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Os repetitivos, as teses e o STJ

Acertam os ministros do STJ quando fixam uma tese, antes de julgar o recurso afetado (que, certamente, tem muito menos alcance vinculativo que uma ratio) e que deve ser aplicada para resolver apenas ações e recursos sobre questões fáticas idênticas: contra Instituições bancárias, contra o Estado, contra empresas de telefonia etc.

5/6/2019

É muito comum afirmar-se que o CPC de 2016 trouxe um sistema de precedentes à brasileira. Tem sentido esta afirmação?

Responder a esta pergunta depende da resposta a uma outra: o que, de fato, vincula no julgamento dos recursos repetitivos? A ratio? Ou a tese?

Isto porque, nos países de common law, o que realmente vincula é a ratio, o core, a holding, a essência do raciocínio jurídico que embasou a decisão. Portanto, o precedente, ou, de rigor, a sua ratio, são vinculantes também em relação a casos posteriores que não giram em torno dos mesmos fatos.

Assim, por exemplo, se o STF considera inconstitucional a regra que exige pagamento de matrícula em universidades públicas, julgando um recurso que teve lugar numa ação entre A e a universidade, este precedente, que é obrigatório, vincula não só no que tange às matriculas, mas ao pagamento de taxa para a realização de provas substitutivas, por exemplo. Por que a ratio da decisão é: a gratuidade implica poupar o aluno de quaisquer despesas inerentes ao aproveitamento integral do curso, sob pena de estar esvaziada a característica “gratuidade”.

É possível, portanto, com base neste precedente, resolver-se o problema relativo às taxas cobradas pela realização de prova substitutiva. Invocar um precedente em casos que, sob o ponto de vista fático, não são idênticos, envolve a necessidade de investigação a respeito de qual teria sido a ratio do caso subjacente à decisão que se pretende seja a base jurídica da segunda.

No entanto, quando um recurso representativo da controvérsia é afetado para ser julgado no regime dos repetitivos, gerando acórdão de mérito, que vincula os demais, a procura da ratio é desnecessária para indicar quais casos devem submeter-se ao recurso julgado como paradigma: porque serão só os casos idênticos.1

O procedimento dos recursos repetitivos, o IRDR e, em parte, a meu ver, também o IAC, foram concebidos para resolver, com respeito à isonomia, racionalizando e otimizando a atividade do Poder Judiciário, questões de massa, direitos individuais homogêneos, ou seja, questões jurídicas relativas a fatos idênticos. Basta lembrarmos dos casos em que se discutia a legalidade da cobrança de Taxa de Abertura de Crédito (TAC) e Taxa de Emissão de Carnê (TEC)2 ou a licitude da cobrança da assinatura básica.3

As coisas se passam assim e assim se devem passar, até porque é impossível, de antemão, se saber quais casos estão tramitando no Brasil, no 1.º e no 2.º grau, com a mesma ratio de um recurso afetado, e que, por isso, deveriam ter seu processamento suspenso.

Procurar a ratio é um trabalho que se faz a posteriori: depois que o acórdão foi proferido, procura-se sua ratio, para se saber que situações PODEM SER DECIDIDAS À LUZ daquela mesma ratio.

Portanto, ao STF cabe ter todo o cuidado possível ao elaborar as teses relativas aos recursos extraordinários avulsos (sob regime da repercussão geral), pois o que vincula, quando não se trata de repetitivos, é a ratio e não a decisão. Portanto, a ratio deve constar da tese.4

A edição de teses, quando se trata de precedente vinculante emanado de recurso extraordinário, deve ser abrangente para permitir que a vinculação se dê de modo a não limitar o potencial de construção do Direito pela via dos precedentes.

Com razão, pondera Taís Schilling Ferraz que se deve: “atribuir maior valor à fundamentação dos precedentes, sua ratio decidendi, de forma que o sistema concebido seja verdadeiramente capaz de alcançar os propósitos pretendidos pelo legislador, de segurança jurídica e estabilidade.

Não se confundem a tese jurídica, que vem sendo retirada ao final dos julgamentos de repercussão geral e repetitivos, e a ratio decidendi dos precedentes.

A primeira vem sendo construída como um preceito genérico e abstrato, semelhante à lei, que proclama o resultado de um julgamento, com a expectativa de ampla aplicabilidade a casos onde a mesma questão tenha sido suscitada”.5

Esta técnica, da formulação de teses que se assemelham a normas jurídicas, a nosso ver, deve ser utilizada, porque produz bons resultados, no julgamento dos repetitivos.

Portanto, andou muito mal o legislador ao equiparar o regime do recurso extraordinário avulso ao dos repetitivos.6Com o RE avulso (sob o regime da repercussão geral) faz-se o exercício da procura da ratio e esta deve, na verdade, constar da tese jurídica enunciada. Obviamente, nem todo RE lida com situações de massa! Mas, todos geram, sim, repetitivos ou não, precedente vinculante para ser aplicado a casos idênticos ou análogos! Idênticos se se tratar de recurso extraordinário repetitivo e análogo, quando se estiver diante de recurso extraordinário avulso.

O STF fixou, recentemente, tese de repercussão geral, no RE 855.178, em que se discutia a responsabilidade solidária dos entes federados pela prestação dos serviços públicos relativos à saúde, bem como o devido ressarcimento financeiro àquele que prestou o serviço.7

Extraindo-se a ratio, poder-se-ia sustentar a aplicação da tese, também para os casos em que envolvam prestação do serviço público na área da educação, para os quais o precedente seria vinculante.

Então, a nosso ver, os repetitivos foram, sim, pensados para integrar um sistema de precedente “à brasileira”, dispensando incursões na decisão paradigma para a busca da ratio.

A busca da ratio deve ocorrer, porque é exercício de extrema utilidade nos embargos de divergência, no julgamento de um REsp com base em dissídio jurisprudencial, ou no recurso extraordinário avulso nos dois primeiros casos, para que se possa avaliar se há contradição. No último, para se saber qual o espectro de vinculatividade do precedente.

Portanto, acertam os ministros do STJ quando fixam uma tese, antes de julgar o recurso afetado (que, certamente, tem muito menos alcance vinculativo que uma ratio) e que deve ser aplicada para resolver apenas ações e recursos sobre questões fáticas idênticas: contra Instituições bancárias, contra o Estado, contra empresas de telefonia etc. Não agem como Chief-justices, nem como Lords da Suprema Corte Britânica, mas agem com extremo acerto, promovendo a isonomia e a desejável previsibilidade do direito.

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1 Sobre identidade absoluta e essencial (apenas de essência), confira-se nosso artigo Precedentes e Evolução do Direito, In: Direito Jurisprudencial, vol. I, S. Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 57 e ss. Veja-se também artigo em que se adotou os conceitos de identidade essencial no âmbito dos Embargos de Divergência: João Ricardo Camargo. O novo desenho estrutural dos Embargos de Divergência no STJ traçado pelo CPC/15. Revista de Processo, v. 272, n. 5, p. 288 e ss.

2 As teses fixadas nos repetitivos foram as seguintes: “1ª Tese: Nos contratos bancários celebrados até 30.4.2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303/96) era válida a pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto. - 2ª Tese: Com a vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou   limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira. - 3ª Tese: Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais”.

Nesses casos é prescindível a busca da ratio, pois as teses foram fixadas para resolver os milhares de casos em que se discutia precisa e exatamente a mesma questão: cobrança de TAC e TEC. De modo que, não se cogita de aplicar essas teses para a cobrança, por exemplo, de manutenção de conta.

3 STJ, REsp 1068944/PB, rel. Min. Teori Zavascki, j em 12.11.2008. Teses jurídicas: “Em demandas sobre a legitimidade da cobrança de tarifas por serviço de telefonia, movidas por usuário contra a concessionária, não se configura hipótese de litisconsórcio passivo necessário da ANATEL.

É legitima a cobrança de tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa”.

4 “Esta ampliação do thema deciudendum deveria permitir o amplo aproveitamento das razões da decisão paradigma para a solução de casos subsequentes em que fatos análogos, frente a questões jurídicas semelhantes se apresentassem, o que seria esperado em um sistema de respeito aos precedentes judiciais”. (Taís Schilling Ferraz. Ratio decidendi x tese jurídica. A busca pelo elemento vinculante do precedente brasileiro. RePro, São Paulo, v. 265, p. 419-441, mar. 2017),

5 Taís Schilling Ferraz. Ob. cit.

6 Já tratamos com mais vagar desse tema, em obra escrita com Bruno Dantas, cf. Recurso Extraordinário e Recurso Especial e a nova função dos Tribunais Superiores no Direito brasileiro. 4. ed., S. Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 409 e ss.

7 Ficou assim consignada a tese: “Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”. STF, Tema 973, Plenário, j. 23.05.2019.

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*Teresa Arruda Alvim é sócia do escritório Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados. Livre-docente, doutora e mestre em Direito pela PUC-SP.

 

 

 

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