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E agora, José? Enfrentando os obstáculos trazidos pela Receita Federal à questão do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins

A vedação à compensação constante na lei 13.670/18 é uma afronta à coisa julgada e representa desobediência a uma decisão judicial, impedindo o exercício de um direito reconhecido. Por esse motivo, deve ser execrada do ordenamento jurídico.

17/4/2019

O poema de Carlos Drummond de Andrade de 1942 retrata o sentimento atual de milhares de contribuintes com a atuação da Receita Federal, que vem restringindo o alcance da decisão do STF sobre a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins e impedindo a compensação dos créditos com a instauração de procedimentos de fiscalização. 

O panorama que hoje vivemos tem como pano de fundo uma disputa tributária que se arrasta há mais de 20 anos e que, em março de 2017, foi concluída de forma clara e favorável aos contribuintes quando a maioria dos ministros do STF, liderada pelo voto vencedor da ministra relatora Cármen Lucia, reconheceu que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins” (tema 69, objeto do RE 574.706).

Naquele recurso extraordinário, a empresa buscava o seu direito de não incluir na base de cálculo do PIS e da Cofins a parcela relativa ao ICMS. A sentença que serviu de base para o referido recurso expressamente reconheceu que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins seria o ICMS destacado na nota fiscal. Esse é, em essência, o mesmo objeto das ações judiciais dos milhares de contribuintes que esperavam a posição do STF, por se tratar de matéria com repercussão geral reconhecida, e que foi satisfeito com a conclusão do julgamento com o provimento do recurso.

Buscando criar uma dúvida quanto ao montante do ICMS a ser descontado da base de cálculo do PIS e da Cofins, a União Federal apresentou embargos de declaração solicitando que os ministros do STF esclarecessem este ponto.

No entanto, antes que houvesse esse esclarecimento e considerando que as ações judiciais dos contribuintes estariam (como estão) transitando em julgado com a iminência e já aproveitamento dos créditos do passado via compensação, a Receita Federal perguntou para si mesma (a Consulente é a Coordenação-Geral de Contencioso Administrativo e Judicial) qual seria o correto entendimento sobre o tema. 

Assim nasceu a solução de consulta interna da coordenação-geral de tributação 13 que, trazendo trechos isolados dos votos vencedores e vencidos, concluiu que o STF teria decidido que o ICMS a ser excluído é o ICMS a pagar (e não o ICMS destacado na nota fiscal). O objetivo claro foi o de reduzir drasticamente o montante do crédito de PIS e Cofins que os contribuintes poderiam compensar. 

Na mesma toada, alterou-se as normas sobre obrigação acessória justamente para obrigar o contribuinte a identificar a diferença entre o ICMS destacado e o ICMS a recolher (leiaute da EFD-Contribuições) e introduziu-se uma vedação à compensação de crédito informado em Declaração de Compensação quando houver procedimento fiscal instaurado para confirmação da liquidez do crédito (inciso VII incluído no parágrafo 3º, do artigo 74 da lei 9.430/96, pela lei 13.670/18).

E agora, José? O que pode fazer o contribuinte ante a reação devastadora da Receita Federal que, com base nesse entendimento vinculante aos órgãos administrativos e na nova legislação, não só vai impedir o direito à compensação dos contribuintes que esperaram mais de 10 anos para ter o trânsito em julgado necessário para a habilitação do seu crédito, como vai aplicar multas sobre as compensações realizadas pelos contribuintes? 

Se tal entendimento pudesse prevalecer, uma sensação de “não existe porta” ou de “mar seco” tomaria conta dos contribuintes. Mas os contribuintes resistirão pois, como já dizia o poema, “você é duro, José!” e “você marcha, José!”.

A decisão do STF de março de 2017 foi clara e muito bem suportada. Assim, embora a Suprema Corte possa (mas não necessariamente deva) ainda elucidar o que quis dizer sobre o montante do ICMS a ser excluído, a leitura dos votos deixa claro que o ICMS que deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins é o destacado e não o “a pagar”. E é por isso que os contribuintes, individualmente ou via associações, devem agir contra essa solução de consulta – com reclamações ao STF e/ou ações coletivas ou individuais – demonstrando que esse instrumento não seria cabível para o fim proposto e, mais ainda, que se trata de uma postura que trará prejuízos concretos aos contribuintes.

O voto vencedor da ministra relatora Cármen Lucia fez uma digressão sobre a sistemática não-cumulativa do ICMS (sistema de créditos e débitos) justamente para concluir que “todo o ICMS” não deve compor a base de cálculo. É isso que está cristalizado na ementa do julgado: “3. O regime da não-cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este STF”. Além disso, os votos vencidos deixaram claro que a discussão residiria na exclusão do ICMS destacado na nota fiscal. 

Somado a isso, é claro que o valor do ICMS que é incluído na composição da base de cálculo das aludidas contribuições é o ICMS destacado na nota fiscal, já que este é o montante que integra o preço da mercadoria. Ao decidir que o imposto estadual não é receita do contribuinte, o STF permitiu que as empresas apurem o seu faturamento/receita para fins de cálculo do PIS e da Cofins com a dedução do valor do ICMS que constou da nota fiscal.

Esta tem sido inclusive a orientação dos Tribunais Regionais Federais ao afirmarem que o STF teria decidido pela exclusão do ICMS destacado na nota fiscal, uma vez que “o ICMS passível de exclusão da receita e que a compõe é o ICMS incidente sobre a operação, que é o destacado na nota fiscal de saída” (citamos, a título de exemplo, a decisão do ministro Gilmar Mendes no RE 954.262/RS, bem como as AC 0129325-43.2015.4.02.5001; AI 5001063-38.2018.4.03.6106; AC 5001862-10.2017.4.04.7005; AC 0815891-06.2017.4.05.8100). 

Portanto, não se trata de ter um enfrentamento específico em um caso concreto sobre o montante do ICMS a ser excluído, mas sim em se constatar (e aceitar) os seguintes fatos: os contribuintes pediram a exclusão do ICMS que compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins; este ICMS é o ICMS destacado na nota fiscal; o STF já concluiu que todo o ICMS incluído na base de cálculo do PIS e da COFINS deve ser excluído das respectivas bases de cálculo; as decisões judiciais que estão transitando em julgado abrangem o ICMS destacado na nota, em obediência ao entendimento exarado pelo STF. 

Por fim, a vedação à compensação constante na lei 13.670/18 é uma afronta à coisa julgada e representa desobediência a uma decisão judicial, impedindo o exercício de um direito reconhecido. Por esse motivo, deve ser execrada do ordenamento jurídico.

E assim marcharemos: “José, para onde?”. E a resposta não poderia ser outra: para onde a decisão do STF seja respeitada em sua totalidade, em estrita obediência à nossa Constituição Federal. 

___________

Giancarlo Chamma Matarazzo é sócio do Pinheiro Neto Advogados.

Fernanda Ramos Pazello é consultora do Pinheiro Neto Advogados.








*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 
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