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Relativização dos requisitos para o exercício do direito de greve

Quando o conflito é judicializado e, portanto, submetido a julgamento, a aplicação da lei nem sempre pode levar a bons resultados para empresas e empregados. A decisão pode pôr fim ao processo para o julgador, mas nunca encerra o conflito que existe nas relações trabalhistas internas. Julgado o caso, o conflito continua até a próxima paralisação.

17/6/2019

Em matéria de relações coletivas de trabalho, o exercício do direito de greve ainda merece muito aprendizado jurídico e prático. De fato, quando se trata da garantia assegurada aos trabalhadores no art. 9º da Constituição Federal há verdadeira cizânia na doutrina e a jurisprudência oscila ora no reconhecimento de sua legitimidade desde que preenchidos os condicionamentos da lei 7883/89, ora na preponderância da manifestação coletiva como direito de fato.

Deste modo, observado que o constituinte decidiu pela responsabilidade exclusiva dos trabalhadores para o exercício do direito e interesses a serem defendidos, a lei ordinária não estaria autorizada a submeter o exercício desse direito, condicionando a legalidade de seu uso com limites para a deflagração da paralisação pelos trabalhadores, necessariamente, para a normalidade institucional. Exceção feita, com certeza, aos serviços e atividades essenciais, com previsão constitucional de que a lei cuidaria de regular.

Observa-se, no entanto, que o direito de greve não foi objeto de Convenção da OIT e alguns países não possuem regulamentação para o seu exercício. Seria um direito impossível de ser regulamentado. Entre nós, tem havido uma relativização das exigências legais para deflagração de greve.

Neste cenário, o sítio do TST trouxe em 31/05 a notícia de que a Seção Especializada em Dissídios Coletivos afastou a abusividade de greve, desconsiderando a obrigação de cumprimento de requisitos formais para a constatação da existência do movimento paredista (RO-663-91.2016.5.17.0000).

O voto prevalecente foi o do ministro Mauricio Godinho Delgado e a SDC, por maioria, atribuiu valor ao movimento coletivo, afastando por outras vias a exigibilidade de requisitos prévios e que “o fato de a greve ter efetivamente ocorrido, com paralisação das atividades pelos trabalhadores, demonstra a adesão e organização prévia da categoria para a deflagração do movimento – circunstância que, a despeito da inexistência de prova escrita completa, traz convicção acerca da realização do requisito previsto no art. 4º da lei 7.783/89 (aprovação da assembleia de trabalhadores)” e, assim sendo, a SDC concluiu que “a greve foi conduzida de forma legítima e não abusiva, de modo que a deficiência formal da prova escrita em relação à aprovação assemblear foi suprida por outras evidências colhidas dos autos”.

Essa decisão revela o entendimento que tem adotado a SDC do TST e serve como norteadora para a compreensão futura de movimentos paredistas e a busca de uma forma adequada de solução pela negociação exaustiva.

Perante a Justiça do Trabalho o conflito de greve é sempre um movimento de origem trabalhista profissional e tem como pressuposto o descumprimento de normas pelas empresas ou uma negociação coletiva frustrada. O enquadramento legal do movimento, quanto aos requisitos exigidos para a deflagração da greve, é ineficaz diante do fato inexorável de uma paralisação.

Em outra decisão do TST, citada no corpo do acórdão, em voto da ministra Kátia Magalhães Arruda (Data de Julgamento: 8/4/14, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 15/4/14), ao tratar a abusividade da greve afirma que “No caso, apesar de não ter sido possível localizar nos autos elemento formal da autorização da categoria para o movimento de retardamento da produção, é incontroverso que efetivamente ocorreu. Portanto, se comprovadamente os trabalhadores reduziram a atividade de produção laboral, significa que anuíram ao movimento” (RO - 11414-67.2010.5.02.0000).

Do lado empresarial, a paralisação das atividades pelos trabalhadores tem apenas uma urgência: é o retorno às atividades laborais e de produção. Do lado dos trabalhadores, a greve tem prazo de sobrevivência, muitas vezes angustiantes, e os efeitos podem ser irrecuperáveis.

A Justiça do Trabalho, em procedimentos de conciliação e mediação, pode colaborar na aproximação de interesses e na busca de solução de conflitos. Todavia, quando o conflito é judicializado e, portanto, submetido a julgamento, a aplicação da lei nem sempre pode levar a bons resultados para empresas e empregados. A decisão pode pôr fim ao processo para o julgador, mas nunca encerra o conflito que existe nas relações trabalhistas internas. Julgado o caso, o conflito continua até a próxima paralisação.

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*Paulo Sergio João é professor de Direito Trabalhista da PUC e FGV e advogado no escritório Paulo Sérgio João Advogados.

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