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Guerra híbrida – Regras legais de engajamento

Em um cenário de guerra híbrida (no qual os meios combativos não se limitam aos artefatos bélicos, e que muitas vezes nem sequer estão presentes), como o que estamos inseridos no momento, temos de um lado os insurgentes/subversivos, que pretendem de todas as formas possíveis (legais ou ilegais) desestabilizar o Governo legitimamente instituído.

19/6/2019

O Brasil, como sabemos, caracteriza-se por ser um Estado Democrático de Direito (Constituição Federal, art. 1°). Significando, em outras palavras, que é um país regrado por leis, no qual as próprias instituições estatais também se submetem a estas mesmas leis. E, portanto, toda e qualquer iniciativa estatal, deve estar respaldada nas normas legais de regência (Princípio da Legalidade: Constituição Federal, art. 37).

Diferentemente daqueles que atuam na ilegalidade, para os quais pouco importa o fato de existirem leis criminalizando suas condutas.

Em um cenário de guerra híbrida (no qual os meios combativos não se limitam aos artefatos bélicos, e que muitas vezes nem sequer estão presentes), como o que estamos inseridos no momento, temos de um lado os insurgentes/subversivos, que pretendem de todas as formas possíveis (legais ou ilegais) desestabilizar o Governo legitimamente instituído. E de outro lado, temos as autoridades governamentais que, para o enfrentamento destes ataques, obrigatoriamente precisam se valer das normas prescritas pelo sistema jurídico.

O embate é travado de forma desigual. Por mais que o Estado possua meios de coerção, sua atuação pautada pelos procedimentos legais existentes, limita-lhe o avanço e o torna previsível. Ao contrário, aqueles que perpetram os atos de desestabilização, atuam na clandestinidade, escudados, muitas vezes, em garantias legais que ou impedem, ou tornam extremamente difícil a resposta estatal, a ser dada, na forma da lei.

Estas, portanto, são regras de engajamento em um contexto de guerra híbrida. Pelas quais, um lado pode tudo, ao passo que o outro atua de forma limitada, e previsível.  

Certamente as autoridades estatais devem, necessariamente, submeter-se as leis vigentes, e nem poderia ser diferente. E é exatamente neste ponto que podem se antecipar, de modo a ter condições de sobrepujar os adversários que se enfrentam neste teatro de operações assimétricos/híbridos.

Para se antecipar, primeiramente, é preciso ter pleno conhecimento destes fatos. Desde os tempos Bíblicos encontramos registros de atividades de inteligência/espionagem, para a obtenção de informações de interesse. Como se pode citar a seguinte passam das Escrituras:

...Números 13: 125–1 Disse o SENHOR a Moisés: 2 Envia homens que espiem a terra de Canaã, que eu hei de dar aos filhos de Israel... 17 Enviou-os, pois, Moisés a espiar a terra de Canaã; e disse-lhes: Subi ao Neguebe e penetrai nas montanhas. 18 Vede a terra, que tal é, e o povo que nela habita, se é forte ou fraco, se poucos ou muitos. 19 E qual é a terra em que habita, se boa ou má; e que tais são as cidades em que habita, se em arraiais, se em fortalezas. 20 Também qual é a terra, se fértil ou estéril, se nela há matas ou não... 21 Assim, subiram e espiaram a terra desde o deserto de Zim até Reobe, à entrada de Hamate. 25 Ao cabo de quarenta dias, voltaram de espiar a terra...”

Nos dias de hoje, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) cumpre esta função, de órgão central de inteligência, produzindo conhecimento para subsidiar a tomada de decisões das Autoridades Estatais, como se confere de trechos abaixo transcritos, elaborados pela própria ABIN (disponível em aqui; acesso em 16 jun 2019):

“...A atividade de Inteligência é fundamental e indispensável à segurança dos Estados, da sociedade e das instituições nacionais. Sua atuação assegura ao poder decisório o conhecimento antecipado e confiável de assuntos relacionados aos interesses nacionais.

...

A atividade de Inteligência se ocupa de temas do âmbito EXTERNO e INTERNO do país. No âmbito externo, tem como missão obter e analisar dados que ofereçam suporte aos objetivos nacionais, tanto na defesa contra as ameaças existentes quanto na identificação de oportunidades. Sob a perspectiva interna, a Inteligência enfoca a proteção do Estado, da sociedade, a estabilidade das instituições democráticas e a eficiência da gestão pública...”

Nesta mesma linha de entendimento, a Escola Superior de Guerra – ESG (vinculada ao Ministério da Defesa), também traz relevantes considerações sobre os âmbitos de atuação de Segurança e Defesa Nacional (disponível aqui, acesso em 16 jun 2019, p. 153/154):

“...2.2.2 Defesa Nacional

No trato das ameaças, a Segurança Nacional diz respeito a todo o universo antagônico onde ocorrem atitudes que podem ou poderão contrapor-se à consecução dos Objetivos Fundamentais, exigindo que medidas, atitudes e ações sejam adotadas na preservação desses objetivos.

...

2.2.3 Âmbito de Atuação

Tendo em vista a origem das ameaças, a Segurança Nacional deve ser analisada sob dois âmbitos: EXTERNO e INTERNO. Quando se enfrentam ameaças de qualquer origem, forma ou natureza, situadas no ambiente das relações internacionais, a Segurança Nacional será buscada por meio de ações de Defesa Externa. Diante de ameaças que possam manifestar-se ou produzir efeitos no âmbito interno do País, trata-se de Defesa Interna. Sendo assim, as atitudes, medidas e ações planejadas para se contraporem às ameaças deverão caracterizar-se de acordo com o âmbito ou ambiente em que elas atuam...”

Ou seja, cabe a ABIN (sem exclusão de outras instituições e órgãos que também exerçam estas funções em setores específicos), identificar estas potenciais (ameaças internas ou externas) aos interesses e instituições nacionais. Para o especial fim de alertar as Autoridades, de maneira a que possam adotar as medidas necessárias para debelar estas ameaças. Sempre, com o perdão da redundância, na forma da lei.

Apesar de o ordenamento jurídico não estar devidamente adaptado para lidar com situação de conflitos híbridos, a verdade é que já dispõe de importantes meios de prevenção, e contenção, de atos criminosos que venham a ser promovidos contra o ESTADO.

Sendo que, a implementação destas ferramentas legais, depende muito, também, dos Agentes Públicos encarregados de as colocar em prática. Fato este muito preocupante, mas que não serão abordados neste texto, para que não se esgote o seu fôlego.

Por exemplo, de nada adiante dispor de uma Lei de Segurança Nacional, que prevê algumas possibilidades de enquadramento criminal de certas condutas subversivas, se não vem sendo colocada em prática. Mesmo que ostensivamente as condutas delitivas atentem contra o regime democrático, o Estado de Direito, e a soberania nacional:

Lei 7.170/83

Art. 1º - Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão:

I - a integridade territorial e a soberania nacional;

Il - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito;

Ill - a pessoa dos chefes dos Poderes da União.

Art. 2º - Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação desta Lei:

I - a motivação e os objetivos do agente;

II - a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no artigo anterior.

...

Art. 23 - Incitar: I - à subversão da ordem política ou social; II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; III - à luta com violência entre as classes sociais; IV - à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

Pegue-se o caso recente de vazamento de supostas conversas mantidas entre o ex-juiz Sérgio Moro e agentes federais condutores da denominada operação Lava Jato. Apesar de ilegalmente obtidas (e de não ter a veracidade comprovada), estes diálogos estão sendo inquestionavelmente utilizados como meio de desestabilização do Governo Federal.

Sendo que, apesar de nem sequer poderem ser consideradas como provas (dada a ilicitude de sua origem, e não comprovação de autenticidade – CF art. 5°.  LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;), estão sendo potencializadas com o objetivo final de anular as condenações judiciais impostas (ou em apuração) a figuras destacadas, que participaram do conglomerado do Governo Federal anterior.

Neste episódio específico, em rigor, deveria ser responsabilizado quem obteve fraudulentamente (crime de violação de privacidade, CP, art. 154-A) as supostas conversas, bem como o jornalista que as divulgou (em concurso de pessoas, CP, art. 29). Além, claro, do enquadramento na Lei de Segurança Nacional, como acima indicado.

Porém, poucas esperanças há de se conseguir saber quem teria obtido estas supostas conversas mantidas por aplicativo de telefonia móvel. Porque, pela Constituição Federal, art. 5°, XIV, “...é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional...”.

A não ser que, a investigação demonstre, que estas supostas conversas tenham sido colhidas por países que também tenham interesse na desestabilização do atual Governo. Posto que, neste caso, ficaria caracterizado um ataque a Nação, e o escudo protetivo da constituição sobre o sigilo da fonte poderia, eventualmente, ser retirado. Posto que, se comprovado um tal ataque, o vazamento da informação estaria sendo utilizado como arma de guerra híbrida, o que afastaria a condicionante do “...necessário ao exercício profissional...” para permitir a blindagem de acesso a fonte.

Até porque, investigações tem demonstrado, que invasões sofisticadas como estas, tem sido patrocinadas por países que tenham interesses antagônicos. Posto que a estrutura tecnológica exigida para implementar estas “brechas de segurança”, muitas das vezes são intrincadas demais para serem executadas por hackers solitários. Como foi o caso do vírus STUXNET, considerado o “estado-da-arte”, que teve por finalidade danificar as centrífugas de enriquecimento de uranio iranianas.

Neste episódio recente dos mencionados vazamentos, há, inclusive, especulações de que poderia haver tentáculos de hackers de origem russa. Que, por meio de terceiros (que ostentam mandato parlamentar federal de sigla partidária contrária a do Governo Federal), poderiam ter facilitado a entrega destas supostas conversas ao blogueiro que as veio a divulgar em seu site.

Sendo que, se eventualmente comprovada uma ligação entre alguma partido político e organismos ou governos estrangeiros poderá, inclusive, ter seu registro partidário cancelado:

Lei 9.096/95

Art. 28. O Tribunal Superior Eleitoral, após trânsito em julgado de decisão, determina o cancelamento do registro civil e do estatuto do partido contra o qual fique provado:

I - ter recebido ou estar recebendo recursos financeiros de procedência estrangeira;

II - estar subordinado a entidade ou governo estrangeiros;

Fatos todos ainda incertos, mas que revelam a nítida intenção de alguns setores, de promover a desordem e desestabilização do atual Governo Federal, em razão das diretrizes de atuação que tem marcado sua plataforma eleitoral. Que, diga-se de passagem e a propósito, foi a vencedora nas últimas eleições.

Motivo pelo qual, toda e qualquer ação ilegítima/criminosa contra o governo constitucionalmente eleito, deve ser rechaçada, e punidos os seus autores.

_______________

*Sérgio de Oliveira Netto é procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. 

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