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A MP da liberdade econômica e o esvaziamento da figura da empresa individual de responsabilidade limitada

Tradicionalmente, somente poderiam fruir do privilégio normativo da limitação da responsabilidade as sociedades empresárias, as quais exigiam serem compostas por uma pluralidade de indivíduos.

13/5/2019

Instituída através da lei 12.441 de 11 de julho de 2011, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada foi, à época, a opção adotada pelo legislador para dar resposta ao problema da responsabilidade ilimitada do empresário que exercesse empresa de forma individual, ou seja, sem contar com a presença de um sócio, o que, por muitas vezes, ocasionou a proliferação no país de sociedade fictícias compostas por um dos sócios meramente de “fachada”.

Urge ressaltar que a discussão jurídica em torno da matéria se arrastou por anos, principalmente em torno da polêmica relativa à impossibilidade de se admitir a sociedade limitada unipessoal, pela inviabilidade de se contratar consigo mesmo.

Tradicionalmente, somente poderiam fruir do privilégio normativo da limitação da responsabilidade as sociedades empresárias, as quais exigiam serem compostas por uma pluralidade de indivíduos.

Relativamente à limitação da responsabilidade, imperioso elucidar que a presença da mesma consiste em garantia de preservação do patrimônio pessoal do sócio perante dívida da sociedade enquanto não exaurido o patrimônio social, sendo que somente após o esgotamento deste é que se faz possível envidar o atingimento do patrimônio pessoal do sócio, e tão e somente nos limites do valor de sua participação no capital social.

A ideia de sociedades unipessoais era pouco admitida, por questões de formalismo semântico, e de alegadas preocupações relativas às garantias aos credores, de forma que a necessidade de uma pluralidade de indivíduos para composição societária estivesse arraigada no seio da doutrina tradicional, para a qual “era da essência da sociedade, [...] a pluralidade de sócios. Falar-se, nos primórdios do direito societário, em sociedade de um sócio apenas era considerado um despropósito” 1.

Buscando trazer tal discussão à tona, professou Carlos Celso Orcesida Costa:

Não se há de olvidar ou negar a evolução da substância, em contraposição à simples semântica. Não faltariam sugestões ou fórmulas jurídicas para justificar o superamento da forma, do conceito, do próprio tipo, pela realidade, por exemplo recorrendo à noção auxiliar de empresa, como sinônima de atividade produtiva, ou à noção de universidade patrimonial ou mesmo à ideia de Paillusseau que vê nas sociedades, em especial nas anônimas, simples técnica de organização2. 

Na busca da superação da tradicional corrente contratualista plurilateral aplicada às sociedades, as discussões doutrinárias culminaram em variadas técnicas jurídicas de limitação da responsabilidade do empresário individual.

A adoção das sociedades unipessoais dentre os modelos possíveis é tendência mundial, principalmente no âmbito do direito Europeu3, o que representa uma ruptura com o tradicional entendimento de sociedade como contrato necessariamente plurilateral.

No Brasil, entretanto o legislador optou por inserir tal limitação de responsabilidade por meio da criação de uma nova pessoa jurídica, vide  alteração do Código Civil vigente, a qual introduziu os artigos 44, VI, 980-A e parágrafos e alterando a redação do art. 1.033, Parágrafo Único4.

Nota-se que a matéria ora ventilada se trata de complexa disciplina societária, que vêm levantando discussões jurídicas há anos.

Urge ressaltar que data de 21 de maio de 1947 a primeira proposta legislativa sobre o tema, de autoria do então deputado Freitas e Castro que apresentou o PL 201/47. 

A matéria tornou a ser analisada no ano de 1956, por Sylvio Marcondes Machado, em sua tese “Limitação da Responsabilidade do Comerciante Individual”5. Após, inúmeras foram as proposituras de lei que visavam regulamentar o assunto6.

A LC 123, de 14 de dezembro de 2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, pautou novamente a discussão quanto à instituição da empresa individual de responsabilidade limitada, pois pretendeu instituir tal figura no ordenamento jurídico brasileiro através de seu art. 69, todavia tal dispositivo fora vedado7.

Qual não é a surpresa, assim, ao deparamo-nos com as alterações legislativas trazidas pela MP 881/19 (Liberdade Econômica) a qual passa por cima de toda esta discussão jurídica e resolve admitir a existência de sociedades limitadas unipessoais, e, ainda, mantendo a existência da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada.

Dispõe a MP:

 “Art. 7º  A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, passa a vigorar com as seguintes alterações:   
Art. 1.052.
Parágrafo único.  A sociedade limitada pode ser constituída por uma ou mais pessoas, hipótese em que se aplicarão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.” (NR)

Esvazia-se, portanto, a existência da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, a qual já se mostrava incipiente em razão da exigência de integralização de um capital mínimo de 100 (cem) vezes o salário mínimo no ato de sua constituição.

Em que pese se ter realizado inúmeras discussões concernentes a este capital mínimo, inclusive quanto a sua constitucionalidade, o mesmo mantinha-se vigente com a intenção de servir de garantia à credores.

Temos aí outra discussão que se mostrou ignorada quando da apresentação da MP 881/19.

Causa-nos total estranheza que se permita a coexistência de Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada e de Sociedades Limitadas Unipessoais, ambos mecanismos jurídicos que se valem para o mesmo fim: a limitação da responsabilidade do empresário individual.

Ademais, é de complexa previsão o desenrolar desta mudança legislativa no âmbito do direito societário, perante os Registros Públicos Mercantis, e perante os próprios empresários, incluindo aqui a possibilidade de abusos da personalidade jurídica de sociedade limitadas unipessoais sem a previsão de obrigatoriedade do capital mínimo e de fraudes da estrutura duplicada.

Hodiernamente, uma mesma pessoa física não pode ser titular de mais de uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, justamente envidando o legislador coibir abusos da personalidade jurídica.

Com a abertura da possibilidade de sociedades limitadas unipessoais, sem qualquer zelo relativamente a estes desenrolares, a própria regulamentação e dispositivos previstos para as EIRELIs se esvaziam, podendo, assim, a mesma pessoas física constituir mais de uma sociedade limitada unipessoal, sem qualquer garantia de capital mínimo.

Parece-nos, portanto, que a coexistência dessas pessoas jurídicas necessariamente exigirá estudo pormenorizado, inclusive ventilando-se a hipótese de revogação de um dos dois institutos de forma tácita ou por assimilação.

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1 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: v.1, 19. ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2015.p. 45.

2 COSTA, Carlos Celso Orcesida. Empresas unipessoais. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.vol. 51., 1983, p.33.

3 TOMAZETTE, Marlon, 2014. p. 56.

4 BRASIL, Lei 12.441 de 11 de julho de 2011.

5 SZTAJN, Rachel. 1992, p. 96.

6 CERVO, Fernando Antonio Sacchetim. Regime jurídico de limitação da responsabilidade do empresário individual: sociedade unipessoal e estabelecimento individual de responsabilidade limitada. Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor. n. 9. ano II, jun/jul 2006, p. 72-74

7 BRASIL, Câmara dos Deputados. Vetos à Lei Complementar nº 123 de 14 de dezembro de 2006, Diário Oficial da União -Seção 1 - 15/12/2006, Página 65 (Veto), disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/leicom/2006/leicomplementar-123-14-dezembro-2006-548099-veto-63114-pl.html> acessado em 19/02/2016.

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*Paola Pereira Martins é advogada no escritório Crippa Rey Advogados.

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