O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), figura trazida pelo NCPC (art. 133 a 137, da lei 13.105/15), que recentemente completou três anos de vigência, tem sido amplamente abordado pela doutrina e jurisprudência, mas, até o momento, não foi possível construir uma visão unívoca a respeito da sua aplicação, ao menos em matéria tributária.
Dentro desse cenário, o STJ enfrentou o tema em julgamento da primeira turma (REsp 1.775.269), tendo decidido que “o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC/15) não se instaura no processo executivo fiscal nos casos em que a Fazenda exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os artigos 134 e 135 do CTN”. (grifos)
Chegou-se a tal conclusão, basicamente, “pois a responsabilidade dos sócios, de fato, já lhes é atribuída pela própria lei, de forma pessoal e subjetiva. (...) Nesses casos, como afirmado, não há necessidade de desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica devedora, pois a legislação, estabelecendo previamente a responsabilidade tributária do terceiro, permite a cobrança do crédito tributário diretamente dos terceiros que elenca.”
Pois bem. As considerações a seguir pretendem demonstrar que o entendimento adotado por ocasião do referido julgado destoa completamente dos anseios do legislador, elemento fundamental para interpretação desse instrumento processual e consequente resolução adequada do tema.
1) Alterações trazidas pelo NCPC e os anseios do legislador com a figura do IDPJ
De conhecimento geral que a edição do NCPC envolveu projeto de magnitude extraordinária, na medida em que constitui normativo que tende a impactar a atividade jurídica em inúmeros campos do direito.
Ciente da responsabilidade de se lidar com esse impacto gerado pelo novo Diploma Processual, o Senado Federal, ao iniciar os trabalhos atinentes à PLS 166/10, instituiu a Comissão Temporária de Senadores1, com o seguinte escopo:
“I.1 – (...) elaboramos nosso Plano de Trabalho que, a seu turno, foi aprovado por unanimidade.
O Plano de Trabalho previu visitas a autoridades em Brasília; remessa de diversos ofícios para outras autoridades de todos os Estados brasileiros, disponibilizando canal para a recepção de sugestões; realização de 10 audiências públicas, tudo com um único objetivo: colher subsídios para aperfeiçoar o texto produzido pela Comissão de Juristas. (...)
Jamais na história um projeto de Código passou por tamanha consulta popular. Nunca um Código foi construído de maneira tão aberta. Do cidadão mais simples ao mais prestigiado e culto jurista, todos puderam opinar.
Quem quis falar foi ouvido, e, o que é principal, a ponderação de todos – na medida do possível – foi efetivamente considerada. Foram comissões e mais comissões em todas as regiões do país, de todos os segmentos, que estudaram o projeto e nos remeteram sugestões.
Não poderia ser diferente! É o primeiro Código estrutural brasileiro que é integralmente construído sob o regime democrático. (...)
No Plano de Trabalho, também foi constituída uma comissão de técnicos, no âmbito do Senado Federal, para auxílio na elaboração do relatório-geral, com a revisão do projeto e a análise, uma a uma, de todas as sugestões encaminhadas ao Relator-Geral. (...) O Plano de Trabalho foi cumprido estrita e integralmente. Foram realizadas visitas ao Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Ministério da Justiça, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e à Advocacia-Geral da União, com o objetivo de debater o projeto e estabelecer canal para a recepção de sugestões.”
Sob esse hercúleo trabalho legislativo, por ocasião do relato dos da Comissão, citou-se pela primeira vez a respeito da figura do IPDJ (então estabelecido nos arts. 62 a 65, do projeto):
“A desconsideração da personalidade jurídica ganha um incidente próprio que permite ao magistrado apurar, em contraditório prévio, a ocorrência das situações autorizadas pela lei que permitem a responsabilização pessoal dos sócios.” (grifos)
Note-se, portanto, que ao conceber a figura do IDPJ, o legislador o fez sob o expresso intento de que tal instrumento processual seja vislumbrado como forma de garantir o contraditório, a ser exercido pelo sócio quando lhe imputada responsabilidade pessoal.
A partir desse substrato legislativo, que irradia a devida hermenêutica jurídica a respeito do IDPJ, já se tem fundamento suficiente para que o STJ revisite o tema, porquanto decidiu de forma diametralmente contrária, no sentido de que, havendo responsabilidade pessoal do sócio, desnecessário seria o incidente.
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