Todo cidadão espera encontrar segurança jurídica e estabilidade em suas relações, seja ela com o setor público ou privado. Contudo, quando se trata de Receita Federal, os contribuintes deparam-se com uma verdadeira odisseia.
Apesar do princípio da segurança jurídica não constar de forma expressa na Constituição Federal, sua existência se consolida a partir do artigo 5º, inciso XXXVI ao prescrever que “a lei não prejudicará o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito”. Já a lei 9.784, de 1999 (Lei do Processo Administrativo), faz constar textualmente o princípio, em seu artigo 2º, que determina que “a administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. No entanto, não são raras as vezes que nos deparamos com decisões conflitantes e que tratam contribuintes de forma desigual, causando reflexos diretos na livre concorrência e na economia do país.
Buscando corrigir essa discrepância, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe dispositivos para acabar com incerteza em relação as decisões judiciais, estabelecendo, inclusive, obediência a um sistema de precedentes e determinando em seu artigo 926 que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Muito embora esse esforço dos legisladores, ainda é comum encontrar decisões que permitem que empresas em mesma situação fática não compitam em igualdade. Existem exemplos destes acontecimentos no âmbito judicial e administrativo.
Vejamos o caso da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS. O Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou sobre o tema e ainda existem juízes de primeira instância que decidem de forma contrária. Assim, aqueles contribuintes que têm um pedido cautelarmente deferido logo que ingressam com suas ações, beneficiam-se por anos com a retirada deste custo na sua operação. Já aqueles que não obtêm decisão favorável ou, por desconhecimento da causa, não ingressam com a ação, continuam recolhendo o tributo a maior e, consequentemente, não concorrendo em igualdade com os competidores que obtiveram decisão favorável.
Em decisões administrativas, a situação pode ser até mais graves do que a descrita acima. Essas sim são dotadas de instabilidade, incoerência e conflitos que atentam contra a livre concorrência. O exemplo clássico dessa desordem são as soluções de consulta respondidas pela Secretaria da Receita Federal. O órgão conta com 10 regiões fiscais diferentes e cada uma delas pode dar uma interpretação distinta para a mesma situação fática.
Repare a seguinte situação: duas empresas importam produto idêntico para revenda. Dado que o produto não tem um título específico na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), é feita uma consulta à Receita Federal acerca da correta classificação fiscal do produto. O órgão responde à empresa X que o NCM para aquele produto é 0000.99, o que enseja uma alíquota de 5% de imposto. Visto isso, a empresa Z importa o mesmo produto, mas é autuada por utilizar o NCM 0000.99, e a Receita Federal sustenta que o NCM correto é o 0999.00, o qual acarreta uma tributação de 15%.
É notório que as empresas não estão concorrendo em igualdade porque o custo operacional da empresa X é muito superior que o da empresa Z. Considerando-se o impacto tributário nas operações das empresas, essa discrepância pode eliminar um concorrente do mercado. Portanto, se a tributação deve ser instituída e regulamentada de tal forma que não cause desigualdades entre aqueles que se encontram sob a mesma situação, as decisões, tanto judiciais como administrativas, também devem observar o princípio da isonomia, além de conter a coerência exigida pelo Código de Processo Civil, tudo isso, com o fim máximo de entregar a segurança jurídica tão almejada pelos cidadãos.
Sendo assim, é importante que os contribuintes mantenham um acompanhamento das discussões judiciais e administrativas que permeiam seu negócio e avaliem o impacto e repercussão delas na sua operação, a fim de evitar disparidade no mercado que competem e sua permanência saudável na concorrência.
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*Edison Carlos Fernandes é sócio diretor do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.
*Nahyana Viott Fiatkoski é advogada associada do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.