Se tem um assunto que está movimentando a área de SST é a prometida modernização das normas regulamentadoras. Em meio a falsas notícias, como por exemplo, da total revogação das Normas Regulamentadoras, há uma incerteza sobre os destinos da SST no país. No entanto, apesar de não podemos afirmar, temos convicção de que não é possível um desmonte da área de SST, uma vez que o próprio eSocial está conectado intimamente com a legislação de SST.
O desmonte da legislação de SST seria um retrocesso inconcebível no país, que tiraria do Brasil o título de protagonista em legislação de SST na América Latina e, o colocaria no ostracismo da SST. Só acreditamos na total revogação das Normas Regulamentadoras no caso de uma ampla reforma da legislação de SST, inclusive com aproveitamento de normas internacionais.
No entanto, não podemos negar que algumas das normas regulamentadoras estão desatualizadas e em descompasso com os novos tempos. É o caso por exemplo da NR 2 que trata do CAI – Certificado de Aprovação das Instalações. Há muito tempo o extinto Ministério do Trabalho não realizava a inspeção prévia, tampouco emitia o CAI, conforme previsto no item 2.2 da norma. Ao contrário, as empresas deveriam copiar o modelo anexo à NR, preencher e apenas protocolar nas antigas SRT – Secretaria de Relações do Trabalho.
Assim, por desuso, a NR 2 poderia ser integralmente revogada, sem qualquer prejuízo à área de SST.
Outra norma bastante discutida quanto ao seu objetivo é a NR 5 que trata da CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes. A CIPA nunca teve atuação na prevenção de acidentes e doenças, só servindo como garantia de emprego a alguns trabalhadores que mal utilizavam este expediente.
A prevenção de acidentes e doenças não pode ser realizada com pessoas leigas, ou que passaram por um treinamento de apenas 20 horas. Prevenção é coisa séria e deve ser exercitada por profissionais com formação exclusiva neste segmento. A situação ainda fica pior quando é dispensada a constituição da CIPA e substituída por um designado.
A obrigatoriedade do SESMT deveria ser ampliada e, poderia substituir com muitas vantagens a CIPA, quando então se faria prevenção de forma técnica e, sem a forte ideologia partidária que na maioria das vezes ronda os membros da CIPA.
Outra exigência discutível está contida na NR 7, no item 7.5, relativo a obrigatoriedade de manter material de primeiros socorros. Ora, qual empresa não possui uma maletinha de primeiros socorros? Se em cada residência já temos este hábito, que se dirá numa empresa...
Assim, tal exigência não passa de redundância da legislação, vez que as empresas já cumprem tal preceito por necessidade óbvia.
A NR 8 que trata das edificações, em seu item 8.2 prescreve que “Os locais de trabalho devem ter a altura do piso ao teto, pé direito, de acordo com as posturas municipais...” Ora, se a norma em seus primeiros parágrafos já remete a outra norma, então para que legislar sobre aquilo que já possui legislação?
O restante da NR 8 trata de aspectos gerais muito óbvios, que nem necessitaria de legislação atualmente. Assim, a NR 8 poderia ser integralmente revogada sem qualquer perda à SST.
A NR 9 que trata do PPRA – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – também possui alguns itens controvertidos e, passíveis de revisão numa eventual modernização. O primeiro problema é a articulação prevista entre PPRA e PCMSO prevista no item 9.1.3. Este item merece ser melhor escrito, já que a fiscalização tem utilizado tal dispositivo para obrigar as empresas a colocarem no PPRA os riscos ergonômicos e mecânicos.
Teoricamente, os riscos ocupacionais são divididos em: (i) riscos ambientais e (ii) riscos de operação. Por sua vez os riscos ambientais consistem em: (1) riscos físicos, (2) riscos químicos e (3) riscos biológicos e, por seu turno, os riscos de operação compreendem os: (4) ergonômicos e (5) mecânicos ou de acidentes.
Considerando que o acrônimo de PPRA é Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, fica implícito que cabe àquele documento reconhecer, avaliar e controlar os riscos ambientais, condição que é reconhecida já no primeiro parágrafo da norma, item 9.1.1 da NR 9.
O PPRA possui ferramentas específicas, a exemplo da Higiene do Trabalho, para avaliar o risco ambiental, não estando, de forma alguma, aquele programa aparelhado para avaliar o risco ergonômico.
O risco ergonômico deve ser avaliado pela AET – Análise Ergonômica do Trabalho, cuja elaboração requer preceitos próprios e totalmente diferenciados da avaliação dos riscos ambientais, nos termos do item 17.1.2 da NR 17, in verbis: para avaliar a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, cabe ao empregador realizar a análise ergonômica do trabalho, devendo a mesma abordar, no mínimo, as condições de trabalho, conforme estabelecido nesta Norma Regulamentadora.
Além do que há dispositivo legal que impede que os riscos ergonômicos e mecânicos sejam incluídos no PPRA, o precedente administrativo 95, abaixo reproduzido:
PRECEDENTE ADMINISTRATIVO N. 95
PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE RISCOS AMBIENTAIS - PPRA. RISCOS MECÂNICOS E ERGONÔMICOS.
Os riscos mecânicos e ergonômicos não são de previsão obrigatória no PPRA.
Referência normativa: subitem 9.1.5 da NR 9.
(Aprovado pelo Ato Declaratório da Secretaria de Inspeção do Trabalho – SIT n. 10, de 03.08.09, publicado no D.O.U de 04.08.09)
Assim, o preciosismo da fiscalização, que normalmente advém de profissionais sem formação na área de SST, não se justifica tanto sob o plano legal, quanto do plano técnico, a inclusão dos agentes ergonômicos e mecânicos no PPRA, extrapolando o poder discricionário, beirando à arbitrariedade.
A próxima norma é a NR 11. Em seu item 11.2.2 estabelece a distância máxima de 60m para o transporte manual de um saco. Tal prescrição é genérica e pode ser contrariada pela análise ergonômica. Imaginemos um saco de 1kg. Impor o limite de 60m é um verdadeiro absurdo!
Outro ponto na NR 11 está no item 11.2.7 que prescreve que no processo mecanizado de empilhamento, aconselha-se o uso de esteiras-rolantes, dadas ou empilhadeiras. Há um adágio no direito que diz: lei sem apenamento é mero aconselhamento... Uma norma não pode aconselhar! Ou ela determina, ou não determina. Se uma empresa não aceitar o conselho poderá ser apenada com multa?
Desde que a nova NR 12 foi aprovada, esta tem sido alvo de várias críticas tanto dos profissionais da área de SST, como dos empresários. A norma contempla um volume enorme de exigências, o que inviabiliza o cumprimento total da legislação. O parque industrial brasileiro se encontra em grande parte depreciado e obsoleto e, os gastos para a adequação dos equipamentos ultrapassa em várias vezes o próprio valor venal do maquinário.
Muitas empresas não terão condições de arcar com os custos decorrentes da adequação à norma em razão dos valores envolvidos. Está previsto que muitas empresas fecharão as portas por não terem condições de investir nas reformas dos equipamentos.
A nova NR 12 foi elaborada com inspiração de normas estrangeiras. No entanto, é fato que as exigências previstas na nova NR 12 são mais rigorosas que em países de 1° mundo, uma vez que os equipamentos adquiridos de tais países necessitam de adequação à norma brasileira.
Também não houve critérios distintos estabelecidos para equipamentos novos e velhos. Determinar que os equipamentos novos atendam aos preceitos da NR 12 é uma situação factível, mas determinar que todos os equipamentos devam atender aos preceitos da NR 12, impõe ao empresário um custo enorme e imediato, que pode inviabilizar a continuidade de uma empresa. Tal condição seria idêntica à de exigir que todos os proprietários tenham que instalar airbag nos veículos, em alguns casos o valor de instalação do acessório pode ultrapassar o valor venal do veículo.
Agora vamos falar sobre a NR 15. Os limites de tolerância brasileiros foram instituídos através da Portaria 3.214/78, pelo extinto Ministério do Trabalho. Foram baseados, tais limites, nos TLV’s - Threshold Limit Values - a ACGIH – American Conference of Governmental Industrial Hygienists - adaptados para uma jornada de 48 horas, vigente na época. Passados mais de 40 anos, ainda permanecem os mesmos limites, inobstante os TLV’s sofrerem alterações a cada dois anos. Comparando-se os limites americanos com os brasileiros há distorções de até 1000 vezes para maior ou para menor.
A adaptação dos limites americanos foi realizada mediante aplicação de um multiplicador, obtido da fórmula de Brief-Scala, para correção da jornada semanal de trabalho. No entanto, após alguns anos a jornada semanal se alterou de 48 para 44 horas e nenhuma alteração foi realizada.
Assim, os limites brasileiros perderam totalmente seu valor tecnológico e, atualmente se prestam unicamente para efeitos legais, nos casos de perícias judiciais de insalubridade. O próprio legislador reconhece que tais limites estão defasados, quando na NR 9 estipula que o PPRA pode ser elaborado com base nos TLV’s da ACGIH.
Como herança da lei 491/65, a portaria 3.214/78 incorporou em seus anexos vários agentes avaliados de forma qualitativa, sem estabelecimento de limites de tolerância. Sem entrar no mérito da legalidade dos agentes avaliados de forma qualitativa, por inspeção no local de trabalho, além de ultrapassada tal forma de avaliação, eis que no atual estágio de desenvolvimento todos os agentes poderiam ser avaliados de forma quantitativa; dá um verdadeiro “cheque em branco” na mão do usuário, retirando a objetividade na caracterização da insalubridade.
Diga-se de passagem, que avaliação qualitativa é invenção brasileira, aceitável nos anos 60, quando não havia tecnologia ou equipamentos disponíveis no país; no entanto, ainda hoje conviver com a avaliação qualitativa é inaceitável do ponto de vista científico. É o mesmo que tentar ir à Lua de carroça...
Pior ainda é a existência de agentes ditos insalubres, mas que não causam qualquer malefício à saúde do trabalhador, como prescreve o art. 189 da CLT, a exemplo da iluminação, anexo 4 da NR 15, revogado por força da portaria 3.751/90, mas ainda em uso por força de jurisprudência; e do agente umidade, previsto no anexo 10 da NR 15.
É cediço que a umidade não produz qualquer doença ao ser humano, pois caso contrário não poderíamos tomar banho diariamente, nadar, tomar chuva, nem mesmo suar. Na maioria das vezes o dano produzido não está relacionado com a água, mas sim com sua temperatura (frio redundando em reumatismo) ou com agentes contidos nela (agentes biológicos promovendo doenças dermais).
Portanto, evidenciados todos os problemas citados com os limites de tolerância nacionais, são necessárias medidas urgentes para atualizar tais valores com a realidade técnica e, se quem deveria fazê-lo, não tem tempo ou está ocupado com questões mais importantes, que ao menos decrete através de uma única linha: “a partir desta data para efeitos de limites de tolerância serão válidos aqueles determinados pela ACGIH” e assim, está resolvido definitivamente o problema.
A NR 21 que trata sobre os trabalhos realizados a céu aberto, também diz o óbvio, quando prescreve a obrigatoriedade da existência de abrigos para proteger os trabalhadores contra intempéries. A NR 21 também trata dos abrigos fornecidos pela empresa ao trabalhador e sua família. Tal questão não tem relação com SST e, portanto deveria ser tratada por outra legislação, a exemplo da CLT. Assim, não resultaria nenhum prejuízo se a NR 21 fosse integralmente revogada.
A NR 23 que trata da Proteção contra Incêndios está reduzida a meia dúzia de parágrafos. No entanto, mais uma vez a norma ao invés de focar em SST, acaba expandido seus braços para outros segmentos de conhecimento. A área de proteção contra incêndio já possui farta legislação estadual, através dos Corpos de Bombeiros. Assim, é totalmente dispensável criar uma NR para cuidar de uma questão já tão bem explorada que é a proteção contra incêndio. Assim, mais uma vez, a NR 23 poderia ser integralmente revogada sem qualquer dano à SST.
Finalmente, na mesma esteira de raciocínio dos parágrafos anteriores, a NR 25 que trata dos resíduos industriais, também tenta disciplinar assunto que está amplamente legislado pela área ambiental. Novamente, tal norma poderia ser revogada integralmente.
Este artigo não tem a pretensão de ser exaustivo, mas tão somente exemplificativo. Como as situações demonstradas anteriormente há inúmeras outras não tratadas aqui, resultado de uma legislação com mais de 40 anos, com poucas atualizações e que urge de uma ampla modernização!
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