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Reforma da Previdência: as possíveis mudanças e o impacto econômico e social da PEC 6/19

As mudanças estruturais da Previdência Social devem estar embasadas em uma conjuntura de política econômica que esteja umbilicalmente relacionada com o sistema de proteção social.

5/7/2019

O tema reforma da Previdência tem sido um dos assuntos mais debatidos nas camadas políticas e em âmbito nacional. Todos os dias os noticiários estão recheados de assuntos que tratam sobre a necessidade de se reformar o sistema para salvaguardar as gerações futuras, e que esta tem onerado as contas públicas, apresentando-se, assim, um considerável déficit.

Minha linha de pensamento, já defendida em artigo científico, publicada em 2015 pela Revista de Previdência Social da LTR, quando tratei sobre o orçamento da Seguridade social e da Previdência Social, vai na contramão desse cenário alarmante pregado sobre o suposto déficit previdenciário, em que é possível conferir aqui.

Sob tal aspecto, a Previdência Social não se encontra deficitária, ou, pelo menos, não da forma como se apresenta, já que esta, por compor a Seguridade Social, angaria seus recursos por meio de contribuições diretas e indiretas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Além disso, há legislação específica, por meio da emenda constitucional 43, que autoriza o desvio de 30% dos recursos da União, vis DRU – Desvinculação de Receitas da União – para pagamento de dívida externa e alocação em outros setores da política econômica brasileira.

Sob o discurso da necessidade de se reformar a previdência, atualmente tramita no Congresso Nacional a proposta de emenda constitucional 06/19, que propõe o fim da aposentadoria por tempo de contribuição, com a imposição de uma idade mínima de aposentadoria, que seria de 62 anos para a mulher e 65 anos para o homem, além do cumprimento de uma carência de 20 anos para os homens e 15 para as mulheres.

Em tal proposta, insere-se ainda algumas regras de transição, quais sejam:

Dentre as mudanças a serem votadas, estão também a da aposentadoria do trabalhador rural, no que se refere ao tempo de cumprimento da carência para os homens, que seriam de 20 anos de comprovação de trabalho na zona rural.

Já a pensão por morte não seria mais garantida em valor integral, mas em 60% acrescido de 10% por dependente, até o limite de 100%, ressalvado o caso em que o dependente é pessoa com deficiência grave ou mental, intelectual e/ou sensorial. As pessoas de baixa renda que não comprovem outra fonte de renda, ainda seria garantido uma pensão ao menos um salário mínimo.

Já em relação à aposentadoria da pessoa com deficiência, a principal mudança é o cumprimento de 35 anos de contribuição para pessoas que apresentam deficiência leve, sejam estas do gênero masculino ou feminino.

Um dos grandes pontos polêmicos da reforma seria o estabelecimento da idade mínima para a aposentadoria especial, ou seja, para os trabalhadores que estão sujeitos a agentes nocivos de natureza física; química e/ou biológica e que tragam prejuízo à saúde e/ou integridade física.

É importante esclarecer que a aposentadoria especial, que teve o seu advento em 1960 por meio da LOPS – Lei Orgânica de Previdência Social - garante o direito de o trabalhador se aposentar mais cedo justamente pelo fato de que os agentes nocivos trazem um prejuízo para sua saúde, que por muitas vezes, são irrecuperáveis. Assim, retira-se o trabalhador do agente nocivo, mais cedo, a fim de não trazer maiores prejuízos à sua saúde.

A aposentadoria especial, na maioria dos casos, é concedida ao trabalhador que completa 25 anos exposto a agentes insalubres ou periculosos. Desse modo, obrigar esse segurado, exposto a agente nocivo, que trabalhe até os 60 anos de idade é ir na contramão dos princípios garantidores da dignidade da pessoa humana.

Ademais, incluiu-se ainda na proposta a retirada do reconhecimento da periculosidade para fins de cômputo de tempo especial ou concessão da aposentadoria especial. Desse modo, diversos trabalhadores que se expõem em condições que possam ser letais para sua vida, não gozarão mais do benefício de se aposentar mais cedo, dentre eles, o eletricista sujeito à alta-tensão, e o vigilante que trabalhe armado. 

Embora o governo tenha recuado em modificar o valor dos benefícios assistenciais e de se adotar, já de início, o modelo de capitalização, este foi muito ousado na apresentação de sua proposta, tanto em relação à implementação dos requisitos para concessão de benefícios previdenciários, quanto também em relação a nova fórmula de cálculo a ser utilizada.

Pelo novo modelo de cálculo, na média aritmética não seria descartado mais os 20% dos menores salários, como ocorre atualmente, e sim entraria na base de cálculo 100% dos salários. Além disso, o valor a ser pago pelo benefício inicia-se em 60%, acrescido de 2% para cada ano que exceder os 20 anos de carência. Desse modo, o segurado somente teria direito ao benefício com proventos integrais depois de completado 40 anos de tempo de contribuição.

Contexto econômico e social

Embora a realidade demográfica brasileira não seja satisfatória no sentido de garantir com fartura por gerações uma cartela de benefícios previdenciários à população, há possibilidades sensatas e responsáveis a serem aplicadas e que vão ao encontro de um crescimento social e econômico, ao mesmo tempo em que atende de forma justa e digna o trabalhador que com esforço, direta ou indiretamente, contribui com a Previdência Social.

Há medidas econômicas que garantem um crescimento do orçamento da Previdência Social, tais como o aumento de contribuintes, por meio do fomento de empregos, progressos de gestão, operação de créditos, combatendo-se, ainda, fraudes.

A reforma da previdência pode ser realizada, todavia, o que deve-se combater são de fato os privilégios, pois o texto atual prejudica, massivamente, a camada mais pobre da população, tendo em vista que a maioria, o que corresponde a 70% dos aposentados do Regime Geral de Previdência Social (INSS) recebe somente um salário- mínimo.

As pessoas que possuem maior carência financeira, quase sempre se aposentam por idade, por passarem boa parte da sua vida profissional, desde a mais tenra idade, na informalidade do mercado de trabalho, o que tende a piorar com a exigência da idade mínima, pois quase sempre não se contratam pessoas, ainda mais com baixa escolaridade, com idades elevadas, acima dos 60 anos de idade.

Segundo dados do IBGE, há cerca de 16 milhões de pessoas acima de 65 anos no Brasil. Todavia, apenas 137,6 mil destas ocupam vagas formais no mercado de trabalho, de acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2015, o que representa apenas 0,3% dos 48 milhões de trabalhadores formais.

Não se garante, em tal contexto, o mínimo essencial para garantir a dignidade da pessoa humana, pois uma boa parte da população pode se observar sem emprego e sem aposentadoria, podendo causar, inclusive, impactos na saúde, aumentando-se também os requerimentos de benefícios por incapacidade, que corresponde a, aproximadamente, 20% de todo montante de benefícios previdenciários.

Frisa-se também que em razão da rede de proteção social, os sistemas previdenciários, embora possam trazer influência na política fiscal de um país, não são criados por motivo do impacto que possam ter sobre a economia, já que estes se destinam a oferecer cobertura à população em casos de incontingências e necessidades sociais, a fim de assegurar, de fato, um sistema de proteção social.

O sistema de Seguridade Social, na qual a Previdência Social está inserida, tem por objetivo garantir proteção social na ocorrência de situações de carência, havendo uma responsabilização de todos os indivíduos pelas necessidades vitais básicas de outros, para que todos possam gozar de uma vida digna, a fim de que se realize o bem comum e a justiça social.

Respeitar o maior princípio constitucional, qual seja, o da dignidade da pessoa humana, e viver com dignidade, transmuta-se como um verdadeiro ideal e indicador mais idôneo de uma civilização evoluída e com sedimentação nos direitos sociais conquistados.

Nesse contexto, instituir uma reforma da previdência com o único intuito de cortar ou suprimir direitos dos trabalhadores ao invés de se ampliar e aperfeiçoar o sistema previdenciário brasileiro é dar um passo atrás nos consolidados princípios da seguridade social.

Quanto ao regime de capitalização, que embora não tenha malgrado êxito atualmente, e que pode, gradativamente, ser instituído, esclarece-se a importância, quase que imperiosa, de se manter políticas básicas e indispensáveis a determinadas camadas da população, de grupo homogêneos mais vulneráveis e que estejam atinentes com o regime de previdência atual, que tem a tutela do Estado.

Portanto, as mudanças estruturais da Previdência Social devem estar embasadas em uma conjuntura de política econômica que esteja umbilicalmente relacionada com o sistema de proteção social.

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*Carla Benedetti é jornalista e advogada e mestre em Direito Previdenciário. 

 

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