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A MP da desburocratização prova que a pressa é inimiga da perfeição

Embora a nova MP possibilite a desburocratização dos atos praticados pela Administração Pública, ela permite também que o silêncio do administrador público configure-se em Ato Administrativo, o que, certamente, facilitará a ação de atividades fraudulentas e, consequentemente, a atração de prejuízos ao meio ambiente, à Administração Pública e ao próprio empreendedor.

17/5/2019

A aprovação da MP 881/19 – chamada também de MP “da liberdade econômica” ou “da desburocratização” –, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica, foi festejada por tirar “o Estado do cangote de quem quer produzir”, nas palavras do presidente Jair Bolsonaro. Nesse contexto, importante analisar se a MP, ao tentar desburocratizar a Administração Pública, mantém a segurança jurídica dos atos praticados pelos seus agentes.

Para os empresários, a novidade traz um aparente alívio, já que a burocracia brasileira é reconhecidamente um entrave à livre iniciativa econômica. Tendo como base e ponto de partida o princípio da boa-fé, a MP permite, por exemplo, que empreendimentos para sustento próprio sejam desenvolvidos independentemente de qualquer ato de liberação pela Administração Pública. No entanto, a incipiente MP, ao diminuir a ingerência do Estado, impacta sobremaneira os setores da Administração Pública, acarretando, inclusive, insegurança jurídica ambiental. 

Segundo a MP, nas solicitações de atos públicos, o particular receberá da Administração Pública Ambiental um prazo máximo para a análise de seu pedido, e, caso esse prazo transcorra sem a manifestação do Estado, haverá a aprovação tácita do ato solicitado, para todos os efeitos, conforme disposto no artigo 3º, IX, da MP 881/19. Esse dispositivo transforma o silêncio da Administração Pública em ato administrativo.  

Acontece que para além de não poder ser entendido como ato administrativo, o silêncio da Administração Pública, na hipótese, finda por causar insegurança jurídica às empresas que necessitam, por exemplo, requerer aos órgãos ambientais o licenciamento de um empreendimento. 

Isso porque a MP 881/19 abre margem para que o administrador público, utilizando-se da discricionariedade que é inerente à sua atividade, fixe prazo muito extenso para emitir o ato licenciatório, o que pode causar prejuízos financeiros ao particular. Dito de outro modo, para não ultrapassar o prazo que fixará, a Administração Pública poderá estabelecer um termo bem distante, o que, na prática, poderá alongar o tempo de espera do empresário. 

Por outro lado, porém, havendo entendimento escuso entre o particular e o servidor público, esse também poderá fixar curtíssimo prazo para realizar o ato, pois tem ciência de que, caso esse não se cumpra, haverá a aprovação tácita da licença. 

Dessa forma, percebe-se que a MP 881/19 possibilita que ocorra facilmente fraude nos processos licenciatórios, podendo haver a aprovação tácita sem que ao menos as condições da atividade tenham sido analisadas. Ademais, a prática espúria pode ser considerada crime ambiental, punível com multa ou até mesmo com pena de reclusão, pois o funcionário público não pode aprovar estudo falso, e ao empresário é vedado elaborar ou apresentar, no licenciamento ambiental, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão. 

Assim, embora a nova MP possibilite a desburocratização dos atos praticados pela Administração Pública, ela permite também que o silêncio do administrador público configure-se em Ato Administrativo, o que, certamente, facilitará a ação de atividades fraudulentas e, consequentemente, a atração de prejuízos ao meio ambiente, à Administração Pública e ao próprio empreendedor. Em suma: a pressa, no caso da aprovação tácita de requerimentos à Administração Pública Ambiental, além de ser inimiga da perfeição, pode implicar até a prática de crime. 

Há mesmo o que celebrar?

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*Alysson Nascimento é advogado da área de Direito Ambiental de Queiroz Cavalcanti Advocacia.

*Aline Dourado é colaboradora da área de Direito Ambiental de Queiroz Cavalcanti Advocacia.


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