Não é de hoje que elogio o então magistrado Sergio Moro, quer pela sua honestidade, competência ou maneira de conduzir um processo. Digo que o Poder Judiciário teve um divisor de águas na condução de processos criminais, ele se chama Moro. Com ele um processo criminal complexo que antes durava anos e dificilmente resultava em condenações passou a ser julgado em menos de 2 anos, utilizando-se da tecnologia do processo digital, vídeo conferência e uma característica de iniciar e acabar uma instrução com os fatos frescos em sua memória, este magistrado desenvolveu uma nova forma de judiciar. Igualmente, nutro profunda admiração pelo Ministério Público Federal onde muitas vezes nos encontramos em lados opostos e em outras do mesmo lado, ou como assistente de acusação ou como colaborador ou leniente.
Todavia, não poderia omitir minha perplexidade ao tomar conhecimento neste dia 9/6/19 da publicação pela The Intercept Brasil de mensagens trocadas entre o então magistrado Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, então procurador coordenador da força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba. Tais mensagens revelam uma ilegítima intimidade entre o magistrado e o Ministério Público. Não pode um juiz trocar mensagens como o Ministério Público ou até com advogados orientando investigações, antecipando informações sobre processos que ambos participam.
O princípio constitucional da imparcialidade do juiz, decorre da garantia de que o processo e a sentença serão conduzidos por uma autoridade competente, vedando-se juízo ou tribunal de exceção, conforme previsto no artigo 5º, inciso XXXVII e LIII da Constituição Federal. Posto isto, é inimaginável admitir um processo julgado por um magistrado que troca mensagens com uma das partes antecipando informações e até orientando-a. O processo deve ser anulado ab initio.
O ministro Alexandre de Moraes, em sua respeitada obra Direito Constitucional, ao discorrer sobre agentes públicos aponta pela necessária transparência e publicidade de seus atos, não podendo invocar a inviolabilidade constitucional para salvaguar práticas ilícitas. Não se pode aqui aceitar argumentações trazidas hoje por alguns procuradores do Ministério Público de que a prova é nula pois obtida de forma criminosa, aplicando a teoria da árvore dos frutos envenenados, até porque o procurador Dallagnol, já publicou em seu twitter: "No conflito entre direito à informação sobre crime grave e direito à privacidade, ganha o interesse público". A propósito, na proposta do Ministério Público das "dez medidas contra a corrupção", uma delas diz respeito ao uso de provas ilícitas obtidas com boa-fé, diga-se, defendida publicamente pelo então magistrado Moro. Isto posto, indago, será que as centenas de acusados que foram acusados por este Ministério Público e condenados por este magistrado não seriam estas pessoas que, de boa-fé, estariam se utilizando destas provas para demonstrar que lamentavelmente foram julgadas por um magistrado parcial?
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*Fernando José da Costa é advogado criminalista, professor, mestre e doutor em direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP – Doutor em direito penal por Sássari – Itália, autor de vários livros e sócio do escritório Fernando José da Costa Advogados.