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A produção antecipada de provas e a autocomposição: aplicação prática no Direito do Seguro

Com a produção antecipada de prova, tudo isso fica de lado. O tempo da disputa se reduz, os custos diminuem, e cabe ao Poder Judiciário apenas referendar o resultado de um procedimento probatório cuja idoneidade não mais se discute.

9/7/2019

O novo Código de Processo Civil mudou a dinâmica da antiga medida cautelar de produção antecipada de provas. Aumentaram as possibilidades de seu uso, ampliaram-se os horizontes à sua disposição, e as circunstâncias atuais, vestindo-lhe de nova roupagem, acabaram por torná-la muito mais importante, de modo que serve até de meio de viabilizar a composição das partes.

Em outras e sumárias palavras: desataram-se os nós das antigas amarras e a produção de provas deixou de ser problema para ser solução efetiva.

Ao comentar o art. 381 do CPC, Nelson Nery Junior disse: “Não mais se apresenta uma exposição estanque dos casos que ensejam a antecipação, mas o delineamento de situações nas quais considera-se que ele seja cabível, quais sejam, o risco de impossibilidade ou extrema dificuldade de produzir prova na pendência da ação, a possibilidade de a prova conduzir as partes à realização da autocomposição, ou justificar/evitar propositura de ação, pela cessação do litígio. ”(Código de Processo Civil Comentado, 16ª, RT, São Paulo: 2016, p. 1100/1001).

Suponha o leitor o seguinte caso: um segurador toma ciência de um incêndio nas dependências de um depositário, segurado seu. Dentro do local, o fogo consumiu as cargas e reduziu a pó os bens e valores segurados. Os relatórios apontam, como gênese do sinistro, a má instalação de um sistema antifurto, pela qual é responsável a empresa que o forneceu.

A despeito das provas que lhe mostram como civilmente responsável, o terceiro se recusa a reconhecê-lo. Armado das escusas de sempre, acusa unilateralidade do relatório do regulador de sinistro, falta de prova suficiente de sua culpa, culpa do próprio segurado. Só arcará com os erros de sua conduta, quando o judiciário (ou seu perito) o houver dito. E isso não requer o necessário ajuizamento de uma ação regressiva de ressarcimento.

Claro, a autora poderá fazê-lo. Mas também fica aberta às partes uma outra hipótese, bem menos onerosa e esvaziada de riscos: a autocomposição.

Dependendo do que se entender da prova produzida na medida cautelar, poderão caminhar com maior firmeza para um acordo. Bastava-lhes a chancela do que se passou de fato, feita pelo longa manus do judiciário. A confiabilidade da perícia judicial aumentará as chances de uma autocomposição. Além de definir o desenho final do caso com a devida imparcialidade, é coisa que, por estes meios, se fará com ônus bem menor.

Considerando o valor da indenização de seguro que a seguradora terá pago ao segurado, a disputa judicial cognitiva implicaria pesadíssimos encargos financeiros para a parte sucumbente, além de exigir do juiz uma atenção maior aos seus trâmites e um tempo considerável para sua resolução.

Com a produção antecipada de prova, tudo isso fica de lado. O tempo da disputa se reduz, os custos diminuem, e cabe ao Poder Judiciário apenas referendar o resultado de um procedimento probatório cuja idoneidade não mais se discute. O que for decidido em termos de prova porá fim a qualquer discussão acerca da culpabilidade, de modo suficientemente determinante para que, convencendo disso o culpado, este se renda à verdade dos fatos, evitando custos desnecessários, reduzidos pelo acordo que se facilitou.

Os incisos II e III do art. 381 do Código de Processo Civil também oferecem pleno amparo a este ponto de vista: “a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito” e/ou “o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento da ação.”.

Serão duas as consequências da medida cautelar: 1) evitar o ajuizamento da ação regressiva de ressarcimento ou 2) facilitar a autocomposição.

Caso a prova aponte realmente a culpa do depositário, e mesmo assim ele não queira arcar com a própria responsabilidade, a seguradora enfim ajuizará a ação regressiva de ressarcimento com a questão de fundo praticamente definida, desonerando o Poder Judiciário de encargos maiores.

Essa possibilidade se justifica nos três seguintes pontos:

1) Fundamento legal no art. 381, I e II do Código de Processo Civil;

2) Busca da certeza absoluta da causa e da responsabilidade do sinistro sem os pesados ônus da disputa judicial de ressarcimento em regresso;

3) Expectativa de futura autocomposição a depender do resultado final.

Não só: dependendo do ramo do seguro e das particularidades do caso, outras questões importantes poderão ser previamente tratadas, sem os ônus presentes em ações regressivas de ressarcimento.

Falamos de questões como eleição de foro estrangeiro, compromisso arbitral e limitação de responsabilidade.

Ora, já na ação de produção de provas essas questões poderão ser tratadas, ainda que reflexamente, pelo Poder Judiciário, o que já evita discussões mais alongadas e arriscadas em sede mais onerosa e com implicações mais substanciosas.

Por isso, usando a linguagem do mercado segurador, ousamos afirmar que tanto no contencioso como no ressarcimento, a ação de produção de provas surge como aliada poderosa das seguradoras, algo passível de uso frequente, ao menos nos casos mais complexos e com valores mais elevados em pauta.

Nos tempos atuais, verdade é que a comunidade jurídica tem passado a primar por autocomposição. Como forma de combater o excesso de trabalho que pesa nas costas do Judiciário, a produção antecipada de provas, em seu redesenho pelo código atual, surgiu como medida inteligente, saudável e útil a todos os membros (potenciais) da cadeia processual: autor, réu, juiz e, indiretamente, a sociedade em geral.

Nelson Nery Junior deixa bem justificada a questão: “(...) O interesse da parte pode justificar seu ajuizamento em período anterior ao da ação principal, quando então terá caráter nitidamente preparatório; (...) o formato dado a produção antecipada de provas no atual CPC admite que o interessado verifique fatos de forma a se certificar da necessidade ou não de propositura da ação cabível no caso, ou ainda apure fatos que podem levar as partes à conciliação” (Op. Cit., p. 1101).

A antiga medida cautelar de produção de provas causava-nos certo desconforto, sendo alvo de uma constante desconfiança. A atual, porém, é vista de modo positivo. Indica um leque nada desprezível de oportunidades auspiciosas para delinear o Direito com fatos mais seguros e concretos.

De opositores a incentivadores: o Direito é cambiário por excelência. Nos últimos tempos as mudanças têm sido rápidas e intensas. E isso não é algo necessariamente bom. Na verdade, alterações recentes em diversos campos têm causado um grande prejuízo ao Direito. Não é o caso aqui; esta, da ação de produção de provas, é mudança boa, digna de aplausos e elogios. Algo imbricado no Direito Processual Civil, mas que se ajusta ao Direito do Seguro em exercício, como luva à mão.

Uma ação mais rápida como esta, barata e prática, serve de verdadeiro apoio a situações fáticas que, apesar de fundo delicado, poderiam muito bem ser resolvidas por outros meios. É como uma tábua de salvação que se oferece ao Judiciário: aceita, poderá levar a pureza do ar a seus pulmões, sem que tenha faltado ao seu dever; rejeitada, terá de manter-se à custa de um esforço inglório, sem que dele houvesse a menor necessidade.

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*Paulo Henrique Cremoneze é sócio de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados.

*Leonardo Reis Quintanilha é estagiário oficial de Direito, membro de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados.

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