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Consulta Pública nº 46, de 17 de agosto de 2006 da ANVISA x Lei de Propriedade Industrial

Já é conhecida de todos a reiterada posição da ANVISA de formular disposições sobre vigilância sanitária, sem observar o disposto na Lei de Propriedade Industrial. Desde a edição da Lei 10.196 de 2001, que alterou o artigo 229 da Lei de Propriedade Industrial, dispondo sobre a dependência de anuência prévia da ANVISA para a concessão de patentes de medicamentos, verificamos a atuação da agência reguladora em questões de propriedade industrial, que se chocam diametralmente com a Lei nº 9.279/96 (LPI). Se isso acontece na área das patentes, não foi diferente com a elaboração da Consulta Pública em referência, quanto à parte marcária.

19/9/2006


Consulta Pública nº 46, de 17 de agosto de 2006 da ANVISA x Lei de Propriedade Industrial

Emília Malgueiro Campos*

O D.O.U. de 18 de agosto último publicou a consulta pública nº 46 (clique aqui), visando alterar a Resolução RDC nº 333 de 2003 (clique aqui), para incluir algumas disposições, sendo a mais relevante a seguinte:

“5.1.1. A Denominação Comum Brasileira (DCB) do medicamento genérico deverá estar disposta nas embalagens secundária e primária de forma legível e ostensiva para o público.”

(...)

5.7.1. O layout das embalagens secundárias dos medicamentos genéricos deverá contemplar o nome comercial do medicamento de referência indicado pela ANVISA, acompanhado da expressão “medicamento de referência.”

5.7.2. O nome comercial do medicamento de referência, acompanhado da expressão “medicamento de referência” deverá situar-se na parte frontal da embalagem do medicamento genérico, no campo superior direito à sua respectiva DCB, limitados em um círculo ou retângulo de fundo preto.” (grifos nossos)

Já é conhecida de todos a reiterada posição da ANVISA de formular disposições sobre vigilância sanitária, sem observar o disposto na Lei de Propriedade Industrial.

Desde a edição da Lei 10.196 (clique aqui) de 2001, que alterou o artigo 229 da Lei de Propriedade Industrial, dispondo sobre a dependência de anuência prévia da ANVISA para a concessão de patentes de medicamentos, verificamos a atuação da agência reguladora em questões de propriedade industrial, que se chocam diametralmente com a Lei nº 9.279/96 (clique aqui - LPI).

Se isso acontece na área das patentes, não foi diferente com a elaboração da Consulta Pública em referência, quanto à parte marcária. Vejamos. Apesar da nomenclatura dúbia utilizada, qual seja, “nome comercial do medicamento”, o que a ANVISA pretende, na verdade, é instituir uma verdadeira violação contra registro de marca, prevista no artigo 189 da LPI.

Obviamente que tal somente ocorrerá se o chamado “nome comercial do medicamento” estiver registrado como marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o que certamente acontecerá em 90% dos casos.

Ora, a simples leitura do dispositivo legal em questão demonstra o absoluto equívoco da recém publicada Consulta, já que configura crime contra registro de marca a reprodução, sem autorização do titular, no todo ou em parte, de marca registrada.

A sugerida aposição da “marca” do medicamento de referência no produto genérico configurará uma absurda infração, a não ser que a obrigatoriedade dessa disposição só se dê quando houver autorização expressa do detentor da marca nesse sentido. Contudo, é certo que não há menção sobre qualquer autorização do titular da marca no texto da Consulta.

Certamente que a inserção de marca de terceiro no produto genérico poderá, inclusive, causar confusão na mente do consumidor menos informado sobre a legislação de rotulagem de medicamentos, que é a grande maioria, já que alguns poderão imaginar que se trata de uma “outra versão” do próprio medicamento de referência, pela simples aposição da marca na embalagem.

Vale também dizer que parece um completo contra-senso a inserção de uma marca de terceira empresa, no rótulo do produto de outra. Praticamente uma aberração na seara da proteção à propriedade intelectual das empresas...

Importante ressaltar que “a função da marca repousa, principalmente, em seu poder distintivo e atrativo, constituindo um elo de aproximação entre o produto ou serviço e o consumidor, fazendo surgir em sua mente uma série de qualidades, características e expectativas que o levam a adquirir determinado artigo em detrimento de outro.”1

Analisando-se a consideração acima reproduzida, indaga-se: o que o consumidor irá lembrar quando se deparar com a já conhecida marca do produto de referência, na embalagem de um produto genérico?

Certamente da qualidade e característica daquele produto, e não especificamente do produto genérico que está adquirindo, o qual poderá ser comercializado apenas por conta dessa associação indevida com a marca de referência, como se adquirido na “carona” do produto de referência.

Por outro lado, a necessidade do consumidor de melhor identificar o medicamento genérico que está adquirindo já está suprida com a obrigação de inserir a Denominação Comum Brasileira (DCB), de forma legível e ostensiva, na embalagem do produto genérico. Dessa forma, não há que se falar em falta de informação ao consumidor.

Essa situação não vai contra apenas às disposições marcárias, mas também contra toda a matéria que visa combater a concorrência desleal, bem como o aproveitamento parasitário de marcas alheias.

Mas não é só. Vale mencionar que a doutrina básica sobre hierarquia das leis foi completamente ignorada pela Diretoria Colegiada da ANVISA. Como pode adotar Consulta Pública para aprovação de Portaria que dispõe em sentido contrário a uma lei federal em pleno vigor (LPI) ?

Além disso, não podemos esquecer que a ANVISA não tem competência legal para legislar sobre propriedade industrial.

Por fim, a boa notícia: aos interessados em apresentar críticas e sugestões ao texto em questão, que está disponível no próprio site da ANVISA, www.anvisa.gov.br, poderão fazê-lo até o dia 19 de setembro.

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1
Comentários à Lei da Propriedade Industrial, IDS-Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual, Editora Renovar, pág. 206.

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*Advogada do escritório De Vivo, Whitaker e Castro Advogados

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