As medidas do presidente Jair Bolsonaro para alterar as regras de aquisição, cadastro, registro, posse, porte e comercialização de armas de fogo e de munição podem ser vistas como um nítido atentado contra o desarmamento no Brasil. Um dos pontos cruciais é a permissão para que uma série de pessoas e grupos profissionais tenham armas o que, na realidade, é uma política contrária às disposições do Estatuto do Desarmamento. Como consequência, pode ainda aumentar o nível de insegurança e violência nas ruas de um país cuja taxa de homicídios supera os 60 mil ao ano, sendo trinta vezes maior que o da Europa.
Primeiro, as modificações previstas no recente decreto presidencial 9.797/19 não possuem validade constitucional para mudar o Estatuto do Desarmamento. A lei, que está em vigor desde 2003, somente pode ser remodelada por outra lei e não por regulamentos como o caso dos decretos do governo federal. À risca da própria Constituição Federal do Brasil, a presidência da república não possui atribuições para realizar as alterações propostas em lei. Mudanças via decreto não integram a amplitude do cargo, pois precisam tramitar e serem aprovadas no Congresso Nacional.
O Estatuto prevê, por exemplo, que armas são restritas para um número muito limitado de pessoas. Mas, com o decreto, o governo federal gerou um impasse ao criar a possibilidade de uma série de pessoas, em razão da ocupação, deterem armas de fogo. A política implantada pelo Executivo acaba por permitir que caminhoneiros possam portar armas de fogo e existem mais de 950 mil caminhoneiros no Brasil. Mesmo considerando as iminentes potencialidades de risco no transporte de cargas no país, é preciso refletir se este critério basta para permitir a posse de arma e, até mesmo, se é benéfica à classe ou se consiste em apenas pressuposto de maior segurança à realização do seu trabalho.
Estender a posse de armas para várias categorias profissionais, sem passar pelo crivo do Congresso Nacional, é uma ilegalidade. Até mesmo pelas restrições previstas como a necessidade de exames psicológicos, controle da Polícia Federal e outras medidas que, de fato, trazem segurança à população brasileira. Mas, de modo contrário, o que o governo fez foi a ampliação da posse de armas para quase 20 milhões de pessoas, 10% do total de habitantes no país.
O argumento de que 63% da população votou a favor da comercialização de armas, no referendo realizado em 2005, não é suficiente para as mudanças previstas no decreto. O referendo, em nenhum momento, confere legitimidade e tampouco significa que houve alteração legislativa na política de armas. Aparentemente, falta conhecimento técnico do poder Executivo nessa matéria e, de fato, qualquer alteração, para ter alguma validade constitucional e legal, precisa necessariamente passar por aprovação da Câmara e do Senado.
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