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Tema do concurso: “Disserte sobre o verbo Haver”

Há poucos dias, chegou ao meu conhecimento que, em um concurso da área jurídica, teria sido solicitada, como questão de língua portuguesa, a elaboração de uma dissertação sobre o verbo haver. Não me causou estranheza, haja vista se tratar de verbo corriqueiro em nossa linguagem cotidiana. Com efeito, uma olhadela no parágrafo anterior indicará a presença do verbo em dois momentos: “há poucos dias...”, logo no início; “... haja vista se tratar de...”, ao término do articulado. O verbo haver possui inúmeras acepções: seu significado vai de um simples existir (Houve um incêndio) até um curioso sentido de conseguir (Houve do poder público a comutação da pena). Nesse multifacetado contexto significativo, requer-se cautela.

22/9/2006


Tema do concurso: “Disserte sobre o verbo Haver”

 

Eduardo Sabbag*

 

Há poucos dias, chegou ao meu conhecimento que, em um concurso da área jurídica, teria sido solicitada, como questão de língua portuguesa, a elaboração de uma dissertação sobre o verbo haver. Não me causou estranheza, haja vista se tratar de verbo corriqueiro em nossa linguagem cotidiana.

 

Com efeito, uma olhadela no parágrafo anterior indicará a presença do verbo em dois momentos: “há poucos dias...”, logo no início; “... haja vista se tratar de...”, ao término do articulado.

 

O verbo haver possui inúmeras acepções: seu significado vai de um simples existir (Houve um incêndio) até um curioso sentido de conseguir (Houve do poder público a comutação da pena). Nesse multifacetado contexto significativo, requer-se cautela.

 

A propósito, o sentido mais usual, designativo de existir, mostra a forma impessoal do verbo haver. Assim, não se podem pluralizar as formas, como se nota nos exemplos a seguir:

cinema na cidade – cinemas na cidade;

 

Houve briga no estádio – Houve brigas no estádio.

Nesse passo, diga-se que as locuções verbais manter-se-ão, igualmente, inalteradas. Observe:

Deve haver cinema na cidade – Deve haver cinemas na cidade;

 

Há de haver disputa violenta – Há de haver disputas violentas.

Não menos usual, com ênfase na redação forense, desponta a locução haja vista, na acepção de “tendo em vista”. Trata-se de expressão fossilizada, isto é, grafa-se haja vista, e não “haja visto” – um produto da mirabolante imaginação humana. A ressalva existe para caso distinto: haja visto como locução verbal indicativa de “tenha visto”. Exemplo: Espero que haja visto a comédia. Nesse caso, não há problemas... há de haver tolerância!

 

Tolerância deve-se ter com outras locuções compostas pelo verbo em análise: bem haja, na acepção de “seja feliz” (Exemplo: Bem hajam os que vêem hoje como o amanhã de ontem); haver mister, no sentido de “necessitar” (Exemplo: Havia mister de comprovar o dolo; Todos os envolvidos haviam mister de defesa nos autos). Não perca de vista que em tais locuções o verbo se torna pessoal, podendo variar.

 

Ademais, não é raro encontrar em petições e sentenças a locução Haver por bem, no sentido de “vir a propósito” – uma bem-sonante expressão, também variável, no plural – Exemplo: Os desembargadores houveram por bem em acolher o pedido da parte.

 

Nesse ínterim, insta mencionar que o verbo pode assumir a forma pronominal: haver-se – uma formação com mais de um sentido: como sinônimo de “portar-se”: “Os alunos não se houveram bem na festa: foi um deus-nos-acuda!”; ainda, no sentido de “acertar contas”: “Ele vai se haver comigo quando chegar a casa.”

 

“Quantos significados!” – poderá desabafar o leitor. Entretanto, não se pode desesperar – recomendo. Há de haver cautela!

 

Cautela em abundância, principalmente, para a compreensão de sentidos estranhos, como: conseguir, na frase: “Eles houveram do governo as verbas pleiteadas”; e, julgar ou entender, na oração: “Ele é tido e havido por negligente”.

 

Por fim, mencione-se que o verbo haver pode vir seguido de infinitivo, com a partícula “não” anteposta, nos seguintes casos: com o sentido de “não ser possível”: “Não há (que) discutir o ocorrido”; “Não há beijar sem ser beijado”.

 

- “Ufa! De fato, hei de ter cautela!” – poderia exclamar, com razão, o nobre leitor.

 

Aliás, a expressão utilizada no desabafo – hei de – indica o futuro promissivo (de promessa) do verbo.

 

Observe os magistrais versos da canção “Eu te amo” (1980), de Tom Jobim e Chico Buarque:

"‘Ah’, se já perdemos a noção da hora / Se juntos já jogamos tudo fora / Me conta agora como ‘hei de’ partir (...) Não, acho que estás só fazendo de conta / Te dei meus olhos pra tomares conta / Agora conta como ‘hei de partir’".

Tom e Chico revelaram nos versos acima – compostos em 1980 – a radical experiência de fusão com a pessoa amada e a perplexidade diante do fim da relação. O curioso é perceber que, em 1984, Caetano Veloso, valendo-se do verbo em análise, na bela canção “Quereres”, pareceu explicar a celeuma da relação amorosa:

“O quereres e o estares sempre a fim / do que em mim é de mim tão desigual (...) E, querendo-te, aprender o total / do querer que ‘há’ e do que não ‘há’ em mim.”

Talvez o amor seja assim: “complexo” e “intrigantemente convidativo”, como o verbo haver.

 

Houve por bem Gilberto Gil, nos magistrais versos da canção “Estrela”, quando nos remeteu a essa “estranha e convidativa complexidade”:

 

“‘Há’ de surgir / uma estrela no céu cada vez que ocê sorrir / ‘Há’ de apagar / uma estrela no céu cada vez que ocê chorar (...)”.

 

De fato, o verbo haver e o amor podem nos ensinar: há de haver compreensão...

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*Advogado, professor do Prima Cursos Preparatórios e de pós - graduação <_st13a_personname w:st="on" productid="em outras Instituições">em outras Instituições

 

 

 

 

  

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