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A viés subjetiva da teoria da actio nata

A doutrina e a jurisprudência há alguns anos relutavam em reconhecer a faceta subjetiva da teoria da actio nata, posto que consideravam que o termo inexoravelmente começava com o surgimento da pretensão, e não do efetivo conhecimento.

26/4/2019

Vejamos a seguir o presente julgado:

“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SEGURO DPVAT. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO CARÁTER PERMANENTE DA INVALIDEZ. NECESSIDADE DE LAUDO MÉDICO. 1. Para fins do art. 543-C do CPC: 1.1. O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez. 1.2. Exceto nos casos de invalidez permanente notória, a ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez depende de laudo médico, sendo relativa a presunção de ciência. 2. Caso concreto: Inocorrência de prescrição, não obstante a apresentação de laudo elaborado quatro anos após o acidente. 3. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO” (STJ, REsp 1.388.030/MG, Rel. ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/06/14, DJe 01/08/2014)

O julgamento supra exposto teve correto entendimento ao determinar que o termo inicial da prescrição em ações oriundas a lesões ocorridas de segurados do DPVAT é da data do conhecimento inequívoco do caráter permanente da invalidez do segurado.

Fora observada no aresto acima, em acertadíssima decisão, à aplicação da teoria da actio nata em sua viés subjetiva, teoria esta trazida inicialmente pelo professor Savigny a partir de estudos do Direito Romano, onde se asseverava a priori sua natureza objetiva – teoria da actio nata (nascimento da pretensão) -, subordinando o ponto de partida da prescrição ao fato da violação, pouco importando que o titular tivesse ou não conhecimento desta.

Posteriormente, tal tese foi lapidada pelo brilhante professor José Fernando Simão, em sua tese de livre-docência, adotada parcialmente pelo ilustre professor dr. Flávio Tartuce, onde se verifica de modo claro a faceta subjetiva da teoria da actio nata, como será trabalhado mais à frente.

No aresto em comento, trata-se de ação de indenização decorrente de ilícito extracontratual em face do DPVAT, onde é discutido o termo inicial da prescrição, posto que a segurada intentou ação de indenização 4 (quatro) anos após o acidente, ano em que realizou exame no IML e foi constatado sua invalidez permanente, condição essa, intrínseca perante a legislação o DPVAT para requerimento de indenização.

A demanda foi julgada procedente em primeira e segunda instância pelo TJ/MG, sendo objeto de Recurso Especial por parte da Seguradora, onde alegava em suma que, o prazo prescricional da segurada já havia escoado, posto que passados 3 (anos) da lesão, com sucedâneo no artigo 206, § 3, inciso IX do Código Civil, além também de asseverar que o termo inicial da prescrição não poderia ficar sujeito ao arbítrio da vítima.

Em seu relatório o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ponderou entendimento anteriormente adotado pelo E. STJ, onde tratava-se de acidente entre segurado do DPVAT, que ocasionou o amputamento de membros no momento do acidente, motivo pelo qual não se aplicaria a teoria da actio nata em sua viés subjetiva, visto que o fato era notório, nos exatos termos do artigo 374, inciso I do Código de Processo Civil, não havendo tratamento nestes casos. Destarte, o conhecimento da lesão ocorreu no momento do acidente, posto que tal fato independia de prova para sua constatação.

Entretanto, no julgado objeto da presente, não há que se falar em conhecimento da lesão no momento do acidente, pois a segurada somente conseguiu realizar exame de constatação de sua incapacidade permanente perante o IML após 4 (quatro) anos da data da vicissitude, ocorrendo, desta maneira, o nascimento da pretensão, haja vista que tal imposição somente poderia ser constatada de maneira exata por meio de um laudo médico pericial.

O caráter permanente ou parcial da incapacidade do segurado é condicio sine qua non, para propositura da demanda indenizatória perante o DPVAT, e tal incapacidade só poderia ser efetivamente caracterizada por meio de um laudo médico elaborado por profissional competente.

Em sede defensiva o DPVAT alegava que a vítima depois de transcorrido in albis o prazo prescricional, poderia ter obtido novo laudo médico e ajuizasse ação, omitindo por má-fé, a existência de um laudo médico mais antigo.

Todavia, tal tese restou superada porquanto que a má-fé não é presumida em nosso ordenamento jurídico, cabendo ao DPVAT averiguar junto ao IML a informação para saber se a vítima se submeteu, ou não, a exame médico em data anterior ao laudo apresentado pela seguradora.

Deste modo, a ciência inequívoca da invalidez permanente ocorre da data em que a vítima obtém um laudo médico atestando tal fato de maneira incontroversa.

Mister asseverar que, diante do consubstanciado no aresto em comento, essa questão foi sumulada pelo STJ 573, em sede de IRDR (Incidente de resolução de demandas repetitivas)

No julgado acima esposado, com a aplicação da teoria da actio nata na viés subjetiva, ainda que de maneira implícita, temos pois, a valoração do princípio da boa-fé objetiva, mais adequado as ideias de eticidade, socialidade e por corolário, mais justo, obstando que o titular do direito seja prejudicado por não ter tido conhecimento da lesão que lhe foi imposta.

A teoria da actio nata na viés subjetiva é explanada como sendo o início do termo da prescrição que fluirá a partir do conhecimento inequívoco da lesão ou violação do seu direito nos casos em que envolvam ilícitos oriundos a responsabilidade extracontratual (visão adotada pelo Professor José Fernando Simão), e/ou também por responsabilidade contratual (visão adotada pelo Professor Flávio Tartuce) -, e não de sua violação que a ação é chamada a combater, objetivamente, como ensina Savigny.

Nas palavras do professor José Fernando Simão, a faceta subjetiva da teoria da actio nata pode assim ser definida:

“...contudo, parte da doutrina pondera que não basta surgir a ação (actio nata), mas é necessário o conhecimento do fato. Trata-se de situação excepcional, pela qual o início do prazo, de acordo com a exigência legal, só se dá quando a parte tenha conhecimento do ato ou fato do qual decorre o seu direito de exigir. Não basta assim, que o ato ou fato violador do direito exista para que surja para ela o exercício da ação” (Simão, José Fernando. Tempo e Direito Civil. Prescrição e Decadência. São Paulo: USP 2011, p. 268)

 

Ainda neste sentido o brilhante Professor Dr. Flávio Tartuce bem pondera acerca desta teoria:

"... constata-se que a lei, a jurisprudência e a própria doutrina têm levado em conta esse conhecimento para os fins de fixação do termo a quo da prescrição construindo uma teoria da actio nata com viés subjetivo." (Tartuce, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume único - 7° Edição - São Paulo: 2017, p.324)

Tal entendimento já havia sido objeto de deliberação no Tribunal da cidadania, de maneira implícita na súmula 278 (anterior a emenda constitucional 45/2004) e, posteriormente na súmula º 573 do E.STJ (como já mencionado), onde asseveram que o prazo prescricional para ações de indenização e de acidente de trabalho é a data em que a vítima teve ciência inequívoca da invalidez permanente/incapacidade laboral, entendimento esse que foi complementado posteriormente pela VII Jornada de Direito Civil (2015), em seu enunciado 579.

Insta salientar que a teoria da Actio Nata em sua viés subjetiva, será aplicada em caráter de exceção e somente na prescrição cuja natureza seja extintiva, sempre avaliado pelo caso concreto, como já previa o professor Simão, observando ainda no tocante ao que vaticina o artigo 374 do novo Código de Processo Civil, fatos que independem de prova.

Neste esteio, tal tese veio a contemplar de modo incisivo a boa-fé objetiva, onde se espera das partes uma conduta de lealdade, que por sua vez fora muito ressaltada quando do surgimento do nosso novo Código de Processo Civil, conforme se verifica nos artigos 5° e 6°.

A doutrina e a jurisprudência há alguns anos relutavam em reconhecer a faceta subjetiva da teoria da actio nata, posto que consideravam que o termo inexoravelmente começava com o surgimento da pretensão, e não do efetivo conhecimento, conforme vaticinava o enunciado 14 do CJN/STJ. Os juristas que defendem tal tese, alegam em suma, que se o termo ficar condicionado ao conhecimento inequívoco da lesão, restaria, portanto, ao arbítrio, - uma espécie de assenhoramento - da vítima ao início da prescrição, demonstrando uma possível insegurança jurídica.

 Tal tese vem sofrendo duras críticas, posto que restava claro o lapso deste entendimento, haja vista que a pretensão na verdade só nasceria efetivamente para a vítima do ilícito extrajudicial ou contratual quando do conhecimento inquestionável da lesão ou da violação do direito subjetivo, sendo impossível exercer tal pretensão em momento anterior a esta cognição.

Ora, se não há conhecimento de lesão ou violação do direito subjetivo, não há que se falar em nascimento da pretensão, sendo certo que o termo sequer começaria a fluir (faceta subjetiva da teoria da actio nata). Entendimento diverso nos dias atuais têm se mostrado superado, onde retrata uma verdadeira injustiça para com o lesado.

Por fim, consubstanciado nos fundamentos supra lançados, correto portanto, o julgamento do RESP 1.388.030 - MG, por ter aplicado a teoria da “actio nata em sua viés subjetiva”, ainda que implicitamente, vindo inclusive a tornar-se súmula do E.STJ – 573, e posteriormente ratificada pelo enunciado 579 da VII Jornada de Direito Civil. Tal entendimento consagra de maneira hialina o princípio da boa-fé objetiva; a informação e, por conseguinte, a justiça, conforme os termos explanados.

___________

Tartuce, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume único - 7° Edição, ed. Gen - São Paulo: 2017, p.324

Câmara Leal, Antonio Luis da. Da prescrição e da decadência. teoria geral do direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959

Farias, Cristiano Chaves; Rosenvald, nelson. Curso de direito civil. Parte Geral e LINDB. São Paulo: atlas, 13. ed. 2015 v. 1

Simão, José Fernando. Tempo e Direito Civil. Prescrição e Decadência. São Paulo: USP 2011, p. 268

STJ, REsp 1.388.030/MG, Rel. ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/06/2014, DJe 01/08/2014

__________

*Leonardo Bocchi é advogado pós graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito. Tem formação em inglês e italiano. É sócio diretor da seara cível, empresarial e consumerista do escritório Roda & Bocchi Advogados.

 

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