1. Introdução
Nos últimos anos assistimos atônitos a ocorrência de tragédias ambientais irreparáveis à nossa sociedade em razão da intervenção humana no meio ambiente. Ainda em fase de apuração pelas autoridades, na busca dos responsáveis pelo rompimento das barragens de Brumadinho/MG, o tema é pauta dos principais noticiários do Brasil.
Lembremos que este desastre vem a ocorrer em período praticamente hodierno ao trágico incidente ocorrido em Mariana/MG, onde também barragens cederam à forte pressão dos dejetos sobre as camadas de proteção instaladas pela empresa mineradora que explorava o local.
Outras tragédias de impacto ambiental com apelo nacional, também podem ser lamentavelmente lembradas, como a ocorrida em 2011 no Rio de Janeiro, ocasião que um vazamento de óleo atingiu a Bacia de Campos em uma extensão de quase 170 km², ou ainda o vazamento de quase 1 milhão de litros de gasolina em Cubatão – SP que causou um catastrófico incêndio no bairro Vila do Socó.
Todos estes eventos narrados, como tantos outros, dizimaram espécies vegetais, animais e tiraram centenas de vidas. Perdas irreparáveis causadas por falha humana. Evidente que situações como essa, além de exigirem a apuração de responsabilidades das empresas que exploravam e exploram economicamente o meio ambiente, necessário que se analise também a responsabilidade das autoridades públicas que deveriam fiscalizar de forma ainda mais austera a exploração de negócios que possam de alguma forma impactar no meio ambiente e gerar risco à vida humano.
Entretanto, não podemos admitir, em que pese a gigantesca revolta que efervesce o sentimento das pessoas, em situações adversas como as acima apontadas, um festival espetaculoso de “caça às bruxas”, responsabilizando de forma desmedida e desarrazoada agentes públicos, como uma resposta à opinião pública.
Eis a proposta que aqui objetiva reflexão. Quais seriam os limites da responsabilidade das autoridades, que fiscalizam a exploração do meio ambiente, mas, em alguns casos, não possuem aparato técnico suficiente (tecnologias de previsão), nem podem prever fenômenos naturais, ou mesmo a falha de procedimento dos exploradores, e, por fim, os que agem com irresponsabilidade ou visam finalidades particulares e moralmente reprováveis.
E não é só. A responsabilização ambiental do Estado, percorre caminhos das mais diversas naturezas, e, aqui, nos propomos à análise da responsabilidade civil dos agentes públicos ou pessoas naturais (desde que envolvidos com os agentes públicos em questão) à luz da Lei 8.429/92, que visa sancionar os responsáveis por eventual dano ambiental que de alguma forma deram causa. Entretanto, não podemos confundir a responsabilidade ambiental prevista no § 3° do art. 225 da Constituição Federal com aquela que visa combater o ato ímprobo, e isso será a seguir especificado
2. A Responsabilidade Ambiental prevista no art. 225 §3 da Constituição Federal
Ao cuidarmos do tema da responsabilidade ambiental, imperioso que façamos um recorte estruturante do que vem a ser cada uma das situações postas. Nosso objetivo nesta análise é cuidarmos da responsabilidade advinda do ato de improbidade administrativa praticada por agentes públicos e, nos termos da lei, aquele que mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Previu o Constituinte que: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Deste dispositivo, uma conclusão é clara. A responsabilidade atribuída a quem der causa à violação ao normativo ambiental poderá ser “triplamente” apenada, sendo afetada com consequências de ordem penal, civil e administrativa.
A responsabilidade civil foi introduzida a partir da Lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e processualmente viabilizada com o surgimento da Lei da Ação Civil Pública, enquanto que a responsabilidade administrativa e a penal passaram por inúmeras transformações legislativas a considerar a aprovação da lei 9.605/98, conhecida como a “Lei da Natureza”, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Interessante perceber que a responsabilização nestes dois últimos casos, tanto a relacionada à administrativa quanto à penal, não dependem da realização de um dano ambiental efetivo, sendo suficiente a violação aos ditames legais ou que coloque em risco a preservação do meio ambiente ou a saúde das pessoas.
Isso para dizer que, não bastasse a possibilidade de punição por estas três vertentes, uma “quarta”, deve ser minuciosamente analisada, que atinge diretamente os agentes públicos ou a terceiros a ele diretamente relacionados.
3. A influência do Direito Ambiental no mundo
Depois de períodos de absoluto descaso às questões ambientais, a ONU, em 1972, organizou a Conferência de Estocolmo, lançando a pedra fundamental das discussões a respeito de questões ambientais de repercussão internacional, como a poluição e o esgotamento os recursos não-renováveis.
Esta conferência foi o estopim para uma forte mobilização internacional, resultando em formalização de pactos essenciais ao desenvolvimento de programas de preservação ao meio ambiente e combate às práticas de desmatamento, dentre elas podemos destacar a assinatura da Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Declaração de Estocolmo); Plano de Ação para o Meio Ambiente (encartadas 109 recomendações); e a fundação de um Programa das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente (PNUMA).
Destacamos aqui a Declaração de Estocolmo, que teve grande relevância ao ramo do direito ambiental, que inaugurou a concretização dos princípios que hoje norteiam os postulados de preservação do meio ambiente, exigindo de forma mais contundente uma atuação preventiva do Poder Público.
Tais princípios foram responsáveis por difundir todo o pensamento ambientalista vindouro, passando a ser concebido com base nesta Declaração. Há de se mencionar que se a década de 70 representou uma fase de novo posicionamento para o meio ambiente a nível internacional, no Brasil, a década de 80 representou um período de relevantes produções legislativas, efeito desta visão de engajamento de toda a sociedade.
O primeiro regramento é a Lei 6.803/80 que dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição. Esta lei cuida de disciplinar a repartição do solo municipal em zonas específicas e estabelece a designação de seu uso. Também esta lei foi a responsável por disciplinar, ainda de forma tímida, o estudo de impacto ambiental.
Não menos importante, em meados de 1981, passamos a ter em nosso diploma legislativo a aprovação da lei 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente que inseriu em definitivo o poder público como o grande protagonista da proteção ambiental.
Elencamos como destaque definições de suma relevância como a conceituação de recursos ambientais, meio ambiente, poluição, poluidor e etc. Em geral, teve o objetivo de facilitar a aplicação de políticas públicas ambientais. Em especial, a previsão da responsabilidade objetiva no dano ambiental e a legitimidade do Ministério Público na demanda civil e criminal que objetivam responsabilizar os poluidores representaram um significativo avanço na defesa do meio ambiente.
A partir disso, o Ministério Público tornou-se, definitivamente, um importante fiscal e agente condutor de ações direcionadas à preservação ambiental. Não lhe cabendo apenas a legitimidade de propor demandas judiciais, mas também cobrar do poder público adoção de medidas que visem proteger o meio ambiente.
Não menos importante, já no período próximo à volta da efetiva democracia, em 1985, foi aprovada aquela que até hoje é um dos mais efetivos diplomas infraconstitucionais dos direitos difusos e coletivos, a chamada Lei da Ação Civil Pública, fortalecendo sobremaneira a instituição do Ministério Público, que além de lhe garantir a promoção da demanda coletiva juntamente com outros entes públicos, ainda lhe forneceu importante ferramenta de investigação, o inquérito civil.
Mas foi com a promulgação do Texto Constitucional de 1988 que tais dispositivos ganharam contornos de predicados constitucionais, consolidando em definitivo a defesa ao meio ambiente em todas as modalidades.
Assim como conhecida, a Constituição de 1988 é dotada de direitos, mas apresenta traço característico também de defesa ao meio ambiente. Esta foi a Carta mais detalhada ao tratar do tema, trazendo definições consistentes advindas principalmente da Conferência de Estocolmo.
Não bastasse o contexto político e social responsável pela “onda” de conscientização ambiental criada no Brasil a partir do momento que se passou a dar voz e palanque às iniciativas de proteção ao meio ambiente, um outro importante e ao mesmo tempo perigoso instrumento de responsabilização dos agentes públicos no exercício de funções fiscalizatórias passou a ser empregado, trata-se da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992). Sobre este tema, tópico específico será reservado para análise e reflexão.
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*Tony Ferreira de Carvalho Issaac Chalita é mestrando em Direito Constitucional, advogado militante na área de Direito Público. Sócio coordenador do departamento Eleitoral e Político do Braga Nascimento e Zilio Advogados Associados.