Migalhas de Peso

Crise econômica e humanização

Já passou a hora de discutirmos como apoiar essa massa que – no mundo real – enfrenta situações desumanas enquanto esse país não entra novamente no prumo. Não dá mais para esperar.

28/5/2019

O IBGE noticiou no mês de abril que o desemprego voltou a subir e alcançou 13,4 milhões de pessoas. O emprego formal permaneceu estável e o emprego sem carteira diminuiu. O que já era ruim ficou pior, já que o emprego informal paga menos e mesmo assim segue diminuindo.

O Brasil também teve um aumento de 1,5 milhão de pessoas subutilizadas nos primeiros 3 meses de 2019. São 28,3 milhões de desocupados, subocupados (com menos de 40 horas semanais de trabalho) e disponíveis para trabalhar, mas que não conseguem procurar emprego por motivos diversos. São 4,8 milhões de desalentados no primeiro trimestre de 2019, o maior contingente desde 2012. Simplesmente desistiram de procurar.

O último crescimento trimestral do emprego com carteira assinada ocorreu na primeira metade de 2014. Péssima notícia em mais um capítulo de uma crise econômica que se arrasta desde 2015, afetando principalmente os mais pobres e os mais jovens.

O Dia do Trabalho, nesse 2019, portanto, não foi de comemoração, mas de preocupação e de reflexão ética sobre medidas que podem ser adotadas para resgatar o enorme contingente sem emprego ou trabalho e que enfrenta dificuldades para dar sequência às suas vidas.

Os brasileiros enfrentam o pior dos mundos: desemprego estrutural decorrente de mudanças tecnológicas e enorme desemprego conjuntural em função da persistente crise econômica que castiga a população. Excesso de burocracia, ambiente de negócios complicado e elevada carga tributária também prejudicam as possibilidades de outras alternativas de ocupação autônoma ou ligada ao empreendedorismo.

Ainda que consideremos as novas medidas de melhoria do ambiente de negócios que têm sido apresentadas ao Congresso, e os efeitos de reformas, como a da Previdência, os resultados efetivos na ampliação das oportunidades de trabalho e aquecimento da economia demandam tempo razoável para serem produzidos.

Essa triste situação, que deveria ser excepcional, mas cujo ciclo pode chegar a 10 anos, começa a ser tratada por diversas leis estaduais que criam regras específicas para minimizar os constrangimentos e problemas causados pela ausência de trabalho e renda desse enorme contingente de brasileiros, pois não se vislumbra nem mesmo claramente o fim desse ciclo cruel, pautado por medidas ainda em discussão atualmente no Congresso Nacional.

O STF, por exemplo, recentemente confirmou a constitucionalidade de lei carioca que obriga as operadoras de telefonia a cancelarem a multa de fidelidade quando o usuário comprovar que perdeu o emprego após assinar o contrato.

Na mesma direção, diversas leis estaduais proíbem o corte de água e luz em residências pela falta de pagamento de contas às sextas-feiras, sábados, domingos, feriados e dia anterior e posterior a feriado, situação que, infelizmente, é muitíssimo comum, com o efeito de piorar a já difícil situação de muita gente.

Não é à toa que o endividamento é cada vez maior. Em março, 62,7 milhões de pessoas estavam inscritas em cadastros de inadimplentes.

São 40% da população adulta que deve principalmente contas de água e luz, cartão de crédito, crediário, contas de telefone e aluguel, com dívidas no valor médio de R$ 2,6 mil. Em 62% dos casos a explicação é a perda do emprego e a redução de renda.

E apesar do financiamento da casa própria não ser muito representativo nessa inadimplência (3,8%), até o final de 2018 os cinco maiores bancos retomaram R$ 18,7 bilhões em bens que garantiam empréstimos, sendo 90% relativos a imóveis ligados principalmente ao Programa Minha Casa Minha Vida, voltado para os mais pobres. Só Caixa Econômica e Banco do Brasil tinham mais de 71 mil imóveis retomados, com um aumento de 78% nos últimos 3 anos.

São, portanto, milhões de brasileiros sem acesso a crédito e com grandes dificuldades para manter serviços básicos. Outras milhares de famílias, por outro lado, perderam ou estão na iminência de perder a casa própria, em um sonho que virou um terrível pesadelo.

Há alguns anos se fala em humanização e ética relacionadas aos serviços de saúde. Chegou a hora de começar a enfrentar esse mesmo debate no que se refere aos milhões de brasileiros em dificuldades financeiras decorrentes dessa série de fatores conjugados, mas que podem ser apresentadas como motivadas em grande medida pela inércia e ineficiência de nossos governos anteriores, todos, de assegurar condições de desenvolvimento econômico sustentável para a Nação.

A humanização parte do reconhecimento da dignidade do homem como medida de todas as coisas. Diz respeito aos valores da solidariedade, da empatia e da compaixão. Basicamente, reconhece o agir ético, expressando coletivamente o que se considera bom e justo.

No Japão, em 2001, depois de 10 anos de crise econômica, ocorreu um aumento de quase 66% no número de suicídios, tendo como principal motivo a inadimplência. Aqui no Brasil o agravamento desse fato, ainda que sem relacionamento oficial com o endividamento, justificou a edição de uma nova lei também agora em abril, que institui política nacional de prevenção ao suicídio (lei 13.819).

A gravidade é tamanha que até na recente campanha eleitoral para a presidência da república tivemos proposta de ajudar os cidadãos a limparem seu nome nos serviços de proteção ao crédito, a maioria de pequeno valor, considerando que o país ajuda grandes empresas todos os anos com bilhões de reais de renúncia fiscal e que isso dinamizaria o consumo.

É estranho que nos Estados Unidos, a meca do capitalismo e onde não existe crise econômica há muitos anos, exista a possibilidade de aplicação da chamada lei da segunda chance com a simples isenção das dívidas, enquanto aqui a inadimplência muitas vezes conjuntural e de boa-fé é tratada quase como crime de lesa-pátria.

Já passou a hora de discutirmos como apoiar essa massa que – no mundo real – enfrenta situações desumanas enquanto esse país não entra novamente no prumo. Não dá mais para esperar.

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*José Constantino Bastos Jr.é advogado, ex-secretário nacional de racionalização e simplificação.

 

 

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