STF e norma processual infraconstitucional
Raquel Cavalcanti Ramos Machado*
Nos termos da Constituição Federal, o STF (Supremo Tribunal Federal) tem competência para “dar a última palavra” sobre as questões regulamentadas por normas constitucionais, enquanto o STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem competência análoga no que diz respeito a questões regulamentadas por normas infraconstitucionais, precisamente as regidas pela legislação federal.
As normas processuais contidas no Código de Processo Civil que estabelecem prazo e modo para interposição de recursos são o típico exemplo de matéria cuja análise final compete ao STJ.
Todavia, o processo é o veículo inafastável que a parte dispõe para submeter uma questão à apreciação de quaisquer dos órgãos do Poder Judiciário. Assim, mesmo sem ter competência para interpretar as normas processuais infraconstitucionais isoladamente consideradas (a menos que esteja analisando a sua constitucionalidade), o STF, ao examinar, por exemplo, a tempestividade de um recurso termina por interpretar, e dar a última palavra, também sobre esse tipo de norma.
A questão que se coloca, então, é a seguinte: já que o STF não tem competência para interpretar as normas processuais infraconstitucionais isoladamente consideradas e já que essa competência é do STJ, não deveria o STF considerar as manifestações do STJ sobre o assunto?
A questão é importante, pois a analise comparativa da jurisprudência desses dois tribunais demonstra que são freqüentes os casos de interpretação diferente de uma mesma norma processual infraconstitucional dada por cada um deles. E essa divergência se dá em situações de grande relevância para as partes como, por exemplo, no exame da tempestividade de recurso interposto por fax e no exame da tempestividade de recurso interposto antes da publicação. O que se apresenta mais grave é que, em regra, os pronunciamentos do STF são mais formalistas do que os do STJ, em prejuízo à efetividade das normas de direito material, razão maior da existência de todo o aparelho judicial.
Assim, tanto em face da competência fixada pela Constituição, como em face da maior efetividade que se deve dar às normas que consubstanciam direitos materiais tendo no processo não um fim em si mesmo, mas um meio de possibilitar uma defesa justa, entendemos que o Supremo Tribunal Federal deveria, em regra, acolher os pronunciamentos do Superior Tribunal de Justiça. E somente deveria afastá-los nos casos em que vislumbrasse excesso de formalismo processual e não o contrário, em face do princípio constitucional que assegura a efetividade da tutela.
Praticamente, porém, como o STF é o último a se pronunciar no julgamento de uma questão, a parte não possui meios para recorrer de suas decisões, ainda que incorretas. Todavia, caso se desenvolva na comunidade jurídica a idéia de que o STF deve proceder dessa maneira, essa idéia certamente os influenciará, e poderá levá-los a rever seus posicionamentos, trazendo uma feição mais útil ao processo.
Seja como for, os demais julgadores, notadamente juízes de primeiro grau e tribunais de apelação, não se devem guiar pelas decisões do STF na interpretação de normas processuais infraconstitucionais isoladamente consideradas, já que, como dito, a competência para tanto é do Superior Tribunal de Justiça.
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* Advogada e Membro do ICET - Instituto Cearense de Estudos Tributários
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