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Da responsabilidade solidária na assistência à saúde no SUS

Destaque-se que o objetivo deste trabalho é unicamente tratar de questões referentes à legitimidade processual e à repartição de competências no SUS, nos casos em que o pedido judicial de medicamento tiver sido deferido.

1/7/2019

1. Da tese fixada pelo STF

Recentemente, o STF fixou tese de repercussão geral no recurso extraordinário 855178, que tratava da solidariedade dos entes federativos para o pagamento de medicamentos e tratamentos deferidos por decisão judicial. Na ocasião, foi firmada a tese de que “Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”.

1.1. Solidariedade e litisconsórcio passivo

Da tese acima, extrai-se que os entes federados (União, Estados e Municípios) podem ser demandados solidariamente como litisconsortes passivos nas demandas em que se pleiteia que o SUS forneça determinada tecnologia de saúde, confirmando a antiga jurisprudência sobre o tema, externada na suspensão de segurança 3355.

1.2. Direcionamento do cumprimento da obrigação e responsabilidade financeira

Todavia, a tese foi além e determinou que o juiz, considerando a repartição de competências próprias do SUS, no caso concreto, direcionasse o cumprimento da obrigação ao ente responsável pelo seu financiamento.

1.3. Previsão de ressarcimento

O STF estabeleceu também que, no caso de a obrigação ter sido cumprida por ente que não era responsável financeiro pela obrigação, o juiz deve determinar que ele seja ressarcido pelo corréu a quem ela competia.

1.4. Os desafios que emergem da tese fixada

Colocam-se para o juiz dificuldades de duas ordens. Uma diz respeito à formação do litisconsórcio passivo necessário, e outra se refere à definição das competências administrativas de financiamento das variadas tecnologias em saúde. No presente texto, busca-se tratar somente de tecnologias referentes a medicamentos. 

2. Do litisconsórcio passivo necessário

Diante da solidariedade reconhecida e estabelecida na tese, percebe-se que a parte autora pode, em tese, ajuizar ação contra qualquer um dos entes que compõem o SUS.

2.1. Relevância da definição do ente responsável financeiro

Não obstante, na medida em que o juiz deverá direcionar ao ente correto a responsabilidade pelo financiamento do tratamento, faz-se necessário que este último esteja presente na relação processual. Seria impossível pensar nesse redirecionamento sem que o ente responsável fosse parte, em decorrência do efeito intra partes, consagrado no processo civil.

Em outras palavras, as ações em que se pleiteia tratamento em face do SUS devem ser propostas contra o responsável financeiro para arcar com o seu custeio, ainda que os outros entes possam também figurar na relação processual. Dessa forma, não se aplica ao caso a concepção clássica e privatista do direito civil acerca da solidariedade, prevista no art. 275, do Código Civil.

2.2. Cabimento da determinação de inclusão de ente no polo passivo de ofício

Indaga-se qual seria a conduta do juiz no caso de a parte não ter designado como réu a pessoa jurídica de direito público que deve arcar com o ônus financeiro do tratamento. A resposta a essa questão foi explicitada no voto condutor da tese (ainda não publicado), que previu que “Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídica processual, sua inclusão deverá ser levada a efeito pelo julgador, ainda que isso signifique deslocamento de competência”.     

2.3. A superação do entendimento jurisprudencial anterior

Em primeiro lugar, há que se concluir que, diante do julgado, a antiga jurisprudência, consolidada no REsp 1.203.244/SCque inadmitia o chamamento ao processo dos demais devedores solidários em demandas de saúde contra o SUS, na forma do art. 130, do CPC, precisa ser revista.

A tese impõe ao juiz que, independentemente de chamamento ao processo, determine que o ente responsável figure na relação de direito processual, para que se forme o litisconsórcio passivo necessário. Para tanto, o juiz, quando souber quem é o responsável financeiro pela aquisição de determinado tratamento, deve intimar a parte autora para que o inclua como réu no processo. Caso não o faça, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito, com base no art. 485, VI do CPC. Caso a parte promova a emenda da inicial, o juiz deve aceitá-la e verificar se possui competência para o processamento e o julgamento do feito.

2.4. Existência de duas situações diversas

Relativamente ao tema, devem-se diferenciar duas situações: quando se pleiteia tecnologia padronizada e quando o processo objetiva a concessão de medicamento não padronizado. 

2.4.1. Tecnologias padronizadas

Se a tecnologia pleiteada já tiver sido objeto de incorporação pelo SUS, o direcionamento deve seguir as normas de repartição de competências pactuadas. Assim, o juiz, com o auxílio das partes, deverá verificar a qual dos entes federativos compete o financiamento de determinada tecnologia e determinar que ele passe a integrar o polo passivo da relação processual, com o eventual deslocamento de competência. 

2.4.2. Tecnologias não padronizadas

Caso a tecnologia demandada não esteja prevista nas políticas públicas do SUS, a tese indica que a União deve necessariamente compor o polo passivo, privilegiando o que vem previsto no art. 19-Q, da lei 12.401/11.

O voto proferido pelo relator (ainda não publicado), ministro Luiz Edson Fachin, estabeleceu que “Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas em todas as suas hipóteses a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo ou as razões da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão nos termos da respectiva fundamentação”.

Percebe-se que o voto privilegiou o enunciado 78, do Comitê Executivo do Fórum de Saúde do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe que “Compete à Justiça Federal julgar as demandas em que são postuladas novas tecnologias de alta complexidade ainda não incorporadas ao Sistema Único de Saúde – SUS”.

Nessa hipótese, caso a União não tenha sido incluída no polo passivo, o juiz estadual deverá intimar a parte autora a incluí-la e, diante de sua incompetência (art. 109, I, CF), remeter o processo à Justiça Federal. Caso a parte autora não o faça, o juiz deve extinguir o feito sem resolução de mérito, consoante já visto no item 2.3.

3. Da determinação da responsabilidade financeira dos entes federados

3.1 Tecnologias padronizadas

Para tratar desse tema, faz-se necessário discorrer brevemente sobre o financiamento do SUS.

A lei 8.080/90 traz em seu art. 14-A, parágrafo único, as atribuições das Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite (CIB e CIT), que são formadas pela associação dos gestores do SUS em seus diversos graus. A Comissão Tripartite inclui os gestores nacional, estaduais e municipais. A Bipartite é formada pelo gestor estadual e pelos gestores municipais relativos à mesma unidade da federação.

O inciso I do referido parágrafo estabelece que às comissões compete “decidir sobre os aspectos operacionais, financeiros e administrativos da gestão compartilhada do SUS, em conformidade com a definição da política consubstanciada em planos de saúde, aprovados pelos conselhos de saúde”.

Adiante, a lei 8.080/90, alterada pela lei 12.401/11, ao discorrer sobre os protocolos clínicos, estabelece em seu art. 19-P, inciso I, que, na falta desses protocolos, a dispensação de tecnologias em saúde será realizada “com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite”. Esse inciso se refere aos medicamentos arrolados na RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais).

O art. 19-U prevê também que “A responsabilidade financeira pelo fornecimento de medicamentos, produtos de interesse para a saúde ou procedimentos de que trata este Capítulo será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite”.

Depreende-se que o financiamento tanto das tecnologias arroladas na RENAME, quanto daquelas previstas em protocolos clínicos é discutido e fixado na Comissão Intergestores Tripartite, não existindo nenhuma regra que estabeleça a priori qual a responsabilidade de cada ente. Isso só será aferível após a pactuação.

Com relação às tecnologias em saúde já incorporadas, é fácil que o juiz verifique qual ente é responsável pelo seu financiamento, bastando conferir o que foi pactuado. O problema surge quando se está diante de tecnologia que não está no elenco do SUS e que, portanto, não se submeteu ainda à pactuação na Comissão Tripartite.

3.2 Tecnologias não padronizadas

3.2.1 Zonas de certeza

3.2.1.1 Do componente estratégico

A assistência farmacêutica no SUS está dividida em 3 componentes: básico, estratégico e especializado. Os medicamentos incorporados ao SUS são alocados em cada componente de acordo com regras definidas por atos normativos. Cada componente possui uma forma de financiamento específica, bem como de aquisição, distribuição e entrega.

O Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF) contempla todos os medicamentos utilizados para doenças endêmicas ou que tenham impacto socioeconômico, abrangidos pelos programas: a) DST/AIDS (antiretrovirais); b) endemias focais (malária, leishmaniose, doença de chagas e outras doenças endêmicas); c) hanseníase; d) tuberculose; e)  talidomida para lúpus eritematoso sistêmico, doença do enxerto x hospedeiro e mieloma múltiplo; f) doenças hematológicas e hemoderivados; g) influenza; h) os medicamentos e insumos para o controle do tabagismo; i) vacinas; j) soros, e k) imunoglobulinas1.

Nesse componente, a pactuação não se dá pela tecnologia, mas sim pelas doenças e agravos de perfil endêmico, com importância epidemiológica, impacto socioeconômico ou que acometem populações vulneráveis, que a União decidiu tratar com financiamento federal. Note-se que somente para o lúpus eritematoso sistêmico, a doença do enxerto x hospedeiro e mieloma múltiplo há medicamento específico previsto, a talidomida.

O financiamento e a aquisição destes medicamentos se dão pelo Ministério da Saúde.

Depreende-se, pois, que os medicamentos pleiteados judicialmente que não estão incorporados e que se destinem ao controle dessas doenças e situações devem ser financiados pela União.

3.2.1.2 Do programa da saúde da mulher e das insulinas humanas

A portaria de consolidação 6/17do Ministério da Saúde, ao tratar do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, fixa que o seu financiamento é de responsabilidade da União, Estados, DF e Municípios (art. 537)..

Todavia, a portaria de consolidação 2/17, do MS, em seus arts. 35 e 36, traz alguns casos em que a responsabilidade de custeio é exclusivamente da União. Tais artigos se referem especificamente aos medicamentos insulina humana NPH 100 UI/ml e insulina humana regular 100 UI/ml, bem como ao Programa da Saúde da Mulher

Com base nisso, percebe-se que, ainda que a Portaria faça menção apenas a medicamentos já incluídos na RENAME, a União chamou para si a responsabilidade pela aquisição das insulinas humanas, bem como dos métodos contraceptivos orais e injetáveis, DIU e diafragma2Isso leva à conclusão de que eventuais pedidos judiciais desses tipos de tecnologia devem ser dirigidos à União.

3.2.1.3 Da oncologia

A sistemática de ressarcimento do tratamento contra o câncer é bastante peculiar. O financiamento dos medicamentos oncológicos não se dá de acordo com os componentes da assistência farmacêutica, mas sim pela inclusão do seu valor nos procedimentos quimioterápicos indicados para uma determinada situação tumoral, por meio das APACs-Oncologia (Autorização para Procedimento de Alta Complexidade).

O SUS fixa os valores de cada APAC-Onco levando em conta o tumor e a situação do paciente. Assim, os estabelecimentos credenciados no SUS e habilitados em Oncologia podem adotar o esquema terapêutico que considerarem mais eficiente, sempre levando em conta que todos os custos desse esquema devem caber na respectiva APAC.

Os estabelecimentos credenciados adquirem o tratamento que julgarem conveniente e, posteriormente, são ressarcidos pelo sistema de APAC-Onco, de acordo com o código específico para cada tipo de câncer, situação tumoral e linha de tratamento.

Os tratamentos oncológicos estão enquadrados como Procedimentos de Alta Complexidade do SIA/SUS e Procedimentos de Alta Complexidade do SIH/SUS, integrantes dos Sistemas de Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar do Sistema Único de Saúde, conforme a portaria 627, de 26 de abril de 2001 (anexos I e II).

Nos termos da portaria de consolidação 6/17, do MS, o bloco de financiamento da Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar é constituído por dois componentes, o Limite Financeiro da MAC (Média e Alta Complexidade) e o Fundo de Ações Estratégicas e Compensação - FAEC (art. 173).

Os recursos financeiros da MAC são federais, conforme disposto no § 2º, do artigo 175, transferidos do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme a Programação Pactuada e Integrada, publicada em ato normativo específico.

Quanto ao FAEC, criado pela portaria 531/99, houve inicialmente um aporte de valor fixo de recursos federais, com aportes posteriores decorrentes dos saldos dos recursos não utilizados na assistência ambulatorial, de média e alta complexidade e hospitalar.

Os procedimentos ambulatoriais e hospitalares de média e alta complexidade, atualmente financiados pelo FAEC, serão gradativamente incorporados ao Componente Limite Financeiro MAC, nos termos da referida portaria.

Assim, o custeio das APACs é federal.

Dessa forma, nos casos em que se discute tratamento oncológico, a União deve necessariamente compor o polo passivo da relação processual, nos termos da decisão do Supremo Tribunal Federal, na medida em que cabe a ela tanto o cumprimento da medida e custeio do tratamento, quanto o ressarcimento na eventualidade deste ter sido anteriormente imputado ao Estado ou Município.

3.2.2 Das zonas de incerteza

A maior problemática que surge em decorrência da tese firmada pelo STF diz respeito às drogas cuja responsabilidade pelo financiamento só seria aferível após a pactuação na Comissão Tripartite, em decorrência da composição de vontade dos entes federados. O fato de não haver nenhuma norma que balize a pactuação torna o direcionamento ainda mais árduo.

O único norte que se tem é que, tradicionalmente, medicamentos mais caros ou de maior impacto financeiro acabam tendo seu custeio direcionado à União, na medida em que é ela quem detém maior capacidade financeira.

Seguindo a mesma lógica, parece ser bastante adequado, dada a impossibilidade de atribuição da responsabilidade a um ente específico, que drogas não incorporadas e que não se enquadram nas zonas de certeza acima, devam ter seu financiamento imposto à União.

3.2.2.1 A capacidade financeira da União

O primeiro motivo para tanto é o fato de a União ser o ente federado com maior arrecadação e com maior orçamento para ações de saúde.

3.2.2.2 O regime do Fundo Nacional de Saúde

Num segundo momento, há que se considerar que o sistema normativo do SUS prevê que, em hipóteses excepcionais, o financiamento das ações de saúde seja feito com recursos do Fundo Nacional de Saúde (vide, por exemplo, o art. 559, da portaria de consolidação 06/17, do Ministério da Saúde)3Em que pese haja a menção à hipótese específica de custeio de medicamentos previstos na RENAME determinado por meio de emendas parlamentares, a lógica do dispositivo é clara no sentido de que despesas que não estavam contempladas devem ser custeadas pela União.

O Fundo Nacional de Saúde (FNS) é gerido e administrado pelo seu diretor-executivo, sob a orientação e supervisão direta do Secretário-Executivo do Ministério da Saúde, de acordo com o art. 4º, do decreto 3.964/01.

O fato de o FNS estar sob o comando do Ministério da Saúde é mais um motivo para a União ser considerada a responsável financeira pelos medicamentos tratados neste item. No ponto, não se deve considerar necessária a integração do FNS na lide, uma vez que a decisão do Supremo Tribunal Federal nada falou nesse sentido e em razão da sua total subordinação ao Ministério da Saúde.

3.2.2.3 A competência da União para a incorporação de novas tecnologias

Por fim, na medida em que cabe à União incorporar novas tecnologias em saúde, nos termos do artigo 19-Q, da lei 8080/90, sendo que a incorporação é anterior à pactuação, é de se entender que a União o faz assumindo o ônus financeiro, caso este não possa ser comportado por Estados e Municípios. De fato, o ato de incorporação não está condicionado à posterior decisão da Comissão Tripartite

3.2.2.4 A necessidade de estabelecimento de limites monetários

Entretanto, caso esses argumentos não sejam considerados suficientes para atribuir à União o financiamento dos medicamentos não incorporados e não previstos no item 3.2.1, urge que se fixe um limite monetário acima do qual os Estados e Municípios não poderiam ser compelidos ao seu custeio, conforme critérios a seguir delineados.

A assistência farmacêutica do SUS, como visto, é dividida em componentes básico, estratégico e especializado, sendo certo que os medicamentos de valor mais elevado estão incluídos neste último (CEAF – Componente Especializado da Assistência Farmacêutica). Este componente é dividido em 3 grupos.

No grupo 1 do CEAF, subdivido em 1A e 1B, estão os medicamentos de maiores preços distribuídos pelo SUS, todos eles financiados pelo Ministério da Saúde. Engloba medicamentos: a) indicados para doenças com tratamento de maior complexidade; b) para os casos de refratariedade ou intolerância à primeira e/ou à segunda linha de tratamento; e c) que representam elevado impacto financeiro para o Componente e aqueles incluídos em ações de desenvolvimento produtivo no complexo industrial da saúde.

A seu turno, no grupo 2, estão alocados os medicamentos destinados a doenças de menor complexidade em relação às doenças do grupo 1 e aos casos de refratariedade ou intolerância à primeira linha de tratamento. O custeio desse grupo é exclusivo dos Estados.

Por fim, o grupo 3 é formado por medicamentos constantes do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, mas que são indicados pelos PCDTs (Protocolos Clinicos de Diretrizes Terapêuticas) como a primeira linha de cuidado para o tratamento das doenças contempladas no CEAF. Seu financiamento é tripartite, mas, como o grupo 3 abarca drogas do componente básico, ele não causa elevado impacto financeiro.

De acordo com dados obtidos com a Secretaria Estadual de Saúde do Paraná, em junho de 2019, pôde-se constatar que o custo médio dos tratamentos por paciente com medicamentos do grupo 1A varia de R$ 89.433,24 (Idursulfase 2 mg/ml) a R$ 7,45 (Cloridrato de Memantina 10 mg, comprimido revestido) por mês. Já os tratamentos com medicamentos do grupo 1B variam de R$ 3.476,34 (Octreotida 0,1 mg, sol inj) a R$ 3,76 (Risperidona 1 mg, comprimido) por mês.

A seu turno, o custo médio dos tratamentos com drogas do grupo 2 enquadram-se na faixa de R$ 529,79 (Mesalazina 500 mg, comprimido com microgrânulos de liberação prolongada) a R$ 5,76 (Alorvastatina 20 mg comprimido) por mês.

Importante salientar que, ao contrário dos medicamentos do grupo 1A, os preços dos medicamentos do grupo 1B e 2 variam de Estado para Estado, na medida em que são eles que realizam as compras.

3.2.2.5 O critério proposto

Com base nisso, podem-se extrair algumas conclusões, baseando-se na lógica já existente em relação à assistência farmacêutica no SUS.

Considerando que as pactuações já havidas atribuíram aos Estados a responsabilidade pelo financiamento dos medicamentos do grupo 2, pode-se aferir que a responsabilidade por medicamentos mais caros do que aqueles que se situam nesse grupo não deve ser atribuída aos Estados ou aos Municípios. Essa conclusão privilegia a lógica já instituída, bem como respeita a intenção das partes que já foi expressa nas pactuações anteriores.

Todavia, tendo em vista que os preços praticados por cada Estado são diferentes, para que se pudesse extrair uma uniformidade em todo o território nacional acerca do limite de custo acima do qual não poderia haver o direcionamento da responsabilidade de financiamento aos Estados e, logicamente, aos Municípios, recorreu-se ao preço da tabela CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) dos 12 medicamentos mais caros elencados na tabela referente ao grupo 2, sem ICMS pelo PF (preço de fábrica).

Com base nessa pesquisa, aferiu-se que, de fato, pela tabela CMED, o tratamento mais caro imposto ao Estado é o que vem em primeiro lugar na lista, qual seja, a Mesalazina 500 mg comprimido com microgrânulos de liberação prolongada, com o custo mensal médio de R$ 720,25 por paciente. Poder-se-ia concluir, então, que qualquer  tratamento que custe mais do que R$ 720,25 por mês, de acordo com a tabela CMED, seria necessariamente de financiamento da União.

Evidentemente, os critérios ora propostos são dinâmicos, assim como são os preços e custos de medicamentos adquiridos pelos entes estatais para os diversos grupos. Então, a proposta defendida permite que o método de definição dos limites para o custeio também esteja em mutação e em conformidade com as variações de custos dos medicamentos.

4. Conclusão

O tema da judicialização da saúde traz ao Poder Judiciário inúmeras dificuldades técnicas que dizem respeito à organização e à logística do SUS, assim como ao seu financiamento.

A tese fixada pelo STF deixou claras todas as vicissitudes que devem ser levadas em conta pelo juiz, uma vez que se consagrou a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas, com vistas à concretização do direito fundamental à saúde, previsto em nossa Constituição Federal.

O presente texto busca trazer um mínimo de racionalidade para o sistema jurídico em tema tão complexo. As soluções propostas não são ideais, mas, por ora, são as possíveis, dada a falta de regulamentação acerca da repartição de competência financeira dentro do SUS. Ainda, elas não esgotam toda a complexidade da jurisdição da saúde, e, certamente, haverá casos que não foram contemplados e sobre os quais a doutrina e a jurisprudência ainda terão que se debruçar.

Por fim, destaque-se que o objetivo deste trabalho é unicamente tratar de questões referentes à legitimidade processual e à repartição de competências no SUS, nos casos em que o pedido judicial de medicamento tiver sido deferido.

Não se está querendo dizer que a União ou, eventualmente, outros entes federados terão de arcar com o custo de todo e qualquer medicamento pleiteado judicialmente, mas somente com o custo daqueles que foram concedidos pelo Poder Judiciário após análise detalhada e objetiva, de acordo com critérios próprios e não enfocados neste texto.

_________________________

1 O rol completo de doenças e agravos que fazem parte dos Programas Estratégicos do Ministério da Saúde pode ser consultado aqui.

2 Conforme o Anexo I, da Rename 2018, p. 16, A responsabilidade pela aquisição e pelo fornecimento dos itens à população fica a cargo do ente municipal, ressalvadas as variações de organização pactuadas por estados e regiões de saúde. O Ministério da Saúde é responsável pela aquisição e distribuição dos medicamentos insulina humana NPH, insulina humana regular e daqueles que compõem o Programa Saúde da Mulher: contraceptivos orais e injetáveis, dispositivo intrauterino (DIU) e diafragma.

3 Art. 559. A liberação dos recursos para execução de despesas destinada a aquisição de medicamentos, quando não regulamentada por portaria específica, será feita por meio de transferência do Fundo Nacional de Saúde para os fundos de saúde estaduais, municipais e do Distrito Federal. (Origem: PRT MS/GM 1645/2010, Art. 1º).

_________________________

*Ana Carolina Morozowski é juíza federal substituta da 3ª Vara Federal de Curitiba e especializada em saúde.

*Luciana da Veiga Oliveira é juíza federal da 15ª Vara Federal de Curitiba e coordenadora do Comitê Executivo da Saúde do CNJ do PR.

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