A vida pregressa dos candidatos e a moralidade para o exercício do mandato
Henrique Neves da Silva*
Introdução
A “ira cívica” – como já se chamou o sentimento de repulsa da nação aos acumulados escândalos políticos e criminais dos últimos meses – estaria a reclamar uma ação ou reação do Poder Judiciário, em especial do Tribunal Superior Eleitoral, como meio de impedir a disputa eleitoral por pessoas notoriamente envolvidas em atividades suspeitas.
O clamor popular, sempre invocado na defesa dos ideais maiores do Estado, já foi, historicamente, escudo para ações contra a própria humanidade e serviu como fundamento para extirpar os opositores da situação.
Sob a alegação dos “fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, "os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria”, editou-se em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional n. 05.
A situação histórica atual é diversa, e os propósitos da discussão sobre o tema são nitidamente díspares daqueles alegados em outras épocas.
O que se percebe é que com a reabertura da discussão sobre a vida pregressa e a moralidade dos candidatos para o exercício dos mandatos populares, pretende-se garantir a máxima eficácia dos princípios constitucionais e dos relevantes valores do Estado Democrático de Direito.
Realmente, não há como ser afastado o sentimento de angústia e preocupação com a coisa pública agravados pelos diversos episódios recentes do cenário político e criminal brasileiro, os quais merecem profunda investigação e exemplar decisão.
As condições de elegibilidade e as inelegibilidades
É célebre, no Direito Eleitoral, o artigo do Ministro José Carlos Moreira Alves “Pressupostos de Elegibilidade e Inelegibilidades”, publicado, entre outros, pela Editora Universidade de Brasília nos “Estudos de Direito Público em Homenagem a Aliomar Baleeiro”1.
Nele, o Professor Moreira Alves enfrentava o tema da constitucionalidade do parágrafo 3º, do artigo 67 da, então, Lei Orgânica dos Partidos Políticos que, segundo alguns, estaria criando uma nova forma de inelegibilidade ao estabelecer o prazo de dois anos de filiação para que aquele que ingressara em determinado partido político pudesse concorrer. (Atualmente esse prazo é de um ano).
Para enfrentar a questão, o autor, com base na doutrina comparada, distinguia os pressupostos de elegibilidade das inelegibilidades, sintetizando que:
“Não há que confundir, em face de nosso sistema constitucional, pressupostos (ou condições) de elegibilidade e inelegibilidades, embora a ausência de qualquer daqueles ou incidência de qualquer destas impeça alguém de poder candidatar-se a eleições municipais, estaduais ou federais.
Pressupostos de elegibilidade são requisitos que se devem preencher para que se possa concorrer às eleições. Assim, estar no gozo de direitos políticos, ser alistado como eleitor, estar filiado a Partido Político, ter sido escolhido como candidato do Partido a que se acha filiado, haver sido registrado, pela Justiça Eleitoral, como candidato por esse Partido.
Já as inelegibilidades são impedimentos que, se não afastados por quem preencha os pressupostos de elegibilidade, lhe obstam concorrer às eleições, ou – se supervenientes ao registro ou se de natureza constitucional – servem de fundamento à impugnação de sua diplomação, se eleito. Não podem eleger-se, por exemplo, os que participam de organização cujo programa ou ação contraria o regime democrático; os declarados indignos do oficialato ou com ele incompatíveis; os que tiverem seus bens confiscados por enriquecimento ilícito.
Portanto, para que alguém possa ser eleito precisa preencher pressupostos (requisito positivo) e não incidir em impedimentos (requisito negativo). Quem não reunir essas duas espécies de requisitos – o positivo (preenchimento de pressupostos) e o negativo (não incidência em impedimentos) – não poderá concorrer a cargo eletivo2.
Com a proclamação da Constituição de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1988, a">1988, a distinção entre as condições de elegibilidade e as inelegibilidades foi adotada no próprio texto da Carta, especificamente em seu artigo 14 que inicia dizendo: “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos...” e em seguida, no §3º, enumera taxativamente as condições de elegibilidade, ou seja, os requisitos necessários para que o cidadão possa se inscrever como candidato.
No atual sistema brasileiro, são condições de elegibilidade na forma da lei: a nacionalidade brasileira; o pleno exercício dos direitos políticos; o alistamento eleitoral; o domicílio eleitoral na circunscrição; a filiação partidária e a idade mínima (35 anos para Presidente, Vice-Presidente e Senador; 30 anos para Governador e Vice-Governador; 21 anos para Deputado Federal, Estadual ou Distrital e Prefeito, Vice-Prefeito e Juiz de paz; e 18 anos para Vereador).
Assim, aquele que reúna essas condições adquire o direito de ser elegível e, consequentemente, de ser registrado como candidato nas eleições. Mas, além de preencher essas condições é necessário que não incida em nenhuma das hipóteses de inelegibilidade as quais, se configuradas, impedem a disputa eleitoral.
O artigo 14 da Constituição Federal enumera algumas situações de inelegibilidades, apontando como inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos (§ 4º); aqueles que tenham exercido até dois mandatos para o mesmo cargo (§ 5º); os que não tenham se afastado do exercício dos cargos de chefia do Poder Executivo, para disputar outros cargos, nos seis meses que antecedem ao pleito; (§6º); o cônjuge e os parentes até segundo grau no território do titular, substituto ou sucessor dos cargos de chefia do Executivo, salvo se candidato à reeleição (§7º).
Além das situações que expressamente indicou, a Constituição da República transferiu ao legislador complementar a possibilidade de criação de outras hipóteses de inelegibilidade, como se vê do parágrafo 9º, do artigo 14, com a redação dada pela Emenda Constitucional 4, de 1994:
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Aqui surge, então, pela primeira vez no texto constitucional em vigência, o tema relativo à proteção da probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato.
O estabelecimento de um princípio constitucional impõe ao Congresso Nacional a edição de uma Lei Complementar que especifique hipóteses de inelegibilidade para “proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
Discute-se, agora (e novamente), a auto-aplicabilidade deste princípio.
A auto-aplicabilidade do § 9º, do artigo 14 da CF
Os precedentes jurisprudenciais
Como já se disse, a discussão da auto-aplicabilidade do § 9º do artigo 14 da Constituição Federal não é nova, mas sempre é reaquecida na fase do registro de candidaturas.
O Tribunal Superior Eleitoral tem entendimento consolidado. O enunciado 13 da Súmula de sua jurisprudência predominante estabelece:
Não é auto-aplicável o § 9º, art. 14, da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional de Revisão nº 4/94.
Este verbete foi votado e publicado em outubro de 1996. Na raiz da Súmula estão os Recursos Eleitorais Especiais 12.0823, relator Ministro Diniz de Andrada, de 4.8.94; 12.1074, relator Ministro Flacquer Scartezzini, 6.8.94; e, 12.0815, relator Ministro Flacquer Scartezzini, 6.8.94.
Desde a edição da Emenda Constitucional de revisão nº 4, de 1994, o tema da auto-aplicabilidade dos princípios constitucionais tem sido debatido e negado pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Em verdade, a discussão sobre este tema já se travava na Constituição de 1967 com a redação de suas sucessivas emendas.
Examinando, justamente, a vida pregressa do candidato, o Ministro José Geraldo Rodrigues Alckmin, em 1976, já destacava que “os casos de inelegibilidade que visam a preservar a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, levando em consideração a vida pregressa do candidato, são os estabelecidos em lei complementar. Não cabe a justiça eleitoral, não ocorrente qualquer dos casos previstos da LC 5/70, declarar inelegibilidade com fundamento em que a vida pregressa do candidato não o recomenda para o exercício do cargo.” (RESPE 4503, Acórdão 5902, BEL 303-1-805).
Da mesma forma, naquela época se negava recurso contra a expedição de diploma quando este se baseava apenas em fatos não referidos pela Lei de Inelegibilidades vigente (RCED 315, Rel. Min. Carlos Eduardo de Barros Barreto, BEL 287-1-233).
Já, sob a ótica da Constituição de 1988, com a redação revista pela emenda 04/94, o Tribunal manteve a jurisprudência sumulada do Tribunal lembrando que “a vida pregressa do candidato só pode ser considerada para efeito de inelegibilidade quando lei complementar assim estabelecer” (RESPE 13.031, Rel. Min. Francisco Rezek RJTSE 8-2-282).
Igualmente, o Ministro Eduardo Ribeiro lembrava que eventual hipótese de inelegibilidade e sua respectiva ofensa somente poderiam ser apuradas diante do texto da Lei Complementar e, não diretamente do texto constitucional (RESPE 12.889, PESS 12.09.1996), ao qual, não se reconhecia a auto-aplicabilidade (RESPE-14604, Rel. Min. José Eduardo Rangel de Alckmin, PESS 17/10/96).
O entendimento não se alterou em 20006.
Nem em 2002, quando, dentre outros, o Ministro Sepúlveda Pertence registrou que “o art. 14, § 9º, da CF não é auto-aplicável: depende de lei complementar que tipifique os casos de inelegibilidade decorrentes das diretivas ali estabelecidas”. (RESPE 19.959, PSESS 03.09.02)7.
Em 2004, o Tribunal continuou mantendo o entendimento de que “a simples condenação em ação popular não gera inelegibilidade por vida pregressa, por não ser auto-aplicável o § 9º, art. 14, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional de Revisão nº 4/94, nos termos da Súmula - TSE nº <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="13”">13”. (RESPE 23347, Rel. Min. Caputo Bastos, PSESS 22.09.04)8.
Agora, diante das eleições de 2006, é certo que o Tribunal Superior Eleitoral retomou a discussão sobre o tema, no julgamento do RO 1069, apesar de já existirem ao menos9 quatro pronunciamentos monocráticos sobre o tema10, com trânsito em julgado.
A existência de pronunciamentos sobre o tema referente à eleição em curso, ainda que monocráticos, enseja uma maior cautela para que se promova a modificação da jurisprudência da Corte, a qual, aliás, há mais de trinta anos reconhece a não auto-aplicabilidade dos princípios constitucionais e a impossibilidade de ser reconhecer inelegibilidade fora das hipóteses previstas na própria Constituição ou na Lei de Inelegibilidades.
O entendimento consolidado no verbete 13 da Súmula de Jurisprudência do TSE não é apenas daquele Eg. Tribunal. O Supremo Tribunal Federal, como guardião e intérprete maior da Constituição da República, também reconheceu que as disposições do parágrafo 9º do artigo 14 da referida Carta não são auto-aplicáveis.
Dos precedentes citados no despacho parcialmente transcrito, merece ser destacada a ementa do AgRag 165.332:
EMENTA: ELEITORAL. EX-PREFEITO. CANDIDATO A DEPUTADO FEDERAL. IMPUGNAÇÃO. INELEGIBILIDADE FUNDADA NA SUA VIDA PREGRESSA E NA REJEIÇÃO DE SUAS CONTAS. ART. 14, § 9, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMA DEPENDENTE DE INTEGRAÇÃO LEGISLATIVA.
O acórdão recorrido, ao atribuir efeito elisivo da inelegibilidade à ação anulatória da decisão que rejeitou as contas do candidato, ex—prefeito, assentou sua interpretação em lei complementar, sem conotação de ordem constitucional que propiciasse o extraordinário.
O art. 14, § 9º, da Constituição Federal, na redação que resultou da Emenda Revisional n.º 4, não cria hipótese de inelegibilidade por falta de probidade e moralidade administrativa constatada pelo exame da vida pregressa do candidato, mas determina que lei complementar o faça, integrando o regime de inelegibilidades da ordem constitucional.
O acórdão recorrido que, longe de contrariar regra de hermenêutica, limitou-se a revelar e definir o exato sentido da norma constitucional.
Agravo regimental improvido.
Diante desses precedentes, colhidos dentre muitos outros, verifica-se que, há pelo menos trinta anos, a posição da jurisprudência sobre os princípios indicados na regra constitucional que outorga ao Legislador Complementar a competência para especificar outros casos de inelegibilidade, além daqueles previstos no próprio corpo constitucional, não são auto-aplicáveis, mas encerram apenas uma orientação dos bens jurídicos e valores preponderantes a serem tutelados.
A tipicidade das inelegibilidades
A inelegibilidade, como se disse acima, constitui impedimento ao exercício da elegibilidade. É, pois, exceção à regra e, como tal, não pode receber interpretação que amplie o seu conteúdo e nem pode decorrer de método de interpretação, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIN-MC 1805 (Rel. Min. Néri da Silveira):
(...) Não são invocáveis, na espécie, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, da isonomia ou do pluripartidarismo, para criar, por via exegética, cláusula restritiva da elegibilidade prevista no § 5º do art. 14, da Constituição, na redação da Emenda Constitucional nº 16/1997, com a exigência de renúncia seis meses antes do pleito, não adotada pelo constituinte derivado.
A doutrina registra, igualmente, a impossibilidade de se criar hipótese de inelegibilidade fora daquelas previstas no texto constitucional ou na legislação complementar. Neste sentido, Pedro Roberto Decomain11 sustenta que: “Tanto as causas de elegibilidade quanto as de inelegibilidades são taxativas. Não pode ser exigida a presença de quaisquer outros fatos, que não aqueles elencados na Constituição ou na legislação infraconstitucional, para que alguém possa ser candidato. Da mesma forma, não pode ser recusada a candidatura, em vista de quaisquer fatos que não aqueles consignados na Constituição Federal ou na Lei Complementar à qual aquele se refere como causas de inelegibilidade”.
Da mesma forma, adverte Antonio Carlos Mendes12:
“Conseqüência inexorável do princípio da legalidade, da certeza e da segurança jurídica que condicionam a elaboração legislativa, a descrição das inelegibilidades como situações objetivas exaustivas e taxativas, lavradas pela lei complementar em termos claros e inteligíveis, remetem o intérprete ao recurso hermenêutico da tipicidade.
Assim, o hermeneuta indagará acerca da identidade entre a situação fática posta à sua observação e a adequação dessa à situação objetiva descrita clara, exauriente e taxativamente na previsão legal complementar. Dessa subsunção entre o fato e o preceito legal resulta a inelegibilidade que, se consumada, torna-se irreversível, proibindo o exercício do ‘ius honorum’ em determinada eleição.”
A inelegibilidade, como regra que encerra exceção ao princípio geral da elegibilidade, não comporta, pela sua própria natureza, interpretação que insira no contexto da norma condição nela prevista ou que deixe, ainda que por razões sociológicas, de aplicá-la de modo completo.
Mesmo que se admita a possibilidade de interpretação teleológica da norma constitucional, o certo é que este método não exclui os demais processos de interpretação: gramatical, lógico e histórico, como ensina Vicente Ráo13 e não pode ser utilizado como escudo para que se promova a alteração do texto constitucional e da legislação, incluindo hipóteses que não foram previstas pelo Constituinte originário ou pelo derivado.
A decisão do Tribunal Constitucional Federal Alemão investigada por Luis Roberto Barroso em sua obra “Interpretação e Aplicação da Constituição”14, traduz essa impossibilidade:
“Através da interpretação não se pode dar a uma lei inequívoca em seu texto e em seu sentido, um sentido oposto; não se pode determinar de novo, no fundamental, o conteúdo normativo da norma que há de ser interpretada; não se pode faltar ao objetivo do legislador em um ponto essencial”.
Em relação às inelegibilidades, é necessário ressaltar que o próprio texto constitucional, ao autorizar que legislador complementar estabelecesse hipóteses de inelegibilidade, estabeleceu que: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação...”.
Ou seja, somente diante de casos previamente previstos e perfeitamente identificados, é que se poderá cogitar da aplicação da restrição à capacidade eleitoral passiva.
O ALCANCE DA LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR
“As constituições não tem o caráter analítico das codificações legislativas. São, como se sabe, largas sínteses, sumas de princípios gerais, onde, por via de regra, só se encontra o substratum de cada instituição nas suas normas dominantes, a estrutura de cada uma reduzida, as mais das vezes a uma característica, a uma indicação, a um traço. Ao legislador cumpre, ordinariamente, revestir-lhe a ossatura delineada, impor-lhes o organismo adequado e lhes dar capacidade real de ação”15
Em uma concepção ampla, toda norma infraconstitucional deve estar de acordo com a Constituição, logo, estaria a complementar o seu significado. Assim, neste largo espectro, toda Lei poderia receber a conotação de complementar.
As normas constitucionais, porém, não são sempre completas. Por mais que a Constituição Brasileira atinja um elevado (e indesejável) grau de especificidade, nem todos os acontecimentos e fatos – que caracterizam um dos requisitos das normas clássicas – estão previsto no texto constitucional.
Daí é que Celso Ribeiro Bastos, lembra que:
“Esse grau de maior ou menor capacidade para incidir sobre os fatos abstratamente descritos na hipótese da norma, depende da própria maneira com que a norma regula a matéria sobre a qual versa. Isso significa que a aptidão de incidência direta da norma está sempre condicionada à maneira de regulação da respectiva matéria. Se a norma regula determinado assunto descrevendo todos os seus elementos, e é organizada por inteiro quanto aos preceitos e às conseqüências que visa, não há necessidade de legislação intermediária para regulamentá-la, porque a norma constitucional basta em si mesma. Pode-se afirmar assim que ela é dotada de autonomia operativa e idoneidade suficientes para provocar todos os efeitos a que se dispõe.
Na hipótese da norma constitucional tratar de maneira deficiente a matéria plasmada – de tal modo que isso dê ensejo a um defeito de conformação em qualquer um dos seus elementos lógicos-estruturais, quais sejam, o mandamento, a hipótese e a conseqüência – faz-se necessária a presença de uma lei regulamentadora. Essa lei regulamentadora terá como finalidade precípua suprir as insuficiências da norma constitucional, complementar seus mandamentos e tornar possível sua incidência sobre o fato concreto, no âmbito de sua plenitude eficacial.”16
No caso do § 9º do artigo 14 da Constituição Federal, as posições do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal têm sido uníssonas no sentido de que, para a eficácia plena do dispositivo constitucional, é necessária a edição de Lei Complementar prevista no próprio texto.
Realmente, o §9º do art. 14 demonstra a necessidade de serem estabelecidos “outros casos de inelegibilidade e os prazos para a sua cessação”.
Verifica-se, portanto, não só a necessidade de serem estabelecidos “os casos”, ou seja, as hipóteses (fattiespecie) de incidência da restrição, sem os quais a norma seria abstrata e genérica, como também, “os prazos para a sua cessação”.
Pedro Henrique Távora Niess esclarece, em sua obra “Direitos Políticos – Condições de Elegibilidade e Inelegibilidades” que em razão do comando constitucional, as hipóteses de inelegibilidade não podem ser eternas, diante da própria previsão constitucional da necessidade de se estabelecer prazos para sua cessação17.
Realmente, no sistema constitucional brasileiro não são permitidas as penas de caráter perpétuo (CF, art. 5º, XLVII, b). É certo que, a inelegibilidade não constitui, em si, uma sanção no aspecto penal. Mas a referência se faz não para atrair a incidência da garantia constitucional, mas para demonstrar os valores que formam a ordem fundamental retratada na Constituição.
Assim, ainda que se admitisse – o que se verá adiante não ser possível – que a defesa da probidade administrativa, a vida pregressa e a moralidade para o exercício do cargo fossem questões auto-aplicáveis, seria de se indagar: até quando?
A resposta somente pode ser dada pela atuação do legislador complementar, sob pena de se instaurar uma inelegibilidade de caráter perpétuo, a caracterizar um banimento político eterno, o que, nem nas épocas duras do regime militar foi perpetrado, pois a suspensão dos direitos políticos era decretada pelo prazo de 10 anos.
Por outro lado, a regra do §9º, do art. 14, traz expressamente a finalidade e os valores que devem ser observados pelo Legislador Complementar, ao prescrever que os casos de inelegibilidade devem ter
o fim de proteger a probidade administrativa,
a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato,
e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
São, portanto, basicamente três as finalidades previstas no texto constitucional. O Legislador Complementar deve (e deveria) se ater a essas finalidades, sob pena de violar o próprio texto constitucional.
Neste sentido, é de se lembrar a lição de Geraldo Ataliba que diante da regra similar prevista na EC 1 de 1969, destacou que:
“A importantíssima matéria de inelegibilidades, a rigor só passível de tratamento constitucional, embora disciplinada minuciosamente pelo texto da Lei Magna (art. 151), o é em nível de princípio. Foi expressamente relegada a disciplina da matéria à lei complementar.
A Carta Constitucional fixa com requintes de pormenor as condições e pressupostos que deverão ser observados pelo legislador. Certos casos já vêm fixados no próprio texto constitucional (parágrafo único do art. 151). À Lei Complementar caberá ampliar as hipóteses, guiado o legislador pelos princípios estabelecidos nas alíneas do art. <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="151”">151”.18
Pedro Henrique Távora Niess, diante da redação inicial do §9º, do artigo 14, antes da EC 4/94 detectou que no texto original da CF não havia a menção à probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato ou à vida pregressa do candidato. Afirmou, então: “a Lei Complementar n. 64/90, porque inspirada no texto da Lei Complementar n. 5/70, esta editada sob o amparo de dispositivo constitucional expressamente mais amplo, poderá ensejar a argüição de inconstitucionalidade de algumas hipóteses que prevê”.19
Detectando essa falha no texto constitucional, o Congresso Revisor, ampliou os conceitos previstos no §9º, do artigo 14 da CF. Com isto, inclusive, o Supremo Tribunal Federal negou a medida liminar na ação direita de inconstitucionalidade 1493, Rel. Sydney Sanches, ajuizada pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, que trazia o argumento de que a inelegibilidade derivada de condenação criminal não se enquadrava nos conceitos previstos na Constituição Federal.
Reconhecida a inclusão, dentre os princípios que devem reger a criação das hipóteses de inelegibilidade, a menção à moralidade para o exercício do cargo, considerada a vida pregressa do candidato, o Supremo Tribunal Federal afastou, em sede liminar20, a argüição de inelegibilidade do artigo 1º, inciso I, alínea “e” da LC 64/90.
Na legislação complementar anterior, ou seja, na LC 5, de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1970, a">1970, a discutida alínea “n” estabelecia como inelegível aquele que tivesse contra si denúncia recebida.
Na década de 70, o Tribunal Superior Eleitoral declarou, em diversos julgados, a inconstitucionalidade da referida alínea “n”, sob o fundamento de que ela violaria a presunção de inocência prevista na Constituição Brasileira de 1969.
O Supremo Tribunal Federal, entretanto, julgando o Recurso Extraordinário 86.29721, considerou como válido o dispositivo da lei complementar de então. E o fez por compreender que a inelegibilidade prevista na LC 5/70 se enquadrava na previsão constitucional de então, que outorgava ao Legislador Complementar o juízo de valor para estabelecer casos de inelegibilidade, visando a preservar “a moralidade para o exercício do mandato, levada em consideração a vida pregressa do candidato”, como previsto no inciso IV, do art. 151 da EC 1/69.
Nos debates travados, o Ministro Moreira Alves lembrava que se tratava de juízo de valor do legislador ordinário estabelecer, dentre as hipóteses possíveis, aquelas que atenderiam aos princípios contidos na Constituição. Por isso, é que, como lembrado pelos demais ministros que formaram a maioria, não haveria que se confundir o princípio da presunção da inocência com a questão da inelegibilidade decorrente da história pessoal do candidato, coisas que não se confundiriam em razão dos valores preponderantes de cada princípio constitucional.
Argumentou-se, também, que mesmo no processo penal, o reconhecimento de maus antecedentes não implicaria em violação ao princípio da inocência. Tal compreensão, inclusive, permanece até os dias de hoje22.
É certo, contudo, que a abrangente alínea “n” da Carta decaída permitia que critérios não-democráticos impusessem, mediante o simples recebimento de uma denúncia, a inelegibilidade.
Não se defende, aqui, a manutenção do parâmetro de então. A citação que se faz visa apenas demonstrar a amplitude que se reconheceu ao legislador para, dentre os fatos da vida, identificar quais situações acarretariam a impossibilidade do exercício do direito de ser votado.
Todavia, apesar da legislação de então estar amparado nos valores identificados pelos legisladores da época, o certo é que a prática e a história demonstraram justamente o sufoco da democracia e o afastamento do Estado Democrático de Direito.
Com a “abertura” das instituições passou-se, porém, de um extremo ao outro. A revogada alínea “n” que se contentava com o mero recebimento da denúncia, foi substituída pela alínea “e”, do artigo 1º, inciso I, da LC 64/90, que passou a exigir o trânsito em julgado da sentença condenatória, para que se caracterizasse a inelegibilidade pelo prazo de 3 anos após o cumprimento da pena.
Essa inelegibilidade, na verdade, só tem aplicação nos três anos que sucedem ao cumprimento da pena, pois enquanto durarem os efeitos da condenação criminal, os direitos políticos estarão suspensos (CF, art. 15, III). Neste período, faltará condição de elegibilidade aquele que desejar concorrer nas eleições (CF, art. 14, §3º, II). Readquirida a condição de elegibilidade com o cumprimento da pena, ainda sobreviverá, por três anos, a inelegibilidade.
OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A LEI COMPLEMENTAR 64/90
Diante da previsão constitucional, o legislador ordinário editou a Lei Complementar 64/90 trazendo diversas hipóteses de inelegibilidade, na sua maior parte de acordo com os critérios estabelecidos no §9º, do artigo 14 da Constituição Federal.
Tais critérios constituem, como lembrado por Geraldo Ataliba, princípios que devem, necessariamente, nortear a atividade do legislador.
Vários autores reconhecem a prevalência dos princípios sobre as regras. Paulo Bonavides, por exemplo, afirma que “o princípio é superior à regra; o princípio se aplica, a regra não”23. Carlos Ari Sundfeld entende que “o princípio jurídico é norma de hierarquia superior à das regras, pois determina o sentido e o alcance destas, que não podem contrariá-lo, sob pena de pôr em risco a globalidade do ordenamento jurídico. Deve haver coerência entre princípios e regras, no sentido que vai daquele para estas”24.
A questão, a nosso ver, não se resume à análise hierárquica dos princípios sobre as regras, o que parece lógico, uma vez que o princípio – em especial o constitucional – orienta a formação da regra ordinária e da complementar.
É que, os princípios, por sua própria natureza, são geralmente conceitos abstratos e genéricos, cuja aplicação nos casos concretos, muitas vezes, exige uma norma (regra) que lhes garantam eficácia real.
Canotilho demonstra, no seu Direito Constitucional e Teoria da Constituição25, a inviabilidade de um sistema baseado apenas em regras que levariam a um legalismo exacerbado, eliminando-se a possibilidade de se proceder ao balanceamento de valores e interesses. Da mesma sorte, um sistema baseado apenas em princípios traria conseqüências inaceitáveis, tais como: a indeterminação, a inexistência de regras específicas e o comprometimento da segurança jurídica. Em razão disso, o Professor de Coimbra demonstra a necessidade da coexistência dos princípios e das regras “para serem activamente operantes”.
Assim, de nada adianta o princípio genérico, sem que haja a regra específica que lhe complete. A regra, por sua vez, ao completar o sentido do princípio não pode se distanciar do conceito de justiça que ele traduz. Princípio e regra estão umbilicalmente interligados.
A questão se torna mais incisiva quando há, como no caso em exame, a previsão constitucional para que o legislador, mediante lei complementar, estabeleça casos de inelegibilidade “a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
Estabelecido o âmbito da regra pelos princípios informados na Constituição, não pode o legislador, ao editá-la, desviar-se do fim consagrado no texto maior.
A questão, então, não cuida de examinar um suposto conflito entre os princípios da presunção de inocência e o da moralidade para o exercício do cargo público, considerando-se a vida pregressa do candidato, ainda que, o primeiro possa ser invocado como determinante não apenas da Constituição Brasileira, mas da própria humanidade, de acordo com os direitos fundamentais do homem escritos na declaração das Nações Unidas.
O que se faz necessário é saber se as hipóteses de inelegibilidades, criadas pela Lei Complementar 64/90, se enquadram dentro dos princípios consagrados no texto constitucional. Ou seja, se diante do juízo de valor inerente à atividade legislativa – cuja amplidão supera em muito o juízo discricionário do administrador – o legislador se ateve aos critérios previstos pelo constituinte revisor.
Em tese, não comungamos com a escolha realizada pelo legislador ao exigir o trânsito em julgado de sentença condenatória para a caracterização da inelegibilidade. Todavia, não há como se deixar de reconhecer que essa escolha se dá dentro dos critérios previstos na Carta da República, pois considera – para efeito de estabelecer o critério de inelegibilidade – um fato determinado e típico da vida pregressa do candidato.
Não nos parece justo, porém, que no outro extremo, a vida pregressa do candidato possa ser considerada como motivo de inelegibilidade por fatos ou atos antes que o Poder Judiciário os examine e os reconheça, por sentença, que os mesmos caracterizam crimes ou improbidade. Neste aspecto, além do princípio da inocência, torna-se essencial a observância do devido processo legal e da ampla defesa, evitando-se os julgamentos sumários e os tribunais de exceção.
Nas democracias européias, não se deixa de reconhecer a necessidade da existência de uma sentença para que se subtraia o direito de ser candidato.
Na Alemanha, não é elegível quem “na seqüência de uma decisão judicial, não possuir o direito de ser elegível ou não possuir a capacidade para exercer cargos públicos” (Lei Eleitoral Federal, BWahlG, Art. 15, (2), 2).
Na Áustria, são excluídos do direito ao voto – e consequentemente do direito de serem eleitos, “quem tiver sido condenado, com força de caso julgado, por um tribunal nacional a uma pena privativa da liberdade igual ou superior a um ano, motivada pela prática de um ou mais delitos puníveis” (Regulamento eleitoral para o Conselho Nacional 1992 – NRWO, art. 22 (1) c.c art. 41).
Na Bélgica, não podem ser eleitos para as câmaras legislativas “os que estejam privados de direitos políticos por decisão judicial condenatória” (Código Eleitoral, Lei de 30.7.91, art. 227, 2º).
Na Dinamarca, a elegibilidade do indivíduo é plena “salvo se tiver sido condenado por um ato que, aos olhos da opinião pública, o torne indigno de ser um membro do parlamento” (Lei Eleitoral, art. 4. Lei Constitucional art. 30 e 33).
Na Espanha, exige-se o trânsito em julgado para a caracterização da inelegibilidade (Lei Orgânica 5/1985, do Regime Eleitoral Geral, art. 6º, 2.).
Na França, “são inelegíveis os indivíduos objeto de sentença condenatória, quando a sentença proferida impedir de forma definitiva a sua inscrição no recenseamento eleitoral” (Lei Orgânica, art. 130).
Na Grã-Bretanha e em Luxemburgo, não são admitidos ao voto os condenados.
Em todos os países, com a diferença de se exigir ou não o trânsito em julgado, a inelegibilidade pressupõe a condenação por sentença judicial.
Não se admite – e nem no Brasil se pode pretender admitir – a condenação criminal por outro meio que não o da prestação jurisdicional do Estado com a segurança de um devido processo legal, onde seja observado o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Não se vislumbra como se possa, apenas diante de procedimentos inquisitoriais ou de notícias veiculadas pelos órgãos de imprensa, ter-se como, tacitamente caracterizada, uma condenação criminal capaz de derivar uma inelegibilidade.
Nem que se alegue a existência de fatos públicos e notórios, seria possível presumir a condenação, até mesmo porque, comumente, se confunde fato público com fato publicado.
É Essencial, portanto e em uma perspectiva além do texto legal vigente, que se reconheça apenas como fato capaz de caracterizar ofensa ao princípio da moralidade e atrair a inelegibilidade, ao menos, a existência de uma sentença condenatória extraída em procedimento legítimo, com as garantias e deveres inerentes.
Todavia, como asseverado, o que há que ser verificado é se a opção pela necessidade da existência do trânsito em julgado condiz ou não com os princípios determinantes da Constituição Federal. E, neste aspecto, como visto, a questão se resume a uma opção de valores do legislador, que tanto é válida aqui, como em outras terras.
Não se pode, portanto, arrimar de inconstitucional a escolha do legislador. Mas, nem por isso, ela deve deixar de ser criticada dentro das regras democráticas e no foro próprio.
A Impossibilidade de o Judiciário agir como Legislador
A Constituição da República estabelece claramente a competência para a criação de regras de inelegibilidades que somente pode advir de Lei Complementar, a qual por sua vez somente pode ser editada de acordo com o processo legislativo previsto em seus artigos 59 e seguintes, observada a exigência da maioria absoluta para sua aprovação (CF, art. 69).
As Leis Complementares somente podem ser criadas pelo Poder Legislativo e – como derivadas dos princípios programáticos da Constituição Federal – somente aos membros do Congresso Nacional é que se permite o exercício do juízo de valor inerente à norma.
É certo que o Poder Judiciário pode, diante da constatação de que a lei não corresponde aos princípios constitucionais, declarar a inconstitucionalidade da norma. Mas é precisa a advertência do Min. Moreira Alves: “não se declara inconstitucionalidade por ofensa a sistema, mas por ofensa a dispositivo, senão teríamos inconstitucionalidade com base no espírito da Constituição e, obviamente, chegaríamos a subjetivismo absoluto”. (ADI nº 1.085, de 26.3.1998, relator Ministro Néri da Silveira).
A declaração de inconstitucionalidade, por outro lado, não autoriza o Poder Judiciário a editar outra norma em substituição, nem se permite, no ordenamento jurídico brasileiro, a repristinação.
O Supremo Tribunal Federal já afirmou, por exemplo, que a ação direta de inconstitucionalidade não pode ser utilizada com o objetivo de transformar o Supremo Tribunal Federal, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar. Não se revela lícito pretender, em sede de controle normativo abstrato, que o Supremo Tribunal Federal, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda à virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador. (ADI-MC 1603, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27.4.01).
Igualmente, verificando-se que no caso, o que, em última análise, os defensores da inelegibilidade dos envolvidos em escândalos alegam é um inconformismo dirigido erroneamente ao Judiciário, mas que em verdade, se refere à omissão do Poder Legislativo de trazer ao comando constitucional e aos princípios neles previstos a máxima efetividade.
Se a Lei editada para suprir a determinação constitucional não se mostra equilibrada de forma a garantir a plena eficácia dos princípios constitucionais, a conseqüência é que haveria omissão por parte do legislador ordinário.
Neste aspecto, ainda que se possa declarar a inconstitucionalidade da norma por omissão26, a conseqüência dessa declaração – consoante previsto no próprio texto constitucional (CF, art. 103, §2º) – seria a comunicação ao Poder Legislativo para que adotasse as medidas cabíveis27, ou seja, para a criação da Lei na forma prevista pela Constituição e para os fins nela contidos.
Da mesma forma, ainda que se considere a omissão parcial no texto da lei (e seria parcial, pois a LC 64 contempla uma série de casos de inelegibilidade, muitos dos quais em estrita observância dos princípios norteadores previstos na Constituição), mesmo assim, o reconhecimento da mora do Legislador e da sua deliberada inobservância dos princípios constitucionais não poderiam autorizar que o Poder Judiciário substituísse a competência do Poder Legislativo e criasse a regra omitida, para concretizar o princípio.
Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal, também, já reconheceu que o desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. (ADI-MC 1458, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 20-9-1996).
Desse precedente, também se recolhe à lição de que ao dever de legislar imposto ao Poder Público – e de legislar em estrita observância dos parâmetros constitucionais (no caso a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do cargo, observada a vida pregressa do candidato) – corresponde o direito público subjetivo da sociedade a uma legislação que lhe assegure, efetivamente, a observância desses princípios, sendo que a manutenção de uma regra que não dá efetividade à Constituição “configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois (...) A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. - As situações configuradoras de omissão inconstitucional - ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário - refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário” (ADI-MC 1458, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 20-9-1996).
Mas, mesmo diante deste quadro, o que cabe, além da censura do Poder Judiciário, é a mera comunicação ao Poder Legislativo competente para que adote as medidas cabíveis28.
CONCLUSÕES
Como lembra o professor Walter Costa Porto, <_st13a_personname w:st="on" productid="em seu Dicionário">em seu Dicionário do voto29, a palavra candidato deriva do latim candidatus, em razão da toga da cor branca que era utilizada pelos que postulavam votos para quaisquer das magistraturas – a toga candidæ.
Etimologicamente, as palavras candidato e cândido possuem a mesma raiz no latim. Cândido, como ensina Antônio Houaiss30, no sentido figurativo, traz a noção de pureza, de inocência e o seu antônimo significa “cínico, disfarçado, impuro, vicioso”.
Não restam dúvidas que o ideal seria que todos os candidatos que desejassem ocupar cargos públicos por meio das eleições, se apresentassem dentro das qualidades cândidas e não incidissem nos adjetivos que caracterizam o antônimo.
Os critérios, porém, estabelecidos na Constituição Brasileira para o preenchimento das condições de elegibilidade são taxativos. Atestados os requisitos positivos, o cidadão adquire o direito de disputar as eleições, somente sendo impedido se efetivamente configurada uma das hipóteses de inelegibilidade previstas no texto constitucional ou na legislação complementar de regência.
As hipóteses de inelegibilidade, por serem regras impeditivas que excluem a incidência da regra geral, necessitam ser examinadas de forma restrita e de acordo com o princípio da tipicidade.
E, é bom que assim seja sob pena de se permitir que a discricionariedade de valores para a edição de leis – atribuição exclusiva do legislador – seja exercida por pessoas às quais a Constituição não reconhece competência.
Em jogo os princípios da independência dos poderes e a própria expressão da soberania nacional, que se revela pelo sufrágio universal e pelas leis editadas pelos representantes eleitos.
A “ira cívica” é procedente. Os quadros revelados pelos reiterados episódios revelados nos últimos tempos dão conta disto. Não se deve, contudo, dirigir esse sentimento ao Poder Judiciário. A ele não compete elaborar as leis, exercer o juízo de valor previsto no texto constitucional e nem criar hipóteses de inelegibilidade fora do texto legal, mesmo que em observância ao princípio da moralidade para o exercício do mandato em razão da vida pregressa do candidato.
E, muito menos, cabe ao Poder Judiciário escolher os candidatos que, no sistema brasileiro, somente podem advir de uma escolha do Partido Político, que deve reunir-se em convenção para este fim. No Brasil, não existem candidaturas independentes ou autônomas.
A Constituição reconhece como condição de elegibilidade a filiação partidária. A legislação Eleitoral acata o monopólio dos partidos para requerer o registro de candidatos (Cód. Eleitoral, art. 87; Lei 9.504/97, art. 11).
Antes que se critique a lei ou as instituições jurídicas, cabe a análise do comportamento das agremiações políticas que exercem, na intimidade impenetrável do Partido Político, o juízo de valor para a escolha de seus candidatos dentre seus filiados.
Nem mesmo diante de eventual reconhecimento de que a atual Lei das Inelegibilidades não corresponde integralmente aos princípios orientadores contidos na Constituição, poderia o Poder Judiciário editar uma nova norma ou reconhecer vigência a norma anterior, que foi expressamente revogada.
Aos operadores do direito, por mais que não concordem com os termos da lei, cumpre respeitá-los sem embargo que, nos foros apropriados sejam expostas as críticas abertas a escolha do legislador e aos interesses albergados.
A hipótese contrária é desastrosa. A partir do momento em que se deixe de aplicar as regras vigentes, mesmo sob a alegação de violência a princípios genéricos, para que se apliquem outras – não previstas no ordenamento jurídico – restará instalada a completa insegurança jurídica e o juízo de conveniência passará a ser exercido com extremo subjetivismo.
A legislação eleitoral, no ponto objeto desse estudo e em vários outros, é extremamente falha. Arcaica em algumas situações, contraditória <_st13a_personname w:st="on" productid="em outras. Os">em outras. Os direitos que envolvem o processo eleitoral não são individuais, mas sim coletivos. Para a consecução do Estado Democrático de Direito – que não é um ponto de partida, mas sim um fim a ser perseguido diariamente – devem prevalecer leis claras, precisas e que respondam aos valores preponderantes da ordem jurídica, da moral e da ética.
Tal tarefa deve ser assimilada e respeitada pelo Poder Legislativo no exercício do seu poder-dever de legislar em prol da sociedade. Porém, até que se promovam as urgentes e necessárias reformas, não nos parece possível o afastamento do ordenamento jurídico vigente, e muito menos, a criação de novas regras que dependem – para sua própria validade e legitimidade – de um processo legislativo que constitui parte elementar da República.
Por fim, além de toda essa discussão, há que se lembrar que – em última análise – a disputa aos cargos eletivos não assegura, por si, o acesso aos mesmos.
Acima dos Poderes da Nação (Judiciário, Legislativo e Executivo), há um magistrado singular cujo poder é gigantesco: o eleitor. A ele compete – em uma cabine indevassável – exercer o poderoso ato de votar e escolher o candidato que lhe seja mais adequado.
E, para dirigir o voto do eleitor, não há qualquer juízo de valor, qualquer observância de princípios ou regras, senão a própria consciência do cidadão que pode – e deve – examinar a vida pregressa dos candidatos, suas qualidades e defeitos, para – sem que lhe seja sequer exigida uma explicação, uma fundamentação ou mesmo a revelação do voto – julgar livremente e de forma definitiva os candidatos apresentados, escolhendo o de sua preferência.
Todo poder emana do povo!
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11976, pág. 225/232
2ob cit. pág. 228.
3REGISTRO. IMPUGNAÇÃO. ARTIGO 14, PARÁGRAFO 9 C/C ART. 37, PARÁGRAFO 4, DA CONSTITUIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE APLICAÇÃO IMEDIATA. EXIGÊNCIA DE LEI INFRACONSTITUCIONAL. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
4Ementa idêntica ao do RESPE 12.081.
5REGISTRO. DEFERIMENTO. IMPUGNAÇÃO. VIDA PREGRESSA. FATOS DESABONADORES. INELEGIBILIDADE. (CF, ART. 14, PARÁGRAFO 9). NÃO PODE PROSPERAR A IMPUGNAÇÃO ARRIMADA <_st13a_personname w:st="on" productid="EM NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE">EM NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE NÃO SÃO AUTO-APLICÁVEIS, A DEPENDER DE LEI COMPLEMENTAR, AINDA NÃO EDITADA. - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (RJTSE 6-4-228)
6AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. INELEGIBILIDADE. CONDENAÇÃO POR CRIME DE DESOBEDIÊNCIA E RESISTÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO ART 1º, I, "E" DA LC 64/90. 1. Os crimes de resistência e desobediência não estão no elenco relativo à proteção da probidade administrativa e da moralidade para exercício de mandato.
Não incide o art. 1º, I, "e" da LC 64/90. 2. Incidência da Súmula 13 do TSE. Agravo improvido. (RESPE 17141, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 16.3.01).
Inelegibilidade. Vida pregressa. Conduta desabonadora. Constituição da República, art. 14, § 9°. Súmula n° 13 do TSE. 1. O art. 14, § 9°, da Constituição não é auto-aplicável. 2. Necessidade de lei complementar estabelecendo os casos em que a vida pregressa do candidato poderá levar à sua inelegibilidade, bem como os prazos de sua cessação. 3. Recurso provido para restabelecer o registro da candidatura. (RESPE-17666, Rel. Min. Fernando Neves da Silva, PESS 29.9.00)
Inelegibilidade. Condenação criminal não transitada <_st13a_personname w:st="on" productid="em julgado. Constituição">em julgado. Constituição da República, art. 14, § 9°. Súmula n° 13 do TSE. <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1. A">1. A existência de sentença criminal condenatória, sem trânsito em julgado, não é suficiente para ocasionar inelegibilidade. 2. O art. 14, § 9°, da Constituição não é auto-aplicável. 3. Necessidade de lei complementar estabelecendo os casos em que a vida pregressa do candidato poderá levar à sua inelegibilidade, bem como os prazos de sua cessação. 4. Recurso provido para julgar improcedente a impugnação e deferir o registro da candidatura. (RESPE 18047, Rel. Min. Fernando Neves da Silva, PESS 29.9.00)
7No mesmo sentido, em 2002: RECURSO ESPECIAL RECEBIDO COMO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO CRIMINAL SEM TRÂNSITO <_st13a_personname w:st="on" productid="EM JULGADO NÃO">EM JULGADO NÃO É APTA A ENSEJAR INELEGIBILIDADE (PRECEDENTE DO TSE: ACÓRDÃO 536, REL. MIN. FERNANDO NEVES, PUBLICADO <_st13a_personname w:st="on" productid="EM SESSÃO DE">EM SESSÃO DE 8.8.2002). (RESPE-20247; Rel. Min. Sepúlveda Pertence, PESS 20.9.02)
Registro de candidato - Ações criminais - Ausência de condenação com trânsito em julgado - Inelegibilidade - Vida pregressa - Necessidade de norma que regulamente o art. 14, § 9º, da Constituição Federal - Aplicação da Súmula nº 13 do TSE - Recurso improvido. 1. O art. 14, § 9º, da Constituição limita-se a ensejar que, por meio de lei complementar, sejam estabelecidos outros casos de inelegibilidade, além dos que ela própria previu. A impossibilidade de candidatar-se poderá decorrer da incidência da lei assim elaborada; não diretamente do texto constitucional. (RESPE 20115, Rel. Min. Fernando Neves da Silva, PSESS 11.9.02)
Ementa Inelegibilidade. Vida pregressa. Conduta desabonadora. Constituição da República, art. 14, § 9°. Súmula 13 do TSE. 1. O art. 14, § 9°, da Constituição não é auto-aplicável. 2. Necessidade de lei complementar estabelecendo os casos em que a vida pregressa do candidato poderá levar à sua inelegibilidade, bem como os prazos de sua cessação. 3. Recurso ordinário provido para deferir o registro da candidatura (RO-536, Rel. Min. Fernando Neves da Silva, PESS 8/8/02)
I. INELEGIBILIDADE: eficácia limitada do art. 14, § 9º, da Constituição, da qual decorre a impossibilidade de extrair inelegibilidades a partir de indicativos da improbidade do candidato, não tipificados em lei complementar. (...). ( RO-641, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, PESS 20.9.02)
Registro de candidato - Ações criminais - Ausência de condenação com trânsito em julgado - Inelegibilidade - Vida pregressa - Necessidade de norma que regulamente o art. 14, § 9º, da Constituição Federal - Aplicação da Súmula nº 13 do TSE - Recurso improvido. 1. O art. 14, § 9º, da Constituição limita-se a ensejar que, por meio de lei complementar, sejam estabelecidos outros casos de inelegibilidade, além dos que ela própria previu. A impossibilidade de candidatar-se poderá decorrer da incidência da lei assim elaborada; não diretamente do texto constitucional. (RESPE-20115, Rel. Min. Fernando Neves da Silva, PESS 11.9.02)
8No mesmo sentido, os despachos Monocráticos no RO 891, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 11.8.05 (...O TRE de Rondônia concluiu que embora não transitada em julgado a decisão condenatória, a circunstância de haver condenação por crime contra a administração pública, inabilita o candidato ao exercício do mandato. Aplicou, então, a sanção de inelegibilidade por entender ser prevalente, no caso, o princípio da moralidade quando em oposição ao princípio da presunção de inocência, e conferiu ao art. 14, § 9º, da Constituição Federal status de norma auto-aplicável, conclusão essa em confronto com o enunciado da Súmula 13/TSE...); RESPE 24.237, Rel. Min. Peçanha Martins, PESS 01.10.04 a(...Na linha da jurisprudência desta Corte, o art. 14, § 9º, da Constituição Federal não é auto-aplicável. Nesse sentido alinho a ementa do REspe nº 17.666/AC, rel. Min. Fernando Neves, publicado na sessão de 29.9.2000...); RESPE 23.063, Rel. Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos, PSESS 27.9.04; (....o legislador derivado, à luz do texto constitucional, não estava compelido a dispor sobre inelegibilidades, mas, tão-somente, sobre elas dispor, segundo seu juízo de conveniência e oportunidade. O § 9º do artigo 14 da Constituição Federal não contempla norma mandatória ao legislador derivado, apenas faculta-lhe a edição de norma que cuide do tema inelegibilidade. Todavia, ao dispor sobre a matéria, o constituinte restringiu o campo de atuação normativa do legislador, ao determinar que, no tocante ao tema, estivesse limitado a proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato. Em outras palavras, ao permitir que o legislador disciplinasse por lei complementar o instituto da inelegibilidade, não lhe facultou criar, ao seu alvedrio, outras hipóteses, que não estivessem limitada ao campo da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato.(...) Não há, com a mais respeitosa vênia, nenhuma outra limitação. Muito menos, a de que o legislador dispusesse, como entendeu, de contemplar a ressalva que se contém na alínea g, parte final. O legislador, nesse campo, era soberano para cuidar do tema, não se permitindo, em homenagem ao princípio da separação de poderes, que o Poder Judiciário venha apreciar os motivos que orientaram o legislador a dispor como dispôs ...).
9Conforme apurado em rápida pesquisa.
10RESPE-26350 , Rel. Min. José Gerardo Grossi, DJ 29.8.06 (...Pretende-se, no Recurso, a auto-aplicabilidade do art. 14, § 9o, da Constituição Federal com o reconhecimento de uma nova inelegibilidade, considerada a vida pregressa do candidato, em observância ao princípio da moralidade pública. A matéria encontra-se sumulada por esta Corte. Dispõe o Enunciado no 13 da Súmula do TSE que Não é auto-aplicável o § 9o, art. 14, da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional de Revisão no 4/94. É assente na jurisprudência deste Tribunal que o dispositivo constitucional depende de lei complementar que tipifique os casos de inelegibilidade decorrentes das diretivas ali estabelecidas. No REspe no 20.247/RO, Sessão de 19.9.2002, o e. Min. Sepúlveda Pertence acolheu manifestação da Procuradoria-Geral Eleitoral e assentou: Transcrevo trecho nuclear do parecer da Procuradoria sobre a matéria (fls. 215-216): "(...) <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="9. A">9. A decisão recorrida prestigia a presunção de inocência. Toda a argumentação delineada no recurso, apesar de indicar posicionamento honorável, esbarra no princípio da legalidade. A Constituição Federal traz, efetivamente, uma série de regras destinadas a prestigiar a moralidade pública. Todavia, no que toca especificamente ao exercício de mandato eletivo, prevê o tratamento exauriente da matéria <_st13a_personname w:st="on" productid="em Lei Complementar">em Lei Complementar, que ainda não foi elaborada. <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="10. A">10. A eficácia limitada da norma prevista no art. 14, § 9º, da Lei Fundamental, não foi desenvolvida, até o momento, por norma posterior. Não há, sob essa expressão, como se apontar a falta de moralidade de particular que se sujeita ao processo eletivo, impedindo-o de participar do certame. Tal procedimento importaria em inconstitucional conduta, significando inclusive a invasão de seara própria do Poder Legislativo - a quem cabe tratar do tema - Pelo Poder Judiciário. 11. dessa maneira, e adotando a orientação jurisprudencial desta Corte Superior, o recurso não merece ser provido. 12. Ante o exposto, pelas razões aduzidas, o Ministério Público Federal opina no sentido de que seja negado provimento ao recurso" . Compreendo as inspirações éticas da postura do Ministério Público Eleitoral e, a princípio, do TRE/RO, retratadas no presente recurso.Não é, contudo, incumbência da Justiça Eleitoral emitir juízos sobre a probidade dos candidatos a mandatos eletivos, mas unicamente aplicar a Lei de Inelegibilidades que se edite com base nas diretivas do art. 14, § 9º, da Constituição. Se a omissão da lei propicia a elegibilidade de "candidatos não muito responsáveis" , sua eventual investidura nos mandatos eletivos não é imputável à Justiça Eleitoral, mas sim ao partido que os indicar ao sufrágio popular. (...) Tenho que não se pode questionar sobre a moralidade do cidadão somente por estar sendo processado. Se assim fosse, bastaria que se acionasse o poder judiciário com diversas ações para se provocar a inelegibilidade do candidato, por inidoneidade moral. Se for o caso de a Justiça Eleitoral aferir a vida pregressa do candidato, reconhecendo sua inidoneidade para o exercício de cargo eletivo, como entende e pleiteia o recorrente, há de se exigir ao menos a demonstração inequívoca dessa, o que não se fez nos presentes autos. A tanto, não se presta a simples demonstração de existência de ações em andamento.”; No mesmo sentido, com identidade de fundamentos, o RESPE-26398; Rel. Min. José Gerardo Grossi, PSESS 31.8.06; o RESPE 26307, de 29.8.2006, rel. Min. Marcelo Ribeiro, e o RESPE 26.319, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, PESS 22.8.06.
11Elegibilidade e Inelegibilidades, Ed. Dialética, 2ª ed., pág. 10
12Introdução à teoria das inelegibilidades, Ed. Malheiros, pág. 141.
13O Direito e a Vida dos Direitos.
14Ed. Saraiva, 4ª ed, pág.130
15Ruy Barbosa, Ação Cível originária n. 7, Rio de Janeiro, 1915, p. 31-54, apud Celso Ribeiro Bastos, Lei Complementar – Teoria e Comentários, Celso Bastos Editora, 2ª ed,, pág. 16.
16Lei Complementar – Teoria e Comentários, Celso Bastos Editora, 2ª ed,, pág. 16.
17Editora Saraiva, 1994, pág. 6.
18Lei Complementar na Constituição, Ed. RT, 1971, págs. 91-92
19Ob. Cit. Pág. 6
20EMENTA: - DIREITO CONSITUCIONAL E ELEITORAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. SÚMULAS DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. ATO NORMATIVO. LEI DE INELEGIBILIDADES (L.C.64, de 18 DE MAIO DE 1990, ART. 1º, I, “E”, e §2º). MEDIDA CAUTELAR. 1. Não pode ser conhecida a Ação Direta de Inconstitucionalidade, no ponto em que impugna súmulas do T.S.E., por falta de possibilidade jurídica, já que não se trata de atos normativos (art. 102, I, “a”, da C.F.). Precedentes do S.T.F. 2. É cabível a ADI na parte em que impugna a alínea “e” do inciso I do art. 1º da LC 64/90 e seu parágrafo 2º. 3. Sua plausibilidade jurídica, porém, não é de ser reconhecida (“fumus boni júris”), para efeito de concessão de medida cautelar, para sua suspensão. É que, se tais dispositivos não encontravam apoio claro na redação originária do § 9º do art. 14 da C.F., passaram a tê-lo em sua redação atual, dada pela E.C. nº 4/94, que possibilita o estabelecimento de outros casos de inelegibilidade, por Lei Complementar, “a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato”. 4. Não procede, também, a um primeiro exame, a alegação de ofensa ao art. 15 e seu inciso III da C.F., segundo os quais “é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”. É que os textos impugnados não tratam de cassação de direitos políticos, de sua perda ou suspensão, mas, sim, de inelegibilidades. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, em parte, mas, na parte em que conhecida, resta indeferida a medida cautelar de suspensão da alínea “e” do inc. I do art. 1º e de seu parágrafo 2º, todos da LC nº 64/90. 6. Decisão unânime. (DJ 6/12/96)
21RTJ 79, págs, 671/715
22HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INQUÉRITOS. ANTECEDENTES CRIMINAIS. EXASPERAÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA PRESUMIDA. 1. Folha criminal: existência de inquéritos e procedimentos por desacato e receptação. Maus antecedentes. Exasperação da pena. 2. Compreende-se no poder discricionário do juiz a avaliação, para efeito de exacerbação da pena, a existência de inquéritos sobre o mesmo fato imputado e outros procedimentos relativos a desacato e receptação, que caracterizem maus antecedentes. 3. Dentre as circunstâncias previstas na lei penal (CP, artigo 59) para a fixação da pena incluem-se aqueles pertinentes aos antecedentes criminais do agente, não se constituindo o seu aumento violação ao princípio da inocência presumida (CF, artigo 5º, LVII). Habeas-corpus indeferido. (HC 81759, Rel, Min, Maurício Corrêa, DJ 29.8.03)
23Teoria Constitucional da Democracia Participativa, Ed. Malheiros, pág. 116.
24Fundamentos de Direito Público, Ed. Malheiros. 4ª ed., pág. 146.
25Ed. Almedina, 7ª ed., pág. 1162
26AGRAVO REGIMENTAL <_st13a_personname w:st="on" productid="EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR">EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO (SP). ISONOMIA ENTRE CARGOS. AUSÊNCIA DE LEI QUE A ASSEGURE EXPRESSAMENTE. IMPOSSILIDADE. § 1O DO ART. 39 DA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA (REDAÇÃO ANTERIOR Á EC 19/98). PRECEITO DIRIGIDO AO LEGISLADOR. SÚMULA 339 DO STF. O Supremo Tribunal Federal firmou a orientação de que, inexistindo lei que assegure expressamente a isonomia de vencimentos entre determinados cargos, não cabe ao Judiciário concedê-la, pois o ato desborda de sua competência funcional. Súmula 339 do STF. "O § 1º do artigo 39 da Carta Magna é preceito dirigido ao legislador, a quem compete concretizar o princípio da isonomia, considerando especificamente os casos de atribuições iguais ou assemelhadas, não cabendo ao Poder Judiciário substituir-se ao legislador. Contra lei que viola o princípio da isonomia é cabível, no âmbito do controle concentrado, ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que, se procedente, dará margem a que dessa declaração seja dada ciência ao Poder Legislativo para que aplique, por lei, o referido princípio constitucional." (RE 173.252, Relator Ministro Moreira Alves). Precedentes específicos: RE 192.384-AgR, AI 273.561-AgR, RE 241.578-AgR, RE 207.258-AgR, RE 342.802-AgR, RE 205.855, e RE 173.252. Agravo Regimental desprovido. (RE-AgR 264367, Rel. Min.Carlos Ayres Britto, DJ 23.6.06)
27§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
28INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - DESCABIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 133/569, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; ADIn 267-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final emanada do STF. - A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. - Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente. (Parte final da ementa acima transcrita parcialmente).
29Editora UnB, pág. 90.
30Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Ed. Objetiva, 1ª ed, pág. 595.
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*Advogado do escritório Lacombe e Neves da Silva Advogados Associados. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral
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