determinado sujeito passivo, é necessário que as regras a serem aplicadas na definição e no cálculo desse prazo sejam prescritas por meio de lei complementar de caráter nacional para que haja uma uniformidade nesse cálculo, em nome da segurança jurídica. Se assim não fosse, cada ente federado poderia estabelecer um prazo prescricional diferente para a cobrança das suas respectivas dívidas, bem como formas diferentes de cálculo desse prazo e hipóteses diferentes para a interrupção dessa contagem, o que dificultaria ainda mais a certeza do sujeito passivo sobre o prazo limite em que poderia ser cobrado pela Fazenda Pública credora de cada dívida tributária que existir contra ele.

Sendo assim, se o texto constitucional atualmente vigente prescreve, em seu art. 146, inciso III, alínea “b”, que cabe à lei complementar de caráter nacional estabelecer normas gerais em matéria de prescrição tributária, a legislação nacional que atualmente cumpre esse papel é a lei 5.172/66, que instituiu o Código Tributário Nacional e que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com o status de lei complementar. Portanto, é no Código Tributário Nacional atual que precisamos procurar as regras que tratam sobre a prescrição tributária para verificar se há alguma previsão a respeito do efeito do protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa na contagem do prazo prescricional da dívida tributária.

As regras que o CTN atualmente prescreve em relação ao prazo de prescrição tributária estão reunidas no enunciado do seu art. 174. Nas palavras do professor Paulo de Barros Carvalho, “as causas previstas no parágrafo único do art. 174, uma vez ocorridas, têm a força de interromper o fluxo temporal que termina com a prescrição. Interrompido o curso do tempo, cessa a contagem, começando tudo novamente, isto é, computando-se mais cinco anos”6. Estas causas são as seguintes:

Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe:

I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela Lcp 118, de 2005)

II - pelo protesto judicial;

III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.

Observe-se que o protesto extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa não está previsto entre as quatro únicas hipóteses de interrupção da contagem do prazo prescricional elencadas no parágrafo único do art. 174, acima transcrito. Sendo assim, se o documento normativo competente para dispor sobre prescrição tributária é a lei complementar nacional e se, atualmente, o Código Tributário Nacional não prevê o protesto extrajudicial da CDA como causa de interrupção da contagem do prazo de prescrição da dívida tributária e não há nenhuma outra lei complementar nacional atualmente vigente que preveja aquele ato como hipótese para a interrupção do prazo prescricional, é possível afirmar que o protesto extrajudicial da CDA não interrompe a contagem do prazo prescricional das dívidas tributárias protestadas extrajudicialmente.

Como consequência desse entendimento, cabe à Fazenda Pública que optar por enviar para protesto em cartório uma Certidão de Dívida Ativa ter atenção para o fato de que esse ato não interromperá a contagem do prazo prescricional das dívidas que compõem aquela CDA. Caberá, então, a essa Fazenda Pública, realizar o protesto extrajudicial em um momento em que haja prazo prescricional suficiente para que, se for verificado que o sujeito passivo continua inadimplente mesmo após o protesto, ainda seja possível propor a ação de execução fiscal competente para buscar a cobrança judicial dessa mesma dívida.

 
________________

1 CÉZARI, Marcos. Dívidas de IPVA em São Paulo serão protestadas em cartório. Folha de São Paulo. São Paulo, 12 nov 2013. Disponível aqui. Acesso em: 07 jul 2019.

2 “O grande estoque de execuções fiscais municipais paralisadas dispersa a força de trabalho das unidades judiciais, que poderiam ser concentradas para ações de execuções fiscal mais vultosas e complexas. É resultado negativo do uso indiscriminado da via judicial para cobrança da dívida ativa a ineficiência do aparelho judicial para atuação concentrada em ações que efetivamente trariam ganhos para os Municípios”. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Corregedoria Geral da Justiça. Dívidas Ativas e Execuções Fiscais Municipais. 4 ed. atual. São Paulo: 2017, p. 3. Disponível aqui. Acesso em: 07 jul 2019).

3 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Comunicado SDG n.º 23/2013. São Paulo, 05 jun 2013. Disponível aqui. Acesso em: 07 jul 2019.

4 LINS, Robson Maia. Curso de Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Noeses, 2018, p. 232-233.

5 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e Prescrição no Direito tributário. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 66.

6 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 435.

________________

*Francielli Honorato Alves é mestre em Direito Tributário pela USP, especialista em Direito Tributário pelo IBET, licenciada em Letras pela UNESP e graduanda em Ciências Contábeis pela FIPECAFI. É advogada, professora do curso de especialização em Direito Tributário do IBET e consultora jurídica da Fiorilli Software.

 

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