Migalhas de Peso

Instituições financeiras em face da declaração de constitucionalidade da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários

Cumpre esclarecer, de forma preambular, que a constituinte de 1987, procurou dar especial atenção às atividades ligadas às instituições financeiras. Tanto é verdade, que a Carta Republicana previa em seu artigo 192, caput, incisos e parágrafos, toda a regulamentação da atividade bancária e a forma de atuação do Conselho Monetário Nacional (CMN). Como exemplo, vale lembrar a norma que constava no parágrafo 3º do aludido artigo 192, que determinava de forma explícita a aplicação de limitação de taxa de juros reais em 12% ao ano, inclusive com as sanções previstas na chamada “Lei de Usura” (Dec 22626/33), em caso de inobservância da norma.

25/9/2006


Instituições financeiras em face da declaração de constitucionalidade da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários

 

Fábio Batista Cáceres*


Gabriel Schievano Finotti*

Letícia Rodgrs B. Brunelli*

 

Cumpre esclarecer, de forma preambular, que a constituinte de 1987, procurou dar especial atenção às atividades ligadas às instituições financeiras.

 

Tanto é verdade, que a Carta Republicana previa em seu artigo 192, caput, incisos e parágrafos, toda a regulamentação da atividade bancária e a forma de atuação do Conselho Monetário Nacional (CMN). Como exemplo, vale lembrar a norma que constava no parágrafo 3º do aludido artigo 192, que determinava de forma explícita a aplicação de limitação de taxa de juros reais em 12% ao ano, inclusive com as sanções previstas na chamada “Lei de Usura” (Dec 22.626/33 - clique aqui), em caso de inobservância da norma.

 

Vale lembrar, que o referido artigo 192 determinava que todo o sistema monetário nacional seria tangenciado por meio de lei complementar. Diante disso, outra conclusão não havia, senão pelo entendimento de que o artigo 192 era uma norma constitucional de eficácia contida, eis que, a plenitude dos seus efeitos, estava diretamente subordinada a advento de lei complementar.

 

O poder constituinte reformador entendeu por bem alterar de forma significativa o artigo 192 da Constituição Federal. Realmente o fez por meio da promulgação da Emenda Constitucional 40/2003 (clique aqui), que suprimiu do aludido artigo todos os seus incisos e parágrafos, inclusive no que tange à limitação de juros em 12% ao ano e a aplicabilidade das disposições da chamada “Lei de Usura” (Dec 22.626/33).

 

Destarte, permaneceu no referido artigo disposição no sentido de que o Sistema Financeiro Nacional permanece estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir os interesses da coletividade, em todas as partes que o compõe, e, que o Sistema Financeiro Nacional será regulado por lei complementar.

 

Basta simples interpretação gramatical para verificar-se que, ainda que reformado pelas disposições da EC 40/2003, o artigo 192 permanece sendo uma norma constitucional de eficácia contida, ou seja, sua plenitude de eficácia depende, necessariamente, de lei complementar.

 

Ressalte-se que o poder constituinte originário, diga-se de passagem, em seu artigo 5º, inciso XXXII, estabeleceu como garantia individual e coletiva, a defesa do consumidor pelo Estado, na forma da lei.

 

Pois bem. Diante disso, em 1990 foi promulgada a Lei 8.078 (clique aqui), diga-se, lei ordinária, intitulada como o Código de Defesa do Consumidor. Tal lei abarcou de forma abrangente todas as relações tidas como de consumo, ou seja, aquelas de produção, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos realizados pelos fornecedores ou importadores aos consumidores finais, e ainda, a prestação de serviço nas mesmas hipóteses, nos termos dos artigos 2º e 3º da referida lei.

 

As instituições financeiras, registre-se, não foram esquecidas pela severidade das disposições do CDC, pois a natureza de suas atividades está explicitamente regulada pelo parágrafo 2º, do artigo 3º.

 

A partir de então, vêm se alastrando no Poder Judiciário nacional verdadeira batalha doutrinária acerca da aplicabilidade do CDC às instituições financeiras, vez que antagônica a regra do parágrafo 2º do artigo 3º com as disposições do artigo 192 da Carta Magna que determina de forma expressa que o Conselho Monetário Nacional será regulado por lei complementar.

 

Após anos de discussão e teses até discrepantes, pergunta-se: o CDC se aplica ou não às instituições financeiras?

 

Há os que entendem que sim, dentre eles ministros do Supremo Tribunal Federal, juízes, advogados, promotores e demais juristas.

 

Não obstante, há os que entendem que não, dentre eles alguns integrantes das classes supra citadas.

 

Objetivando que o CDC não tivesse aplicação aos bancos nas relações com seus clientes, a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (Consif), ajuizou perante o STF a ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade), autuada sob nº 2.591, para declarar inconstitucional o parágrafo 2º do artigo 3º do CDC, pois, como estudado, o Sistema Financeiro Nacional deve ser regulado por lei complementar e não por lei ordinária, como é do caso do CDC.

 

Referida ADIN foi julgada em sessão plenária pelo Supremo Tribunal Federal do dia 7/6/06, e, por maioria de votos (nove a dois), julgou-se improcedente o pedido formulado pela Consif, concluindo pelo entendimento de que as relações de consumo de natureza bancária ou financeira devem ser protegidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).

 

Entendeu o STF, sucintamente, que a norma do parágrafo 2º do artigo 3º do CDC não é inconstitucional (a contrario sensu constitucional), pois a Constituição Federal estudada de forma principiológica quis que o CDC fosse aplicado aos consumidores inclusive de instituições financeiras, eis que tal atividade é de interesse da coletividade e deve inclusive ser regulada pelo artigo 5º, inciso XXXII da Carta Magna.

 

A título de exemplo, vale transcrever o entendimento do Ministro Celso de Mello, que consta no informativo de notícias do site do STF: “o Código de Defesa do Consumidor (CDC) cumpre esse papel ao regulamentar as relações de consumo entre bancos e clientes. O Sistema Financeiro Nacional (SFN) sujeita-se ao princípio constitucional de defesa do consumidor e o CDC limita-se a proteger e defender o consumidor, o que não implica interferência no SFN”, assim concluindo pela aplicabilidade das regras do CDC às atividades bancárias.

 

Em síntese, pelo que se analisa, embora a decisão do STF tenha efeito erga omnes em razão de ter sido proferida em ADIN, tal decisão não tem, ao menos por ora, efeito vinculante, pois, para que isto ocorra, deverá ser aprovada por 2/3 do plenário, nos termos do artigo 103A da Constituição Federal, cuja redação foi dada pela EC 45/2005.

 

Assim sendo, nenhum juiz, em tese, está obrigado a decidir em consonância com o julgamento da ADIn, mas a verdade é que tal matéria será a curto prazo pacificada por todos os juízes que integram o judiciário nacional, pois existe a tendência natural de seguir o entendimento do STF.

 

Diante disso, cabe aos advogados das instituições financeiras serem sapientes, e caso a caso, rebaterem todas as disposições regradas pelo CDC, pois como analisado, lutar contra a aplicabilidade desse dispositivo significa nadar contra a maré, como o dito popular.

 

Vale registrar, que compete ao causídico refutar ponto a ponto as disposições do CDC em face dos contratos bancários objetos dos litígios judiciais, em especial que, ainda que se aplique o CDC, as taxas de juros praticadas pelos bancos possuem limitações estritamente nas resoluções do Banco Central do Brasil (Bacen). Este entendimento, inclusive, encontra-se agasalhado na Súmula 296 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado”.

 

Ainda, como tese de defesa, pode-se utilizar a Súmula 596 do STF: “As disposições do Dec. 22626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional”.

 

Com a declaração de constitucionalidade do parágrafo 2º, do artigo 3º do CDC, a relação de consumo entre os bancos e seus clientes fica configurada.

 

Como sugestões, na formalização dos contratos bancários, as instituições financeiras deverão evitar o uso de letras miúdas que prejudiquem a compreensão dos mesmos. A alteração dos contratos para que as cláusulas sejam mais objetivas e em letras maiores demonstra, por parte dos bancos, a boa fé nas relações com seus clientes.

 

Outro ponto a ser destacado, refere-se à obrigatoriedade de redução proporcional (deságil) do valor das parcelas que venham a serem antecipadas, em se tratando de contratos de financiamento e empréstimo pessoal, sendo que, se assim não ocorrer, ficará configurada a cobrança indevida e esta será tida como indenizável ao cliente, com ressarcimento em dobro (indébito).

 

Sem intenção de esgotar o tema, mas com um cunho opinativo e esclarecedor, este singelo artigo em muito contribuirá para um melhor entendimento dessa que é hoje uma das mais tormentosas questões jurídicas postas no Judiciário Nacional.

____________

*Advogados

 





___________

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

(Não) incidência de PIS/Cofins sobre reembolso de despesas

23/12/2024

A ameaça da indisponibilidade retroativa

23/12/2024