O bem destinado à moradia do casal ou da entidade familiar é, como regra, impenhorável, ou seja, não pode na cobrança de dívidas do devedor ser expropriado do patrimônio dele. Por óbvio que há exceções à regra, como no caso de devedor de pensão alimentícia; cobrança de IPTU; encargos condominiais etc. Em tais casos é possível a penhora do bem de família, mas essas exceções são expressamente previstas na lei (art. 3º da lei 8.009/90).
Recentemente, foi editada pelo presidente da República a MP 871, de 18 de janeiro de 2019, que, dentre outras providências, instituiu o Programa Especial para análise de benefícios previdenciários com indícios de irregularidade. Uma das modificações que decorreu da referida medida provisória foi possibilitar a penhora do bem de família para “cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos” (art. 3º, inc. VIII, da lei 8.009/90, inserido medida provisória 871/19). Foi, portanto, criada mais uma exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família.
A nova exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família, contudo, não deverá ser aplicada pelo Judiciário porque se trata de previsão manifestamente inconstitucional. Não se pode deixar de salientar que a medida provisória configura espécie normativa editada pelo Presidente da República, mas o âmbito das matérias que nela poderão ser tratadas é delimitado pela própria Constituição Federal. A propósito, o art. 62, §1º, da Constituição estabelece que “É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a direito penal, processual penal e processual civil”. Como a matéria relativa à impenhorabilidade do bem de família enquadra-se no direito processual civil, aquela novel possibilidade de penhora afigura-se inconstitucional.
A modificação é nobre se considerado o propósito de ressarcir ao erário os valores relativos a benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos indevidamente por dolo, fraude ou coação, possibilitando-se inclusive a perda da própria residência por parte daquele que cometeu o ilícito. Contudo, deveria ter sido inserida no ordenamento jurídico por meio do instrumento normativo adequado, que no caso é a lei e não a medida provisória.
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*Daniel Roberto Hertel foi advogado militante por dez anos e, atualmente, é assessor para assuntos jurídicos do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.