Transgênicos e unidades de conservação
Paulo de Bessa Antunes*
Sustentam os adeptos da tese que o artigo 11 da Lei nº 10.814 (clique aqui), de 2003, proíbe o plantio de transgênicos em área de até dez quilômetros ao redor de unidades de conservação. Penso não existir fundamento jurídico para a interpretação. A Lei nº 10.814 é daquelas poucas destinadas à vigência temporária. Isto é, suas normas se exaurem em si próprias. Diz a ementa: "Estabelece normas para o plantio da safra de 2004". O legislador obrou especificamente para a safra de soja geneticamente modificada do ano de 2004. Caso pretendesse legislar permanentemente, não teria mencionado a safra do ano de 2004. Aliás, é um princípio elementar de hermenêutica que a lei não tem palavras desnecessárias e que a lei se interpreta objetivamente. Se a vontade do legislador foi outra, o fato é que ela não foi objetivada. Veja-se que a lei restringiu o direito de comercialização da safra de 2004 até janeiro de 2005, demonstrando indiscutivelmente a limitação temporal da vigência da norma, segundo seu artigo 2º. Tal convicção é reforçada pelo artigo 13, que isentou de responsabilidade os plantadores de soja geneticamente modificada de safras anteriores.
O artigo 11 da Lei nº 10.814, que alguns pretendem ressuscitar, tinha o seguinte texto: "Fica vedado o plantio de sementes de soja geneticamente modificada nas áreas de unidades de conservação e respectivas zonas de amortecimento, nas terras indígenas, nas áreas de proteção de mananciais de água efetiva ou potencialmente utilizáveis para o abastecimento público e nas áreas declaradas como prioritárias para a conservação da biodiversidade". Um artigo de lei não se interpreta isoladamente.
A biossegurança foi inteiramente tratada pela Lei nº 11.105 (clique aqui), de 24 de março de 2005, que em seu artigo 42 revogou os artigos 5º a 10º e o artigo 16 da Lei nº 10.814. Logo, de 17 artigos, sete foram revogados expressamente e outros tacitamente. Por exemplo, o artigo 12, sobre tecnologias de restrição de uso, revogado pelo artigo 6º, VII da nova legislação. Dos artigos 1º ao 4º, todos dizem respeito às questões específicas da safra e definem prazos e condições para comercialização. Logo, chegamos a 12 artigos revogados. O artigo 17 indica apenas a data de entrada em vigor da norma. Chega-se, portanto, a 13 artigos em um total de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="17. A">17. A admitir-se a continuidade de vigência da lei em questão, esta estaria totalmente mutilada e sem qualquer sentido lógico.
Não há qualquer base legal que proíba transgênicos no entorno de unidades de conservação, pelo menos até agora.
Admitindo-se que o artigo 11 tivesse permanecido "desgarrado e solitário", veríamos que, diante do artigo 2º, parágrafo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, ele não teria como se sustentar. De fato, a Lei nº 11.105, de 2005, regulou inteiramente a matéria de biossegurança e fulminou qualquer norma esparsa que pudesse remanescer sobre o tema.
O extinto artigo 11 da Lei nº 10.814 é fruto de um período de incerteza regulamentar em biossegurança, decorrente de uma medida liminar concedida em uma ação civil pública movida pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Greenpeace proibindo o plantio de sementes de soja transgênica em escala comercial até a apresentação de um estudo de impacto ambiental. A proibição caiu, pois a ação foi considerada improcedente. Além disso, tramitava no Congresso Nacional um projeto de lei para modificar a então vigente Lei nº 8.974 (clique aqui), de 1995. Devido a tais circunstâncias, o legislador estabeleceu uma presunção legal temporária de dano, com vistas a resguardar as unidades de conservação enquanto perdurasse a incerteza. Ela não persiste mais graças à nova Lei de Biossegurança. Nos termos da Lei nº <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="11.105, a">11.105, a exemplo da Lei 8.974, compete à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) dispor sobre liberação de organismos geneticamente modificados no meio ambiente. A nova lei encerrou a referida incerteza em relação ao impacto da soja transgênica ao aprovar o seu plantio sem qualquer restrição, segundo o artigo 35: "Ficam autorizadas a produção e a comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente modificadas tolerantes a glifosato registradas no Registro Nacional de Cultivares (RNC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento".
Por outro lado, a Lei nº 10.814 não alterou a Lei nº 9.985 (clique aqui), de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), pois ainda que posterior a ela, não dispôs inteiramente sobre unidades de conservação ou zonas de amortecimento (artigo 2º, parágrafo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil). Ora, o artigo 25 da Lei nº 9.985 não trata de nenhuma proibição de transgênicos em áreas de amortecimento. É evidente que proibições não se presumem. Logo, não há qualquer base legal que proíba transgênicos no entorno de unidades de conservação, pelo menos até agora.
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*Advogado do escritório Dannemann Siemsen Advogados