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A república de Curitiba e doping processual

Os diálogos mostram um incremento a atuação do Ministério Público em detrimento da defesa, ou seja, “DOPING PROCESSUAL”.

14/6/2019

“Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o Congresso”. - SERGIO MORO.

"E parabéns pelo imenso apoio público hoje. […] Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal". -  DELTAN DALLAGNOL

As duas mensagens retratam bem o espírito dominante em Curitiba, ações, opiniões que vão muito além dos autos do processo.

A chamada instituição “Lava Jato” exorbitava muito de suas atribuições institucionais, legais. O ânimo, a pretensão, era mudar o Brasil, sem no entanto recorrer às vias democráticas.

Mas antes de aprofundar o conteúdo do que foi transcrito na reportagem publicada pelo site The Intercept, devemos, nesse pequeno ensaio, verter nosso olhar para a devassa ilegal, abjeta, inconstitucional, que foi realizada na intimidade de agentes do estado, procuradores, juiz. Não podemos aceitar passivamente que em nome de um direito constitucionalmente consagrado, qual seja, o direito a informação, se possa violar a intimidade, privacidade de quem quer que seja. Houve um ataque injustificável ao patrimônio íntimo das pessoas, e ainda pior a pessoas que ocupam cargo de relevo na estrutura hierárquica do sistema de justiça criminal do país.

Superado esse lamentável e ilegal incidente, o conteúdo revelado pelo site não é menos impactante. No sistema de justiça criminal adotamos o modelo acusatório, onde deve haver um efetivo distanciamento do Estado-juiz do cenário investigativo. O sistema acusatório, que desmembra os papéis de investigar e acusar e aqueles de defender e julgar e atribui missão própria a cada sujeito processual, não se tolerando a intromissão de um personagem na atuação do outro.

O Brasil é pródigo em produzir problemas estruturais, culturais e procedimentais, problemas esses que interferem visível e sensivelmente na qualidade da persecução criminal. No processo penal brasileiro o Ministério Público é parte, estando em pé de igualdade como a defesa, ou deveria assim se encontrar, mas, entretanto, existem alguns casos em que há uma vinculação simbiótica entre juízes e promotores, o que leva, inevitavelmente a uma quebra da imparcialidade, isenção e equidistância que devem nortear a atividade nobre, democrática e imprescindível de julgar. Existe um discurso que legitima essa aproximação perigosa, funcionando como uma interpretação justificadora das “posições amigáveis”, qual seja, o combate a criminalidade e a realização da justiça.

O ex-juiz Sergio Moro nos dialógos revelados, chegou a trazer a ideia de em latim “abrupto pereat mundus”, ou seja, “acabe-se o mundo [mas] faça-se justiça”.

Em nome da justiça, às favas para imparcialidade, isenção e equidistância. Os diálogos revelados demonstram isso, o desrespeito às características fundamentais traçadas pela Constituição de 1988 de um modelo de sistema penal de garantias fundamentais. A reportagem revela uma quebra da estrutura dialética do processo, mas não só do processo, onde o contraditório é inerente ao processo penal. O conjunto de elementos fáticos e jurídicos diante do que foi apresentado pelo site, fica, no mínimo, contaminado por posições ideológicas e conexões fora dos muros que circundam o fórum. No processo penal deve haver o mínimo de igualdade entre as partes litigantes, visto que esse é um pressuposto essencial para legitimidade do processo, como defender uma paridade processual simétrica, quando a acusação tem livre acesso ao Juiz por meio de mensagens a qualquer hora do dia ou da noite, e já a outra parte só tem o processo como meio de comunicação com o órgão julgador. O Magistério Punitivo exercido pelo Ministério Público não pode contaminar o julgador. No caso de Curitiba, os titulares da ação penal, ou seja, o Ministério Público, possuíam um “DOPING PROCESSUAL”, qual seja, acesso ao Juiz, às suas posições antecipadas e seus conselhos. Os diálogos mostram um incremento a atuação do Ministério Público em detrimento da defesa, ou seja, “DOPING PROCESSUAL”.

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*João Américo Rodrigues de Freitas é advogado, consultor jurídico e presidente da Comissão de Processo Penal da OAB Caruaru.

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