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As sociedades simples e os advogados

Talvez pela aparente falta de repercussão econômica do tema, poucos têm se dedicado ao estudo das sociedades simples – e os poucos que as têm examinado, só reservam críticas à sua inclusão em nosso sistema, importada que foi da Itália e da Suíça.

31/10/2003

As sociedades simples e os advogados

 

Mauro Caramico*

 

Talvez pela aparente falta de repercussão econômica do tema, poucos têm se dedicado ao estudo das sociedades simples – e os poucos que as têm examinado, só reservam críticas à sua inclusão em nosso sistema, importada que foi da Itália e da Suíça.

 

Há, de fato, alguma dificuldade em se compreender a bipartição entre sociedades simples e empresárias, que substitui a antiga dicotomia entre sociedades civis e comerciais, divididas pela prática dos chamados atos de mercancia. Essa diferença, hoje, não subsiste: tanto as simples, como as empresárias, podem comerciar e prestar serviços, indistintamente.

 

Há ainda maior dificuldade, quando se percebe que o artigo 983, do novo Código, prevê que a sociedade simples poderá ser pura, subordinando-se às suas próprias normas, ou poderá adotar “um dos tipos regulados nos artigos 1.039 a 1.092”, daquele Diploma, ou seja, poderá, a princípio, ser simples em nome coletivo, simples limitada, simples em comandita simples, simples anônima ou simples em comandita por ações.

 

Não é bem assim, contudo: o artigo 982, § único, do Código Civil, prevê que as anônimas, seja qual for o seu objeto, serão consideradas empresárias (e as em comandita por ações, por absoluta afinidade, devem ter o mesmo destino). Por isso, será impraticável criar-se uma sociedade simples anônima ou simples em comandita por ações.

 

Mas a confusão está criada, a ponto de o próprio Professor Miguel Reale, em artigo recente para “O Estado de São Paulo”, afirmar que “a sociedade simples pode ter amplíssima configuração normativa, só não podendo ser cooperativa” – quando o mesmo artigo 982, § único, prevê que as cooperativas, independentemente do objeto que tenha, consideram-se simples. No mesmo texto, aliás, o Professor, conquanto ressalve que pareça pouco provável a efetiva adoção do tipo, prevê que poderão constituir-se, até, as simples anônimas. Remanesce a dúvida, que merece novas luzes do nosso maior jurista.

 

Mas não se deve perder de vista que, além de haver expressa previsão legal, que considera empresária a sociedade anônima, e simples, a cooperativa, também se há de levar em conta a natureza de cada um dos tipos: a sociedade simples, dada a sua conformação, é sociedade de pessoas, por excelência (daí afeiçoar-se às cooperativas), enquanto na anônima, onde prepondera o capital, não há espaço para a pessoalidade.

 

As simples, enfim, estarão sempre mais próximas da prestação de serviços. E, como preconiza o Professor Reale, no mesmo artigo, serão, em regra, os serviços, correspondentes à profissão exercida pelos sócios.

 

Nesse diapasão, impossível deixar de concluir que serão sempre simples, as sociedades de advogados: primeiro, porque o Estatuto (artigo 15) permite aos advogados que se reúnam em “sociedade civil”, agora extinta e, per fas ou nefas, substituída pelas simples; segundo, porque a advocacia, por natureza, é, e deve ser, personalíssima e, portanto, não pode, nunca, tornar-se atividade empresarial, jungida à associação de sócios capitalistas.

 

Por isso, todas as sociedades civis de advogados, até o início do mês de janeiro próximo, deverão adequar seus contratos, transmudando-se em sociedades simples, pena de se tornarem irregulares.

 

A imensa maioria das sociedades advocatícias – nela inclusos os mega-escritórios – certamente estará inclinada a limitar a responsabilidade dos sócios ao capital social integralizado e a constituir-se segundo as regras das limitadas.

 

Mas não é demais lembrar que o Estatuto do Advogado não foi derrogado. E, segundo o seu artigo 17, “além da sociedade, o sócio responde subsidiária e ilimitadamente pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia”.

 

Ou seja: nos contratos de sociedades simples de advogados, será minimamente ineficaz, senão nula, a limitação da responsabilidade dos sócios, no que respeita aos danos causados aos clientes no exercício da advocacia.

 

Por isso, dar à sociedade civil de advogados a conformação de sociedade simples limitada, pode não ser a melhor idéia: aos advogados não aproveita a maior vantagem das limitadas (que é, obviamente, a limitação da responsabilidade patrimonial). Em compensação, virão todos os novos entraves que acompanham as limitadas: reuniões ou assembléias, apresentação de contas, quorum mínimo de 75% para a modificação do contrato social, etc..

 

Enfim, como a principal característica das sociedades simples puras é, justamente, a participação pessoal dos seus componentes; como a advocacia deve afastar-se, sempre, das estruturas empresariais que abrigam capitais, e como a advocacia, ainda é, por definição, prestação personalíssima de serviços, simples e puras deverão ser as sociedades entre advogados. Até no melhor sentido dessas palavras.

 

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* Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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