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Comentários ao art. 303, § 5º, do Código de Processo Civil

Para os fins do art. 303, § 5º, do CPC, basta que a petição inicial evidencie, por qualquer meio, tratar-se de um pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente para que o autor tenha direito de apresentar a peça simplificada, nos termos do art. 303, caput, do CPC.

3/6/2019

Dentre as novidades trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, a tutela antecipada em caráter antecedente, cujo procedimento está descrito nos arts. 303 e 304, é ensejadora de dúvidas e de intensos debates a respeito da aplicação prática do que o legislador quis instituir. No presente artigo, a análise recai sobre o parágrafo 5º do art. 303, em que se lê:

Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

(...)

§ 5º O autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer-se do benefício previsto no caput deste artigo. 

A escolha do objeto analisado se deve às dúvidas que podem surgir a respeito de qual seria o benefício a que alude o § 5º, a despeito da aparente clareza de sua redação do § 5º, mormente quanto à sanção para eventual descumprimento do dispositivo e aos termos em que se terá por atendida a exigência nele descrita.

De acordo com o caput do art. 303 do CPC, se houver “perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo” quando do ajuizamento — premido pela urgência, portanto — o autor pode se limitar a requerer a tutela antecipada e indicar o pedido de tutela final. Trata-se de regra especial face aos arts. 319 e 320 do CPC.

Dialogando com as regras básicas estampadas nos arts. 6º a 8º do CPC, que determinam e asseguram a cooperação entre as partes, a paridade de tratamento, o efetivo contraditório e a atenção aos fins do processo, o § 5º do art. 303 exige que o autor indique na petição inicial que pretende se valer “do benefício previsto no caput deste artigo”.

O benefício em questão, pela literalidade da disposição legal, é a possibilidade de o autor não apresentar petição inicial completa, atendendo todos os requisitos da norma geral dos arts. 319 e 320 do CPC.1-2

Entretanto, Cassio Scarpinella Bueno3 alerta para uma outra acepção, embora escape da literalidade da lei: o benefício auferido pelo autor ao valer-se do procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, além da petição inicial mais singela, seria a possibilidade da estabilização da tutela deferida.4

Na prática, pode vir a ser difícil — ou impossível — ao magistrado e à parte contrária saber se determinada petição inicial está completa ou se é limitada ao requerimento da tutela antecipada em caráter antecedente e à indicação do possível pedido de tutela final. Para evitar contratempos, discussões laterais e prejuízos, o CPC exige que o autor indique na petição inicial, esclarecendo a todos os envolvidos no processo, tratar-se de peça singela sujeita a posterior complementação. Trata-se de um consectário do princípio da boa-fé objetiva.

A redação do dispositivo evidencia, é importante frisar, que não se exige do autor a formulação de um pedido; a petição inicial deve indicar — leia-se: exteriorizar de maneira clara — que o direito de apresentar a petição inicial “simplificada”, para eventual emenda a posteriori, está sendo exercido.5 Há comunicação pelo autor, mas não pedido a ser deferido pelo magistrado.

Sendo dispensado pela lei a formulação de pedido, o atendimento do art. 303, § 5º, do CPC pode se dar das mais diversas formas, desde que torne claro e inequívoco qual o procedimento que o autor pretende ver instaurado, seja pelas indicações dos dispositivos legais que regem o procedimento, seja ao “indicar expressamente, no texto, que pretende se valer do benefício do CPC 303.”6 A interpretação deve ser ampla, condizente com a simples exigência da lei, que é a de se “indicar” a intenção, sem qualquer requisito ou forma determinados.

Interessante considerar que a interpretação ampla do § 5º do art. 303 do CPC não decorre apenas da literalidade do dispositivo, mas também da racionalidade do procedimento em questão: basta que o autor deixe claro e inequívoco, de qualquer forma, a intenção de requerer tutela antecipada em caráter antecedente usufrua do benefício de não ter indeferida a petição inicial limitada ao que consta do caput do art. 303 do CPC.

Restando claro na petição inicial o caráter antecedente da tutela antecipada requerida pelo autor, então o benefício da petição inicial simplificada é consectário lógico e o atendimento do § 5º do art. 303 do CPC deve ser presumido.

A razão disso é simples: em rigor, tutela provisória é antecedente quando — e apenas se — se requerida em petição conforme o caput do art. 303 do CPC7; se a tutela provisória constar de uma petição inicial completa, formulada nos rigores do art. 319 e 320 do CPC, estar-se-á diante de um pedido formulado em caráter incidental.8

Deveras, o caráter antecedente da tutela provisória depende necessariamente de o autor se valer da autorização para que apresente petição inicial nos termos do caput do art. 303 do CPC, ainda que não se refira, textualmente, a tal benefício. Basta que a petição inicial expresse se tratar de pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente.

Considerando que “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial” (art. 2º do CPC), havendo dúvida a respeito de qual o procedimento a ser adotado, a fim de prevenir nulidades e contratempos, o magistrado deve intimar o autor a esclarecer e, se o caso, adequar a petição inicial ao procedimento de que se pretende valer. Apenas assim estarão sendo cumpridas as normas dos arts. 6º a 8º, 139, IX, 317 e 321 do CPC, que determinam, dentre outros, a cooperação entre o magistrado e as partes, igualdade de condições de contraditório efetivo, a eficiência processual, o dever geral de saneamento e a intimação do autor para emenda da petição inicial.

Por fim, cumpre citar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no agravo de instrumento  2159562-55.2016.8.26.0000, Rel. Des. Mourão Neto, j. 04/10/16, em que se recusou a estabilização da tutela antecipada deferida em caráter antecedente porque “a petição inicial não está limitada ao requerimento de tutela antecipada; ao contrário, a causa de pedir e o pedido de tutela final foram deduzidos de forma completa na petição inicial, não se vislumbrando demanda submetida pelo autor ao especial regime do artigo 303 do novo CPC, o que haveria de ser expresso e inequívoco, a teor do respectivo § 5º.”

O julgamento acima mencionado não apenas confirma a procedência do alerta feito por Cassio Scarpinella Bueno a respeito de que a indicação clara do procedimento adotado pode ter implicação na estabilização da tutela antecipada; confirma também que a tutela antecipada apenas terá caráter antecedente se formulada em peça limitada aos termos do caput do art. 303 do CPC, pois, em se tratando de petição inicial completa, ter-se-á tutela incidental e, portanto, inexistem os benefícios de posterior complementação e de estabilização da tutela concedida.

Em resumo, para os fins do art. 303, § 5º, do CPC, basta que a petição inicial evidencie, por qualquer meio, tratar-se de um pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente para que o autor tenha direito de apresentar a peça simplificada, nos termos do art. 303, caput, do CPC. Havendo dúvida a respeito da natureza da tutela requerida, se antecedente ou incidente, o autor deve ser intimado a esclarecer ou emendar a petição inicial, firme nos arts. 6º a 8º, 139, IX, do CPC.

_________________

1 Nesse sentido: ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 18. Ed. São Paulo: RT, 2019, p. 757.

2 “...é o benefício de requerer a tutela antecipada em caráter antecedente, antes de formular o pedido de tutela final.” (ASSIS, Carlos Augusto de; LOPES, João Batista. Tutela provisória. Brasília: Gazeta Jurídica, 2018, p. 156.)

3 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil, 1: teoria geral do direito processual civil – parte geral do código de processo civil. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 703.

4 TJSP- 2ª Câm. D. Púb., AI 2159562-55.2016.8.26.0000, Rel. Des. Mourão Neto, j. 04/10/2016.

5 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 18. Ed. São Paulo: RT, 2019, p. 757: “Nessa hipótese (...), deverá o autor deixar claro que se pretende valer do procedimento simplificado da tutela antecipatória em caráter antecedente (art. 303, § 5º, do CPC/2015). (...) Desse modo, pode o autor sumarizar o pedido, comprometendo-se a futuramente complementá-lo.”

6 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de A. Código de processo civil comentado. 17. Ed. RT, 2018, p. 1.003.

7 LOPES, João Baptista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 5. Ed. São Paulo: Ed. Castro Lopes, 2016, p. 176: “Trata-se, pois, de pedido de tutela antecipada antecedente, ou seja, antes do ajuizamento da ação de conhecimento.”

8 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Op. Cit., p. 678: “Será antecedente a tutela provisória fundamentada em urgência e requerida para dar início ao processo, independentemente da formulação da ‘tutela final’ ou do ‘pedido principal’. (...) Será incidente a tutela provisória requerida concomitantemente ou após a formulação do pedido de ‘tutela final’ ou do ‘pedido principal’.”

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*Mário Henrique de Barros Dorna é mestrando em Direito Processual Civil pela PUC-SP.

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