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A liberação de garantias por meio do plano de recuperação judicial e o STJ

Tendo cláusula expressa, aprovada em Assembleia Geral de Credores, deve a cláusula produzir efeitos frente a todos, sob pena de desestruturação e risco do soerguimento da Recuperanda.

5/7/2019

O assunto “recuperação judicial” e as garantias prestadas por terceiros (reais ou fidejussórias) possui um pacífico entendimento, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, quanto aos efeitos sobre as garantias (fidejussórias, cambiais e reais) nas fases de processamento (art. 52 da lei 11.101/05 “LREF”) e de concessão da recuperação judicial (art. 58 da LREF).

A temática foi debatida na segunda seção, sendo que restou consolidado no REsp 1.333.349/SP, de Relatoria do ministro sr. Luis Felipe Salomão, o seguinte entendimento:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/08. DIREITO EMPRESARIAL E CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROCESSAMENTO E CONCESSÃO. GARANTIAS PRESTADAS POR TERCEIROS. MANUTENÇÃO. SUSPENSÃO OU EXTINÇÃO DE AÇÕES AJUIZADAS CONTRA DEVEDORES SOLIDÁRIOS E COOBRIGADOS EM GERAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 6º, CAPUT, 49, § 1º, 52, INCISO III, E 59, CAPUT, DA LEI 11.101/05. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: "A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da lei 11.101/05".

A discussão, de igual forma, já fora discutida na Jornada de Direito Comercial, sendo aprovado, quanto a fase de processamento, que acabou na criação do Enunciado 43: “A suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da lei 11.101/05 não se estende aos coobrigados do devedor”.

No entanto, a discussão a respeito dos efeitos da concessão da recuperação judicial voltou a ser o centro de debates no âmbito do STJ, a partir de uma nova perspectiva: é lícita a cláusula de plano de recuperação judicial que contenha a liberação de garantias?

A licitude desta modalidade de cláusula é inquestionável, uma vez que as garantias são direitos patrimoniais que podem ser livremente negociadas entre credores e devedores. No entanto, há questão primordial a ser enfrentada, partindo da premissa de que a cláusula é lícita: sendo aprovada em Assembleia Geral de Credores, ela produz efeitos em face dos credores que não compareceram à Assembleia, votaram contrariamente ao Plano de recuperação judicial ou apresentaram ressalvas em relação à cláusula de liberação das garantias? Este é o foco da discussão travada no STJ nos REsp. 1.532.943/MT e REsp 1.700.487/MT.

A corrente dominante, liderada pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, entendeu, além da legalidade da cláusula, pela possibilidade de seus efeitos abrangerem os credores que votaram contrariamente ao plano de recuperação judicial, não compareceram ou apresentaram ressalva em relação a liberação de garantias. Esta corrente possui como premissas básicas os seguintes fundamentos:

(A) o art. 49, §2º permite a modificação dos créditos originalmente contratados por meio do plano de recuperação judicial: “Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. § 2º As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial”.

Além de buscar permissivos legais para que as garantias pessoais sejam suprimidas, o ministro também interpretou a legislação de modo a superar o obstáculo encontrado no art. 50, §1º, visto como principal obstáculo em relação as garantias reais. Veja-se a redação da LREF: “Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: [...] § 1º Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia”.

Da análise nua da legislação, verifica-se a necessidade de permissão individual do credor titular da garantia. No entanto, o voto vencedor sustentou o seguinte fundamento (B): a de que a vontade da Assembleia Geral de Credores seria mais do que suficiente para que suprir a permissão requerida no §1º do art. 50, sendo que o consentimento individual do credor somente seria necessário caso a Assembleia Geral não o houvesse feito de forma expressa por meio do Plano de Recuperação Judicia

No RESp 1.700.487/MT, deve ser ressaltada o voto da ministra sra. Nancy Andrighi, o qual possui um grande poder de síntese para apresentar argumentos da corrente que sustenta a mitigação dos efeitos da cláusula do plano de recuperação judicial que prevê a liberação de garantias reais e pessoais somente em relação aos credores que aprovaram tal cláusula.  Inicialmente, sustenta que o art. 50, §1º deve ser interpretado de forma literal, devendo haver anuência do credor detentor da garantia real. Assim, caso este tenha votado contrariamente ao Plano de recuperação judicial ou tenha realizado ressalva em relação a cláusula, esta não produz efeitos em sua garantia.

Quanto às garantias pessoais, destaca-se as regras de interpretação sustentadas pela ministra a partir de trecho retirado do próprio acórdão:

“Rogando vênia àqueles que entendam de modo diverso, a interpretação deve ser feita da seguinte forma: I. o caput do art. 49 cria a norma geral: todos os créditos existentes na data do pedido estão sujeitos à recuperação judicial; II. o § 1º excepciona essa regra: as garantias contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso tituladas por credores da recuperanda não podem ser atingidas pela recuperação judicial;  III. o § 2º traz outra exceção: as condições originalmente previstas (valores, prazos, encargos) para cumprimento das obrigações anteriores ao pedido – ressalvadas as garantias, pois já excluídas da recuperação pelo dispositivo precedente – podem ser modificadas pelo plano de soerguimento”. 

O que deve ser ressaltado, deste entendimento, é a interpretação que é dada ao §2º do art. 49. Para esta corrente, o dispositivo diz referência unicamente em relação aos encargos do crédito, não devendo a sua parte final (“modificação por meio do plano de recuperação judicial) ser estendida aos coobrigados. Com esta interpretação, restaria impossível estender os efeitos do plano de recuperação judicial às garantias pessoais dos credores que votaram contrariamente a ele ou realizaram ressalva, pois a regra da LREF seria a manutenção das garantias.

Com a devida vênia a corrente vencida, parece que a interpretação a ser dada à lei 11.101/05 deve sempre ser guiada pelo espírito coletivo e cooperativo do microssistema de direito recuperacional, pautando-se pelo norte previsto no art. 47 da LREF: Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Dessa forma, tendo cláusula expressa, aprovada em Assembleia Geral de Credores, deve a cláusula produzir efeitos frente a todos, sob pena de desestruturação e risco do soerguimento da Recuperanda.

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*Assione Santos é sócio fundador do escritório A Santos Advogados Associados.

*Luis Miguel Roa Florentin é advogado sócio do escritório A Santos Advogados Associados.

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