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A revisão do contrato pelas próprias partes conforme “MP da Liberdade Econômica”

O novo dispositivo joga luz nas chamadas hardship clauses, comuns em contratos internacionais de grande porte e frequentemente estudadas por comercialistas com foco em Direito Internacional.

26/6/2019

O Governo Bolsonaro editou recentemente a MP 881/19, batizada pela mídia de “MP da Liberdade Econômica”, com uma série de dispositivos ressaltando o papel central da liberdade econômica e da livre iniciativa em nosso ordenamento jurídico.

Editada com o objetivo de destravar investimentos e estimular negócios, buscando, para tanto, a consolidação de um ambiente imune a interferências indesejadas, um dos objetivos da MP é garantir, dentro dos imites legais e constitucionais, a prevalência da autonomia das partes na seara econômica, sobretudo em face de eventuais exageros regulatórios e/ou fiscalizatórios do Estado.

Entre diversos comandos que buscam ressaltar que o ajustado entre as partes deve ser quase sempre privilegiado, afastando interferências não só do Executivo, mas do próprio Judiciário, destaca-se a introdução do art. 480-A, no Código Civil, segundo o qual “é licito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do pacto contratual.”.

Em síntese, o dispositivo autoriza as partes a definir, em contrato de natureza empresária, em que hipóteses o ajuste poderá ser revisto ou resolvido. Embora não seja expresso a respeito, é possível inferir ainda que o dispositivo inclui a possibilidade de as partes definirem a forma como conduzirão a renegociação ou a resolução do contrato em referidas hipóteses.

Note-se que o dispositivo foi introduzido na seção IV, do Capítulo II, do Título V, do Código Civil, referente à resolução dos contratos por onerosidade excessiva, de modo que ele consistira em uma espécie de autorização legal para as partes definirem, de comum acordo, o que seria onerosidade excessiva no contexo específico do contrato celebrado entre elas, ou mesmo quais seriam precisamente os “acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”, para usar as expressões empregadas pelo vizinho art. 478, que autorizariam a revisão ou a resolução do ajuste.

Não é difícil perceber que o dispositivo configura uma oportunidade para as partes fecharem as portas do contrato a intervenções indesejadas do Judiciário, que, ao não conhecer a fundo a realidade particular do segmento de atuação dos contratantes ou mesmo o contexto singular da relação desenvolvida entre eles, pode enxergar onerosidade excessiva onde ela não existe ou definir como extraordinárias ou imprevisíveis ocorrências que, no caso concreto, não seriam.

A doutrina que tem se manifestado a respeito da MP alega que o novo artigo não seria bem uma novidade em nosso ordenamento. Com efeito, não são poucos os doutrinadores que argumenta que a autorização por ele conferida sempre teria existido, pois as partes sempre puderam estabelecer consensualmente critérios objetivos para definir em que ocasiões específicas o contrato celebrado entre elas poderia ser modificado ou resolvido, ou até mesmo de que maneira seria possível fazê-lo.

De certa forma, é o que já acontece em cláusulas sobre força maior e caso fortuito, em que as partes preveem todo um procedimento envolvendo notificações, contranotifações e ritos de apuração dos alegados eventos, a fim de determinarem conjuntamente a sua ocorrência, extensão e as medidas compensatórias a serem adotadas. É o que também pode ser visto em algumas cláusulas que obrigam as partes, antes de se socorrem de um tribunal arbitral ou do judiciário, a renegociarem de boa-fé o contrato em caso de ocorrências que comprometam o cumprimento normal da avença.

Não se deve perder de vista, contudo, que, se a autorização prevista no novo art. 480-A já se encontra de alguma forma contemplada no sistema, a sua positivação de forma clara e em um artigo específico pode ter um efeito didático sobre os operadores do direito, quer chamando a atenção das partes para a possibilidade da cláusula ser incluída em contrato para evitar que a revisão ou a resolução da avença dependa de critérios subjetivos do magistrado, quer, ainda, conferindo a segurança de que alguns magistrados precisam para não intervir no contrato e não modificá-lo ou resolvê-lo em hipóteses em que as partes entenderam que tais medidas não deveriam ser adotadas.

A propósito, embora a doutrina insista que, nas relações empresariais, o judiciário tem atuado de maneira conservadora, evitando interferir na economia dos contratos, não são raros os casos em que essa atitude prudente é deixada de lado e, em nome de abstratos conceitos de justiça, o instrumento é revisto ou resolvido em hipóteses em que as próprias partes, se meditassem a respeito no momento de sua celebração, não teriam admitido como suficientes para a adoção de tais medidas radicais.

O novo dispositivo, enfim, joga luz nas chamadas hardship clauses, comuns em contratos internacionais de grande porte e frequentemente estudadas por comercialistas com foco em Direito Internacional. Com efeito, contratos envolvendo partes de países diferentes, a depender de suas características, atraem a incidência de mais de um ordenamento, o que causa confusão e insegurança aos envolvidos, que optam, assim, por definirem prévia e conjuntamente as hipóteses em que a relação poderá ser revista e como será revista. Nada impede que a prática também se consolide em contratos celebrados entre nacionais. Aguarda-se, assim, a votação da MP no Congresso e que, aprovado o art. 480-A, do CC, com a sua incorporação definitiva no Código Civil, a prática seja mais difundida entre os nossos operadores do Direito.    

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*João Claudio Monteiro Marcondes é advogado do escritório Rocha e Barcellos Advogados.

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