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A polêmica relativa ao pagamento de royalties por exibição de obras audiovisuais

Independentemente da solução da questão na esfera administrativa, até que existam novas disposições legais, amplamente discutidas no Congresso Nacional, com a presença de todos os interessados, com a consequente alteração da Lei de Direitos Autorais, a cobrança de direitos autorais e conexos a cada exibição de obras audiovisuais parece ainda não ser possível.

18/6/2019

 

No dia 29 de abril de 2019, em decisão bastante repercutida na mídia1, a Secretaria Especial de Cultura, integrante do Ministério da Cidadania, suspendeu administrativamente a habilitação de três entidades de gestão coletiva de direitos autorais da indústria audiovisual: InterArtis Brasil (IAB), Gestão de Direitos de Autores Roteiristas (GEDAR) e Direitos Brasileiros de Cinema e do Audiovisual (DBCA).
 
Essas habilitações, deferidas pelo extinto Ministério da Cultura (MinC) em dezembro de 2018, ganharam notoriedade em razão do envolvimento de atores, diretores e roteiristas de cinema e vêm gerando grande debate na indústria televisiva e cinematográfica.
 
Segundo entendimento formulado pelo então MinC, a partir dessa habilitação, “artistas, diretores e roteiristas passariam a receber direitos pela exibição de filmes e outros tipos de obras audiovisuais”2, “nos termos do artigo 98-A, da lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, observado o disposto no artigo 2º, do decreto 9.574, de 22 de novembro de 2018 e no art. 3º, IV, da instrução normativa do Ministério da Cultura 3, de 7 de julho de 2015”3.
 
Ocorre que, mesmo que a habilitação dessas entidades não tivesse sido suspensa, não haveria fundamentação legal para a cobrança de direitos autorais e conexos a cada exibição das obras audiovisuais, tal como pretendido pelos artistas.
 
Os profissionais da indústria cinematográfica sustentam que a cobrança de tais royalties deveria se dar da mesma forma praticada pela indústria fonográfica, ou seja, a cada execução pública da obra audiovisual, incluindo reproduções em plataformas de streaming. Por outro lado, de acordo com associações que representam os interesses de exibidores de conteúdo audiovisual, tal medida dificultaria e encareceria ainda mais o acesso às obras audiovisuais pelo público consumidor, que fatalmente teria que pagar essa conta.
 
Ao contrário do que se verifica na indústria audiovisual, a lei 9.610/98 (“Lei de Direitos Autorais”) prevê expressamente em seu artigo 99a hipótese de arrecadação e distribuição de direitos autorais e conexos para os seus titulares a cada execução pública de obras musicais, literomusicais e fonogramas. Ou seja, existe uma base legal específica para a cobrança praticada, a qual não se verifica com relação às obras audiovisuais.
 
Até mesmo o decreto 9.574/18, que foi citado pelo MinC como base para o deferimento anterior da habilitação da IAB, GEDAR e DBCA como entidades arrecadadoras, é nitidamente voltado à proteção de obras musicais, literomusicais ou fonogramas, não criando qualquer direito de arrecadação de royalties por exibição de obras audiovisuais.
 
Ressalte-se que as instruções normativas do MinC, tais como a 2/16 — que procura impor o dever de pagamento de direitos autorais e conexos a cada exibição pública por parte das plataformas de streaming (ou de qualquer outra modalidade de transmissão via Internet) —, não suprem a necessidade de uma base legal.
 
Há aqueles, ainda, que sustentam que o §1º, do artigo 13, da lei 6.533/78 (“Lei dos Artistas”) daria base para o direito pretendido, mas tal posicionamento também não nos parece preciso. Afora a questionável constitucionalidade desse artigo, tal norma é apenas aplicável quando constituída relação de trabalho entre artista e exibidor, conforme reconhecido pela jurisprudência ao longo dos últimos 40 anos.
 
Sem fazer qualquer juízo de valor sobre a correção dessa cobrança, prevista em vários países, inclusive em alguns da União Europeia, a realidade é que no Brasil ainda não existe previsão legal para tanto, razão pela qual os artistas carecem um direito de arrecadação de royalties para cada exibição de obras audiovisuais.
 
Apesar disso, é importante reconhecer que tal temática vem sendo discutida em diversos países e ganha força na medida em que as plataformas de streaming se solidificam. Em 2012 foi publicado o texto final do Tratado de Pequim de Performances Audiovisuais (“Tratado de Pequim”), que regulou o direito de arrecadação de royalties por exibição aos atores (“performers”). Conforme disposto em seu artigo 11, os países signatários podem optar por (i) garantir aos atores o direito de autorizar a transmissão ou comunicação pública; ou (ii) remunerar pela transmissão ou comunicação pública5.
 
O Tratado de Pequim já foi recepcionado por alguns países, mas ainda não está em vigor por não ter atingido o mínimo de 30 aderências. Até o momento, não há notícias de que o Brasil tenha manifestado a intenção de assiná-lo. Por enquanto, eventual discussão referente aos valores pagos a título de direitos autorais e conexos aos artistas, diretores e roteiristas deve se dar na esfera privada, diretamente entre os exibidores e os produtores ou agentes, já que são estes que negociam os valores devidos para a disponibilização das obras nos mais diversos catálogos de exibição.
 
Antes da suspensão da habilitação da IAB, GEDAR e DBCA, os exibidores cinematográficos manifestaram a intenção de adotar medidas administrativas e judiciais para barrar possíveis tentativas de cobrança6. Além disso, a extinção do MinC e a criação da Secretaria Especial da Cultura, atualmente responsável pela habilitação dessas entidades, deve retardar um pouco a discussão.
 
Independentemente da solução da questão na esfera administrativa, até que existam novas disposições legais, amplamente discutidas no Congresso Nacional, com a presença de todos os interessados, com a consequente alteração da Lei de Direitos Autorais, a cobrança de direitos autorais e conexos a cada exibição de obras audiovisuais parece ainda não ser possível.

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3 DOU nº 231, Seção 1

4 Art. 99. A arrecadação e distribuição dos direitos relativos à execução pública de obras musicais e literomusicais e de fonogramas será feita por meio das associações de gestão coletiva criadas para este fim por seus titulares, as quais deverão unificar a cobrança em um único escritório central para arrecadação e distribuição, que funcionará como ente arrecadador com personalidade jurídica própria e observará os §§ 1º a 12 do art. 98 e os arts. 98-A, 98-B, 98-C, 99-B, 100, 100-A e 100-B.

5 Article 11: Right of Broadcasting and Communication to the Public

1 Performers shall enjoy the exclusive right of authorizing the Broadcasting and communication to the public of their performances fixed in audiovisual fixations.
2 Contracting Parties may in a notification deposited with the Director General of WIPO declare that, instead of the right of authorization provided for in paragraph (1), they will establish a right to equitable remuneration for the direct or indirect use of performances fixed in audiovisual fixations for broadcasting or for communication to the public. Contracting Parties may also declare that they will set conditions in their legislation for the exercise of the right to equitable remuneration.

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*José Mauro Decoussau Machado é sócio de Pinheiro Neto Advogados.

*Marcio Junqueira Leite é consultor de Pinheiro Neto Advogados.

 








*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 
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