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A escolha de câmara privada pela administração pública

O credenciamento nos parece a opção que mais se coaduna com a arbitragem de conflitos que envolvem a Administração Pública, uma vez que a seleção das câmaras arbitrais é prévia, logo não fere a celeridade ínsita à arbitragem.

13/5/2019

Como é cediço, a lei 13.129/15, que produziu significativas alterações na lei 9.307/06, debelou quaisquer eventuais controvérsias ainda existentes acerca da utilização do instituto da arbitragem pela Administração Pública, haja vista a contundente previsão do art. 1º, §1º da lei de Arbitragem.

Contudo, o referido diploma legal não foi apto a dirimir muitas indagações que se desenvolvem em derredor deste tema, normativamente novo, que é a utilização da arbitragem pela Administração Pública. 

Um desses pontos de lacuna legislativa diz respeito à forma de escolha do árbitro, na arbitragem ad hoc, ou da câmara arbitral, na arbitragem institucional. 

Calha esclarecer que a arbitragem ad hoc consiste no processo arbitral no qual as partes escolhem um árbitro ou colégio de árbitros e definem as regras procedimentais que conduzirão o processo. Na arbitragem institucional, ao seu turno, as regras procedimentais são previamente estabelecidas por uma câmara arbitral, que conduzirá o processo de acordo com seu regulamento, fornecerá apoio administrativo e rol de árbitros a ela credenciados. 

Assim, deve a Administração Pública utilizar a arbitragem ad hoc ou institucional? 

Deveras, não há qualquer determinação ou vedação legal por uma ou outra modalidade. Acredita-se, nessa senda, que a Administração possa, de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, optar por qualquer das duas, conforme as especificidades do caso concreto. 

Há que se registrar, no entanto, que a arbitragem institucional tem se revelado mais adequada nas resoluções de conflitos entre a Administração Pública e particulares. A existência de regulamento próprio e prestação de serviços de secretaria às partes, tais como a produção de documentos administrativos, protocolo de manifestações e fornecimento de estrutura para a realização das audiências, são características que fazem da arbitragem institucional mais apropriada nos conflitos que envolvam o Poder Público. 

Nesse sentido, o decreto 8.465/15, que, ao regulamentar o art. 62, §1º da lei 12.815/13 (lei dos Portos), dispõe sobre os critérios de arbitragem para dirimir litígios no âmbito do setor portuário, cria uma preferência legal pela arbitragem institucional, exigindo a declaração de um justo motivo nos casos de opção pela arbitragem ad hoc. 

A lei mineira 19.477/11, por sua vez, é mais restritiva na escolha da modalidade, estabelecendo a exclusividade da arbitragem institucional quando da sua utilização pela Administração. 

Isso posto, forçosa é a conclusão pela predileção ou, até mesmo, pela exclusividade da arbitragem institucional. 

Contudo, desse arremate surge uma outra pertinente indagação: qual a forma de escolha da câmara arbitral? É necessário licitar ou se trata de hipótese de inexigibilidade? 

Há quem entenda, na linha de construção teórica do Professor Marçal Justen Filho, que não se trata hipótese de incidência da lei 8.666/93. Para o renomado administrativista, “a arbitragem não produz um vínculo de natureza contratual entre a Administração e a câmara de arbitragem e os árbitros. Trata-se de uma relação de natureza institucional. ” Nesse sentido, conclui: 

A escolha do árbitro e da câmara de arbitragem envolve um ato administrativo unilateral, que é praticado no exercício de competência discricionária. Nada impede que essa escolha, inclusive da instituição arbitral, seja realizada consensualmente com o particular. Isso não implica o surgimento de um contrato, na acepção da lei 8.666. A autonomia inerente à configuração da arbitragem permite que Administração e particular estruturem diferentes soluções para disciplinar o procedimento. 

Em que pese a eloquência e autoridade dos argumentos expendidos, o vínculo entre a Administração Pública e a câmara de arbitragem tem se estabelecido por meio de contratos administrativos, firmados diretamente por inexigibilidade de licitação (art. 25 da lei de Licitações e Contratos Administrativos). 

A tese da inexigibilidade revela-se mais caudalosa entre os doutrinadores em virtude dos critérios de escolha de uma câmara arbitral, cuja avaliação perpassa por uma análise de elementos subjetivos de acordo com a especificidade de cada caso, tais como a especialização da câmara, o rol de árbitros credenciados, a qualidade do seu regulamento etc. 

Malgrado a adequada subsunção da escolha da câmara arbitral à hipótese de incidência de inexigibilidade de licitação, entendemos que a contratação direta, e sobretudo quando prévia ao surgimento do litígio entre o particular e a Administração Pública, pode vulnerar os princípios da consensualidade e da imparcialidade, os quais são pilares da arbitragem. 

De fato, nos parece desestimulante para um particular interessado em contratar com a Administração Pública, ter que submeter eventual litígio oriundo do contrato com o Poder Público (seja ele contrato administrativo ou da Administração) a uma câmara arbitral já previamente definida e contratada pelo Administração Pública, sem um processo de seleção. Se tal circunstância não fragiliza efetivamente a imparcialidade, no mínimo, abala a confiança do particular no processo arbitral. 

Uma alternativa que vem ganhando adesão de doutrinadores e profissionais que se propõem a estudar o tema é o credenciamento. De acordo com esta sistemática, as câmaras arbitrais que preenchem os requisitos mínimos de qualificação definidos pela Administração Pública podem requerer seu credenciamento. Com o surgimento de um conflito entre a Administração e o particular, qualquer uma das câmaras credenciadas pode ser escolhida para conduzir a arbitragem. Parece-nos que a forma de escolha que melhor atende ao princípio da consensualidade, é aquela em que a seleção entre as câmaras credenciadas seja feita pelo particular, uma vez que a Administração já conduziu o prévio credenciamento, de acordo com os seus critérios de qualidade. 

Dessa forma, o credenciamento nos parece a opção que mais se coaduna com a arbitragem de conflitos que envolvem a Administração Pública, uma vez que a seleção das câmaras arbitrais é prévia, logo não fere a celeridade ínsita à arbitragem (que poderia restar aniquilada por um processo licitatório), e preserva a imparcialidade e consensualidade, uma vez que a escolha da câmara pode – e entendemos que deve – ser feita pelo particular, que norteará sua opção de acordo com a especificidade do caso concreto.

Ressalte-se, por fim, que, ainda assim, haverá casos em que mesmo com a utilização do credenciamento poderá ser feita a contratação direta mediante inexigibilidade, quando, em razão da especialidade da controvérsia, não houver câmara arbitral credenciada apta a dirimir a controvérsia. 

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*Denilton Leal Carvalho é procurador federal, especialista em Direito Tributário pela Anhanguera/LFG e sócio-fundador da CAMES

 

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