Desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, o Judiciário brasileiro consolidou o entendimento de não distribuir os riscos da atividade econômica entre o fornecedor de produtos ou serviços e o consumidor. De forma sistemática, a jurisprudência foi construída no sentido de imputar aos fornecedores toda e qualquer responsabilidade, independentemente de culpa sobre os prejuízos suportados pelos consumidores em uma relação de consumo.
A desigualdade entre fornecedor e consumidor como um dado objetivo para a solução dos seus conflitos e sobretudo a situação de vulnerabilidade do consumidor sempre nortearam as decisões emitidas pelos nossos Juízes na aplicação das regras do referido Código.
Como resultado, após mais de duas décadas de vigência da lei, alcançou-se um padrão indesejado de condenações desproporcionais e descabidas, que acabam por onerar todas as partes interessadas.
De um lado, o fornecedor de produtos ou serviços se vê premido diante de um passivo judicial gigantesco em termos de quantidade e valor. Do outro, o consumidor passa a pagar preços maiores decorrentes do repasse realizado pelo fornecedor, corroborando a máxima de que toda decisão judicial tem um custo a ser suportado por alguém. Não é preciso gastar muita tinta para demonstrar na hipótese a relação direta de causa e efeito.
Não podemos ignorar também que em um País de dimensões continentais, com mais de duzentos milhões de habitantes, onde o Estado se mostra absolutamente incapaz de atender as demandas mais comezinhas da sua população, essa jurisprudência acaba por constituir um verdadeiro alívio para os nossos governantes, já que transfere para a iniciativa privada obrigações que deveriam se supridas pelo Poder Público.
Basta observar o que ocorre com as Operadoras de Planos de Saúde, que, diante da ineficiência do Poder Público em oferecer saúde de qualidade para a população brasileira, são instadas pelo Judiciário a fornecer tratamentos não contratados aos seus usuários. Tratamentos, vale repetir e frisar, que deveriam ser supridos pelo Estado. O resultado, como sabido, é a situação de penúria do setor, prestando serviços de qualidade questionável contra a cobrança de mensalidades caras.
Tal se repete na área da segurança pública, onde a iniciativa privada, ainda por conta dessa jurisprudência, é obrigada a contratar segurança particular a um custo altíssimo, com o ideal de deixar os consumidores indenes e a salvo da violência, como se na prática isso fosse possível. Muito pelo contrário. Esse aparato criado à margem do Estado somente se presta para potencializar o risco de confrontos violentos entre bandidos e vigilantes privados, expondo ainda mais a integridade dos consumidores. De toda forma, o custo de manutenção dessa segurança particular é inteiramente repassado para os preços dos produtos e serviços adquiridos pela população.
Dentro do cenário apresentado, a pergunta que se deve colocar hoje em dia é a seguinte: o consumidor brasileiro está disposto a continuar a suportar o alto custo dessa jurisprudência, sem que seja convocado a dividir com o fornecedor os riscos da atividade econômica?
O Superior Tribunal de Justiça, felizmente, acordou para essa questão e, atento a todas essas nuances, vem revisando a jurisprudência que trata do assunto. A premissa agora adotada passa a ser a expectativa que o consumidor detém diante de um determinado fornecedor ao adquirir o produto ou serviço que lhe é ofertado. Ou seja, a depender da expectativa gerada no consumidor, em termos daquilo que conscientemente espera receber em troca, fica o fornecedor dispensado de pagar indenização pelos prejuízos suportados em uma relação de consumo.
Exemplo emblemático ocorreu recentemente no julgamento dos embargos de divergência em recurso especial 1.431.606/SP, pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, onda a rede “McDonald's” não foi condenada ao pagamento de indenização pelo roubo da motocicleta de um cliente na área do estacionamento do seu restaurante drive-tru.
No entender da maioria dos ministros que compõe a Segunda Seção do STJ, o consumidor não poderia ter no caso uma expectativa de segurança, que justificasse a reparação requerida. Diferentemente do que ocorre com os Shopping Centers e Hipermercados, que possuem itens básicos de segurança, como cerca, cancelas, entrega de tickets e controle de entrada e saída, o estacionamento em questão é oferecido a seus clientes por mera cortesia, como acontece no comércio em geral, a exemplo de padarias, farmácias e postos de gasolina, além de não constituir elemento essencial para o êxito do negócio.
Com efeito, consciente das limitações de segurança existentes no estacionamento do restaurante drive-tru da referida rede, não seria razoável concluir pela frustração da confiança a que foi induzido o consumidor pelo fornecedor diante do roubo sofrido. Assim, em situações como essa, passa a se impor a distribuição dos riscos da atividade econômica entre fornecedor e consumidor, afastando-se o dever de indenizar.
Aliás, a distinção estabelecida entre os estacionamentos de Shopping Centers e Hipermercados com o estacionamento de uma lanchonete drive-tru, para afastar a incidência da súmula 130 do STJ e temperar a interpretação do § 1º, do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, constitui um exemplo prático de como a jurisprudência está começando a mudar, atenta a necessidade de contribuir para o reequilíbrio da distribuição dos custos da atividade econômica entre fornecedor e consumidor.
Que essa nova linha interpretativa se consolide definitivamente em nossa jurisprudência, de modo a traduzir um ideal de justiça mais maduro e responsável, sem paternalismos.
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