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Garantismo processual e a análise do arbitramento dos honorários sucumbenciais

A doutrina garantista vem ganhando cada vez mais força no cenário jurídico brasileiro atual, sendo travadas relevantes discussões.

16/4/2019
1. Introdução

A discussão sobre o garantismo processual encontra-se em voga nos fóruns e nas salas de aula do Brasil, sendo tema de relevante importância no cenário nacional, sempre apresentado como contraponto à doutrina do ativismo processual.

Nesse cenário, o primeiro é apresentado como uma corrente doutrinária em que se valora mais firmemente a posição da lei de forma objetiva, limitando, assim, a atuação do magistrado e respeitando as garantias processuais, sobretudo as constitucionais, enquanto o segundo atribui maior relevância à jurisdição, relativizando as garantias processuais com o intuito de se buscar a “justiça”, de forma que aumenta, assim, o aspecto subjetivo da interpretação legal, e, consequentemente, a liberdade do julgador.

Busca-se, portanto, neste trabalho, fazer um brevíssimo resumo sobre o garantismo processual e chamar a atenção para a influência dessa corrente doutrinária nos arbitramentos de honorários advocatícios sucumbenciais de acordo com o dispõe o art. 85 e seus parágrafos do Código de Processo Civil de 2015, sobretudo em relação às modificações que este códex instituiu em relação ao código anterior.

Para tanto, cumpre analisar o que dispõe literalmente o código processual e quais as margens de interpretação que o legislador deixou para o aplicador do direito, à luz da doutrina garantista.

 

2. Notas sobre o garantismo processual

Como adiantado no tópico introdutório, o objetivo deste trabalho é apresentar notas gerais a respeito da doutrina garantista para que se possa analisar institutos do Código de Processo Civil de 2015 sob a sua égide.

Segundo a doutrina do Prof. ADOLFO ALVARADO VELLOSO, garantismo seria:

O garantismo processual é uma posição doutrinária firme (=aferrada) quanto
à manutenção da irrestrita vigência da Constituição e, com ela, da ordem
legal vigente no Estado, de modo que tal ordem se adeque com plenitude
às normas programáticas dessa mesma Constituição. Em outras palavras, os doutrinadores que assim entendem não buscam um juiz comprometido
com certas pessoas (=grupos de pessoas) ou coisa distinta da Constituição, mas sim um juiz que se empenhe em respeitar a todo custo as garantias
constitucionais
.”

 

A corrente garantista, portanto, preocupa-se com a segurança e a estabilidade jurídica, visando a produzir, pois, situações jurídicas mais previsíveis na medida em que defende que o magistrado respeite as garantias processuais e se volte para o processo, não para a querela a ser resolvida.

Esse posicionamento busca a evitar que, em casos semelhantes, por diferenças de convicção dos magistrados, conduzam-se os processos de forma divergentes. Reduz, assim, a atuação de ofício do juiz, e prima pela atuação das próprias partes, concedendo a estas o protagonismo do processo.

A doutrina garantista concede maior importância ao devido processo legal e às garantias legais e constitucionais como meio legitimador da tutela buscada em juízo. A partir dessa visão, garante-se a segurança jurídica a que os postulantes fazem jus em um Estado Democrático de Direito.

Assim, sob o prisma do garantismo processual, o ativismo, na medida que visa mais ao resultado final em detrimento do meio, abalaria a dinâmica do funcionamento do processo, comprometendo, dessa maneira, a segurança jurídica tão fielmente tutelada pela Constituição Federal. A manifestação ativista do magistrado atua, segundo a análise doutrinária garantista, de forma temerária, em substituição do devido processo legal, pondo de lado as garantias constitucionais em busca da solução que lhe parece mais “justa” no caso concreto.

Portanto, tem-se que a corrente garantista prima pela segurança jurídica trazida pela observância ao devido processo legal com limitação da atuação do juiz em estrita observância às garantias processuais legais e constitucionais.

3.  O arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais no CPC/15 sob a égide da doutrina garantista

O garantismo processual dá maior relevo à segurança jurídica e às limitações processuais trazidas pela legislação e pela Constituição da República.

Sob essa ótica, verifica-se que o CPC/15 trouxe maior igualdade na distribuição dos honorários sucumbenciais em processos em que não há condenação, for vencida a fazenda pública e nas execuções, embargadas ou não. Sob a égide do CPC/73, havendo condenação, ou sendo vencedora a Fazenda Pública, os honorários deveriam ser arbitrados com base em um percentual (entre 10% e 20%) da condenação ou do valor da causa.

Assim, quando havia condenação, ou seja, o autor era vencedor, os honorários advocatícios eram arbitrados com base no valor da condenação, sempre em patamar que variava entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento), entretanto, quando não havia condenação (o que sempre ocorre quando o réu se consagra vencedor), os honorários eram arbitrados por equidade, independentemente do valor tutelado, e, na imensa maioria das vezes, em patamar irrisório.

Tratava-se de uma verdadeira ofensa ao princípio constitucional da isonomia, na medida em que o patrono da parte autora era, quase que invariavelmente, mais bem remunerado do que o patrono da parte ré quando se sagrava vencedor em uma demanda.

Diante de tal cenário de injustiça, o art. 85, § 8º do CPC/15, que é apontado como equivalente ao art. 20, § 4º do CPC/73, apresenta, em sua redação, uma importantíssima diferença em relação ao dispositivo revogado, o que faz, justamente, com que o novel dispositivo legal não se aplique aos casos acima narrados. São os termos de cada um dos referidos dispositivos legais:

 CPC/73 – “Art.20 (...) § 4º § 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.

CPC/15 – “Art.85 (...) § 8o Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2o.

 

Foram, portanto, suprimidas da previsão legal as hipóteses de arbitramento de honorários por equidade nos processos em que não haja condenação, nos que forem vencida a Fazenda Pública e nas execuções, embargadas ou não. Ou seja, na vigência do CPC/73, nestes casos, o juiz poderia arbitrar os honorários de acordo com a equidade, sem levar em consideração os limites percentuais estabelecidos no então vigente § 3º do art. 20 do mesmo diploma, entretanto, sob a égide do Códex Processual de 2015, não possui permissão legal para tanto.

Tal posicionamento é reforçado, inclusive, pelo § 6º do mesmo artigo 85 do CPC/15, o qual dispõe:

 “§ 6o Os limites e critérios previstos nos §§ 2o e 3o aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito.” – sem os grifos no original

 

Com isso, verifica-se que o arbitramento por equidade se limita aos casos expressamente contidos no § 8º do art. 85, ou seja, quando o valor da causa é muito baixo ou quando seu proveito econômico é irrisório ou impossível de se estimar. Em todos os outros casos, os limites mínimo e máximo do § 2º do referido dispositivo devem ser estritamente observados. São os termos legais:

“§ 2o Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

I - o grau de zelo do profissional;

II - o lugar de prestação do serviço;

III - a natureza e a importância da causa;

IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.” – sem os grifos no original

 

Desta feita, mesmo em casos em que o processo seja extinto sem resolução do mérito, e que não seja aferível o proveito econômico obtido pela parte, deve-se condenar o sucumbente no pagamento dos honorários de acordo com os limites mínimo (dez por cento) e máximo (vinte por cento) do dispositivo legal acima transcrito.

Isso porque o trecho do dispositivo legal (art. 20, § 4º do CPC/73) que fundamentava o arbitramento de honorários sucumbenciais por equidade (“bem como naquelas em que não houver condenação”) em casos análogos ao em tela não foi reproduzido pelo CPC/15, de modo que não há mais subsídio legal para se arbitrar honorários por apreciação equitativa quando por falta de condenação no feito.

Muito pelo contrário, o acima transcrito § 6º do art. 85 prevê expressamente que os limites do § 2º (mínimo de dez por cento do valor da causa) devem ser obedecidos, inclusive, quando o feito é extinto sem resolução do mérito.

Diante desse novo cenário regulatório processual, mister se faz que os dispositivos legais supra mencionados sejam observados em sua plenitude, sem que se abra espaço para subjetivismos descabidos por parte do julgador, que, visando ao que enxerga como “justiça” no caso concreto, deixa de arbitrar os honorários conforme a legislação rege para os arbitrar por equidade em valores ínfimos, adotando uma postura ativista que, ao fim e ao cabo, tão somente gera uma maior insegurança jurídica.

Ocorre que o desrespeito às regras definidas, sobretudo às bem definidas, como as referente aos dos honorários sucumbenciais, gera uma indesejável insegurança jurídica, pois varia de acordo com a análise do caso concreto fora do que está devidamente parametrizado pela legislação.

E, na maioria das vezes, esta atitude ativista dos julgadores possui um falso respaldo em princípios gerais do direito como a razoabilidade e proporcionalidade, sem explicitar fielmente como tais princípios se aplicariam ao caso, fazendo com que, em determinados casos, aplique-se os honorários de uma forma, e, em outros, de outra totalmente diferente, ao sabor exclusivamente pessoal do magistrado.

Vale salientar que a doutrina é pacífica no que concerne às limitações legais para o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais, entretanto é comum que os magistrados, sobretudo os de primeiro grau, arbitrem honorários em valores inferiores ao mínimo legal, com fundamento no § 8º do CPC/15, deixando de perceber, propositadamente ou não, a mudança na redação legal acima demonstrada.

Sobre o tema, merece destaque o disposto à fl. 158 da 2ª Edição (2017) do “NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMENTADO” do jurista Daniel Amorim Assumpção Neves, que ao comentar o art. 85 do CPC/15 aduz:

 A segunda novidade é a regulamentação da fixação dos honorários quando não há condenação ou proveito econômico obtido, hipótese em que a fixação tomará por base o valor da causa.

Sob a égide do CPC/1973 a inexistência de condenação permitia ao juiz fixar o valor dos honorários sem qualquer parâmetro, apenas atendendo aos critérios das alíneas do art. 20, §3º. No Novo CPC tal conduta passa a ser impossível, havendo uma gradação de parâmetro para a partir daí fixar os honorários entre dez e vinte por cento: (1º) condenação; (2º) proveito econômico obtido; (3º) valor da causa.

Estabelecido o parâmetro de fixação dos honorários cabe ao juiz fixar o percentual – entre dez e vinte por cento – que se adequa ao grau de zelo profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Esses critérios são os mesmos já existentes no Código revogado.” – sem os grifos no original 

Também merece destaque o que leciona o ilustre professor Nelson Nery ao comentar o §6º do art. 85 do CPC/15:

§6.º: 36. Extensão da aplicação dos critérios de cálculo de honorários. Os critérios estipulados nos §§2º e 3º são universais, não podendo ser amenizados ou extrapolados, seja qual for o caso. Ao menos neste caso, houve preocupação em respeitar o princípio da isonomia. Pode-se argumentar, com base nessa extensão e no fato de que o CPC 85§ 2.º fala não só em “condenação”, mas também em “proveito econômico obtido” e em “valor da causa”, que os critérios gerais de arbitramento de honorários poderão valer também para sentenças declaratórias, ainda que não sejam elas executáveis (v. coments. CPC 515I), uma vez que o CPC 85 §6.º não faz distinção em relação ao conteúdo da decisão.” – sem os grifos no original 

No mesmo sentido escreve o nobre jurista Alexandre Freitas Câmara em “O Novo Processo Civil Brasileiro”:

 “Esses limites e critérios devem ser observados qualquer que seja o conteúdo da sentença, inclusive nos casos de improcedência e de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 85, § 6o).”

Os “Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil” de Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Melo também seguem a mesma linha de raciocínio, consoante se verifica do trecho abaixo transcrito:

 “4. Causas de inestimável ou irrisório proveito econômico, ou valor da causa muito baixo: fixação por apreciação equitativa – parágrafo oitavo. O NCPC, aclarando definitivamente o tema, determina que a fixação de honorários sucumbenciais por equidade, isto é, sem se levar em conta os parâmetros objetivos do valor da causa, ou do proveito econômico da causa, nos limites
mínimo e máximo de 10 a 20%. Apenas poderá ocorrer em caso de ser inestimável ou irrisório o proveito econômico, ou for muito baixo o valor da causa. A regra de fixação de honorários sucumbenciais no NCPC, a nosso ver, está definitivamente aclarada: os honorários sucumbenciais deverão ser fixados observando­-se, em regra, o percentual mínimo de 10% e o percentual máximo de 20% sobre o conteúdo econômico da ação, sobre o valor da condenação ou sobre o valor atualizado da causa; apenas poderá ser fixado por equidade (isto é, fora dos parâmetros compreendidos entre 10 e 20% sobre as bases de cálculo anteriormente referidas) excepcionalmente, nas expressas situações previstas no § 8.º do art. 85 ora analisado.”- sem os grifos no original

O Professor Cássio Scarpinella Buena explicita no seu “Novo Código de Processo Civil Anotado”:

O § 6º estabelece que os limites e os critérios previstos nos §§ 2º e 3º aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou às sentenças sem resolução
do mérito
. Não há como querer afastar essa mesma regra para os casos em que a Fazenda Pública seja parte (autora ou ré, ainda de acordo com o § 3º), sob pena de violação ao princípio da isonomia.” - sem os grifos no original

Verifica-se, portanto, que a doutrina processualista brasileira é uníssona quanto à impossibilidade de se arbitrar honorários sucumbenciais por equidade quando o proveito econômico não é irrisório, inestimável ou muito baixo o valor da causa.

Assim, não sendo um dos casos dispostos no § 8º do art. 85, não há que se falar em arbitramento por equidade dos honorários advocatícios, devendo ser respeitados os limites máximo e mínimo previsto no § 2º do art. 85 do CPC/15, por falta de autorização legal.

Inclusive, a segunda seção do STJ, na sessão do dia 13/02/19, fixou entendimento no sentido ora exposto, consoante se verifica do acórdão proferido no RESP. 1.746.072-PR, cujo acórdão foi lavrado pelo eminente ministro Raul Araújo, in verbis:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE EQUIDADE NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. NOVAS REGRAS: CPC/2015, ART. 85, §§ 2º E 8º. REGRA GERAL OBRIGATÓRIA (ART. 85, § 2º). REGRA SUBSIDIÁRIA (ART. 85, § 8º). PRIMEIRO RECURSO ESPECIAL PROVIDO. SEGUNDO RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

  1. O novo Código de Processo Civil - CPC/2015 promoveu expressivas mudanças na disciplina da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais na sentença de condenação do vencido.
  2. Dentre as alterações, reduziu, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade, pois: a) enquanto, no CPC/1973, a atribuição equitativa era possível: (a.I) nas causas de pequeno valor; (a.II) nas de valor inestimável; (a.III) naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e (a.IV) nas execuções, embargadas ou não (art. 20, § 4º); b) no CPC/2015 tais hipóteses são restritas às causas: (b.I) em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando (b.II) o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º).
  3. Com isso, o CPC/2015 tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria.
  4. Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art.

85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º).

5. A expressiva redação legal impõe concluir: (5.1) que o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; (5.2) que o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo.

6. Primeiro recurso especial provido para fixar os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico obtido. Segundo recurso especial desprovido.

(REsp 1746072/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/02/2019, DJe 29/03/2019)

Merece destaque ainda o trecho do voto proferido pelo ilustre ministro Luís Felipe Salomão no recurso especial acima referida, em que rechaça o entendimento de que a expressão “inestimável” constante do § 8º, do art. 85 do CPC/85 poderia se referir a valor de alta monta. É trecho do seu voto:

Quanto ao adjetivo "inestimável" – também utilizado no Código de Processo Civil de 1973 (art. 20, § 4º) – tampouco entendo possível que o termo possa se referir a algum bem da vida de valor elevado. LEIB SOIBELMAN, em obra clássica, define de modo singelo que inestimável significa "ação que não tem valor patrimonial" (In: Dicionário geral de direito. São Paulo: Bushatsky, 1974, p. 315).

Sobre o vocábulo "inestimável", OTHON SIDOU anota: "Diz-se da coisa ou direito que não pode ser avaliado economicamente". (In: Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 451).

YUSSEF SAID CAHALI, ao comentar o termo "inestimável" contido no parágrafo 4º do CPC de 1973, calcado no escólio de Giuseppe Chiovenda, também assinala que se refere às ações sem conteúdo econômico, exemplificando as ações relativas ao estado civil e à capacidade jurídica das pessoas. Confira-se:

‘São as ações de valor indeterminável, aquelas que não encerram um conteúdo econômico, não se traduzem em dinheiro, apontando as geralmente a doutrina como sendo as causas relativas ao estado civil e à capacidade jurídica das pessoas, como ação de filiação, ação de separação judicial ou de divórcio, ação de interdição. ação de tutela, ação de nulidade ou anulação de casamento, ação sobre dano moral.

[Nota: Chiovenda: "A qualidade hereditária não é um estado; todavia, é também de valor indeterminável, quando constitui objeto principal e por si própria do processo; pois, neste caso, não está em causa o direito a determinado patrimônio somente, mas o complexo dos direitos correspondentes ao herdeiro, compreendidos os direitos de conteúdo ideal e não economicamente avaliáveis" (Instituições, lI, n. 185, p. 176).] (In: Honorários advocatícios. 3ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1997, p. 480)’

Por essa razão, forçoso concluir pelo não cabimento de interpretação extensiva das regras contidas nos parágrafos 3º, 4º, 5º e 8º do art. 85 do CPC, sob pena verdadeira usurpação da função legislativa pelo Poder Judiciário, sendo certo, ademais, que os termos "inestimável" e "irrisório" não dão margem para que o intérprete validamente extraia o sentido de "muito alto" ou "exorbitante".”

– sem os grifos no original

 

Assim, a jurisprudência dos tribunais estaduais e regionais federais devem evoluir seu entendimento para se desprender do que foi sedimentado sob a égide do Código de Processo Civil anterior, revogado pelo CPC/15, e se adequar à nova realidade instituída no referido diploma, sob pena de afronta à segurança jurídica, sobretudo em razão do entendimento do STJ sobre o tema, além de que é louvável a redução da subjetividade no arbitramento de honorários sucumbenciais instituída pela nova lei processual, regras que, inclusive, chancelam o princípio da isonomia, ao tratar de modo semelhante os patronos dos autores e dos réus.

4.  Conclusões

A doutrina garantista vem ganhando cada vez mais força no cenário jurídico brasileiro atual, sendo travadas relevantes discussões acerca de suas implicações no Código de Processo Civil de 2015, sobretudo em contraposição à doutrina ativista.

Como visto, a primeira dá maior relevo e significância ao processo, enquanto a segunda prima pelo resultado final, dando menos relevância às garantias processuais, permitindo, dessa forma, que o magistrado tenha maior liberdade e poder de inovação. Assim, analisando o cenário jurídico brasileiro sob uma perspectiva macro, a postura garantista do judiciário importaria em maior segurança jurídica aos tutelados, uma vez que diminuiria a margem de subjetividade das análises judiciais.

Dentro dessa perspectiva, foi analisada a questão do arbitramento dos honorários sucumbenciais com ênfase nas alterações trazidas pelo CPC/15, principalmente a respeito das hipóteses de arbitramento por equidade, as quais foram substancialmente suprimidas.

Entretanto, verifica-se na prática forense que os magistrados ainda relutam em aplicar a legislação processual na forma como estabelece os honorários sucumbenciais, apresentando injustificada resistência à evolução trazida pelo código processual mais recente.

Nota-se a presença do viés ativista em várias decisões, sobretudo nas de primeiro grau, em que o juiz, ao se deparar com causa de maior monta, invoca, sem maiores explanações, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para arbitrar honorários em patamar inferior ao mínimo estabelecido pela lei.

É imprescindível, portanto, que se adote uma postura mais garantista, inclusive, por meio de julgamento em sede de recurso representativo de controvérsia pelo STJ, órgão que sedimentou entendimento no sentido ora exposto, para estabelecer que os honorários advocatícios sucumbenciais só poderão ser arbitrados por equidade, fora dos limites previstos no art. 85, § 2º, nos casos do § 8º do mesmo dispositivo legal, quais sejam: quando o valor da causa é muito baixo ou quando seu proveito econômico é irrisório ou impossível de se estimar (inestimável).

Fora dessas hipóteses, o arbitramento de honorários sucumbenciais por equidade é manifestamente ilegal por desrespeitar os limites impostos pela legislação processual, a qual os define, inclusive, como verba alimentar.

__________ 

*Luiz Otávio de Souza Jordão Emerenciano é advogado, sócio-fundador do Leite & Emerenciano Advogados.

 

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