Hoje, amaldiçoei o dia 19 de janeiro de 2017. Naquela horrível manhã, além da própria tristeza, pude adivinhar que a ausência de Teori não seria trivial. Tive a nítida sensação de que a mais relevante criatura do Poder Judiciário, que oxigenava o país com a sua sensatez e idêntica energia para as coisas certas e rejeição das coisas erradas, nos abandonara em definitivo.
Naquela ocasião, ainda ignorava o alcance, no tempo e na dimensão, dos muitos males que se sucederiam por conta da sua ausência.
Mas o pior deles aconteceu há poucas semanas. Refiro-me aos atos praticados pelo presidente da Suprema Corte, referendados, exatamente, pelo ministro que ousou substituir alguém em cuja corrente sanguínea fluíam fáceis e sem obstruções as premissas elementares de justiça.
Não é suficiente o exaustivo aprendizado da doutrina do direito para fazer justiça. Haverá tempo necessário para se debruçar sobre os clássicos, conhecer a trajetória do homem na terra, também parte da obra de alguns filósofos, assistir peças e filmes, ouvir os avós quando pequenos, os amigos escolhidos pela firmeza do olhar e genuína afeição, as mulheres que enxergam longe, a poesia que ensina pela linguagem ritmada da fraternidade.
Ninguém duvida que o ministro Gilmar Mendes é um dos maiores juristas da Corte, mas, a mero título de exemplo, será melhor juiz do que a ministra Rosa Weber? Receio que não.
Teori Zavascki tornou-se mais conhecido pelo Brasil ao reprimir, publicamente, uma atitude infantil do juiz Sérgio Moro que, tal qual uma criança contrariada, determinou a divulgação de uma conversa telefônica entre o ex-presidente Lula e sua sucessora, sra. Dilma Roussef. O propósito do juiz era deixar claro que a nomeação do ex-presidente Lula para o cargo de ministro resultara de uma singela intenção, da então presidente, de protegê-lo do eventual cumprimento de uma ordem de prisão. A intenção era mesmo essa, não importa, o juiz fez pouco da hierarquia e desobedeceu, deliberadamente, determinação superior, presumindo que a sua decantada fama de justiceiro implacável contra corruptos serviria de blindagem contra a decisão do Tribunal. Ele conseguiu impedir referida nomeação, entretanto, não logrou evitar a repreensão de um homem da envergadura de Teori, com deslustre, portanto, para sempre, do seu invejável currículo profissional (faço aqui um parênteses: provavelmente, não haveria vestígio de mácula alguma se porventura não partisse de Teori a censura pública).
Há exemplos de ministros do STF que criticam, com ferocidade, exageros e desvios, menos ou mais acentuados, de subordinados audazes, posto que tolos. Todavia, aludidas advertências e admoestações são recebidas com sorrisos zombeteiros porque essa ou aquela autoridade não suscita respeito. Não era o caso de Teori.
Muitos são aqueles que trabalham no ofício de fazer Justiça, nem todos são justos. Por outro lado, há pessoas que ignoram as mais corriqueiras normas do direito, mas são capazes de praticar justiça meramente adotando as regras mais comezinhas do bom senso que trazem dentro do peito. Teori, um profissional do direito, também iluminado pela decência e generosidade, alcançou o firmamento dos homens justos.
Por isso tudo, mais se lamenta a sua prematura partida. No entanto, o seu exemplo não pode ser relegado a uma simples menção de seus pares quando a ele se referem: “o saudoso ministro Teori Zavascki”. Não é apenas saudoso, Teori é o ministro a ser imitado e usado como paradigma de comportamento. Além disso, quem, verdadeiramente, sente saudades de Teori Zavascki não tem assento na Corte. Aqui peço desculpas, acredito que alguns ministros do Supremo sentem, com grande sinceridade, saudades deTeori.
Seja como for, o Supremo necessita agora, desesperadamente, do exemplo de Teori Zavascki. No momento em que o Poder Executivo recua em atos e palavras para a obscuridade de um passado preconceituoso e insensível, e se afasta da inteligência e da civilização dos povos maduros, no momento em que o Congresso permanece na sua apatia e inapetência pelas coisas prementes do país, sendo apenas persuadido a agir quando os temas debatidos convergem com a ávida cupidez dos seus desejos, o Supremo precisa ressurgir contido, sereno, digno, respeitável, com a reconhecida majestade da Justiça, pronto para pacificar a nação. O simples fato de se perceber que há no Brasil uma força institucional sobranceira, altiva, formada por homens eruditos e justos, que apenas se curvam para os preceitos da Constituição, já será mais do que suficiente para sossegar os aflitos e conter o furor daqueles para os quais não há mais esperança possível.
Em suma, a instauração do inquérito policial, determinada pelo presidente Dias Toffoli, para investigação de ofensas aos ministros e a aceitação do ministro designado, Alexandre de Moraes, para condutor do mencionado procedimento, definha a instituição aos olhos de todos e, certamente, a envergonha. E se não envergonha, deveria. Alguém imagina Teori Zavascki atendendo à missão ora confiada ao seu substituto pelo presidente do Tribunal?
Em todo o caso, divirjo de Fernando Gabeira que sugeriu em artigo a renúncia de ambos os ministros citados. Não é hora para renúncias, mas, sim, para arrependimentos. Melhor dar um passo atrás do que se precipitar no abismo, até porque nunca se sabe quem virá para ocupar o posto. Haja vista o exemplo recente da nomeação do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que substituiu o professor, naturalizado brasileiro, Ricardo Vélez Rodriguez.
Os onze ministros devem permanecer em seus cargos, mas nada obsta que, nas suas orações, peçam a Deus que os faça mais e mais parecidos, em dignidade e caráter, com o insubstituível Teori Zavascki.
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*Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva é advogado do escritório Candido de Oliveira Advogados.