Nas últimas eleições majoritárias e proporcionais de 2018 observou-se que a temática da segurança jurídica, cláusula pétrea elementar a um estado de Direito e a uma economia que se diz liberal, teve papel preponderante na escolha de determinados candidatos em detrimento de outros.
Sob prisma estritamente ligado ao direito administrativo sancionatório do consumidor propriamente dito, referido mote se revela com maior clareza e figura como imprescindível, na medida em que o equilíbrio entre este primado e a proteção conferida ao consumidor representa o abismo que separa economias desenvolvidas e sólidas das economias deficitárias, instáveis, cujos aparelhos estatais, no mais das vezes, comprometem o desenvolvimento local com sua fúria político-arrecadatória, comumente travestida de “política tutelar”.
É sabido que os estados desta República Federativa em que vivemos se servem de seus respectivos órgãos e entidades, notadamente dos Ministérios Públicos, PROCONS e fundações congêneres, para exercerem a efetiva tutela dos interesses de seus consumidores, seja através dos chamados Termos de Ajustamento de Conduta – TAC's, seja através de multas, logo convoladas em execuções fiscais.
No estado de Minas Gerais, entretanto, recentemente se observou situação bastante peculiar.
Referido estado surpreendentemente elegeu um chefe de Poder Executivo tido como alinhavado com ideários economicamente liberais. Em outras palavras, o executivo daquele estado, ao menos em tese, possui uma rara oportunidade de se posicionar como efetivo polo economicamente liberal, realmente capaz de atrair investimentos e, consequentemente, desenvolver-se, sem abrir mão de proporcionar a tutela que lhe cabe em relação aos seus consumidores.
Como consectário lógico, seria de se esperar que o novo governador, coincidentemente pertencente a partido político igualmente novo em idade e nomenclatura, sancionasse o projeto de lei estadual 5.236/18, cujo teor fixava prazo prescricional intercorrente para os processos administrativos, em especial os de índole sancionatória, o que decerto conferiria segurança jurídica aos administrados e não os deixaria à mercê dos sabores e dissabores próprios do funcionamento da máquina estatal1.
Seria, também, uma forma de conter a intensa judicialização que permeia o assunto. A ausência de lei estadual fez com que os Tribunais Superiores, uma vez provocados, ora entendessem pela aplicação por extensão da lei federal 9.783/99 aos estados, lei esta que fixa prazo prescricional intercorrente de 3 (três) anos para assuntos afeitos à esfera federal, ora entendessem pela aplicação do prazo previsto no quase secular decreto 20.910/32, que é de 5 (cinco) anos, mas diz respeito a pretensões punitivas contrárias ao estado, e ora entendessem simplesmente por não aplicar lei alguma à matéria, relegando o tema à imprescritibilidade e eternização processuais.
Entretanto, o que se notou foi exatamente o oposto. Em seus primeiros dias de mandato, o novo Governador simplesmente vetou o aludido projeto de lei na sua integralidade, ao precípuo argumento de que não pareceria prudente a possibilidade do perecimento de significativo montante de recursos públicos relacionados à constituição do crédito não tributário estadual.2
Ora, não obstante o calamitoso estado em se encontram as contas públicas daquele estado, fruto de políticas e escolhas no mínimo equivocadas, não parece ser a melhor saída para essa crise carrear os ônus dessas despesas sobre os ombros do empresariado local, que já se vê usualmente ou às voltas com tributos extorsivos, ou às voltas com burocracia de toda a sorte, ou às voltas com multas consumeristas totalmente desproporcionais às ditas “práticas infrativas”.
Trata-se, na realidade, de uma política de expiação, cujo teor revela flagrante violação ao primado da segurança jurídica. Porém, desta vez ela se apresenta com uma agravante oriunda exatamente de quem se menos esperava: de um novo mandatário que, agindo contraditoriamente já ao início do mandato, prejudicou justamente o eleitorado que o elegeu, logo em seus primeiros dias de governo.
É sabido que o projeto de lei voltará ao crivo da Assembleia Legislativa daquele estado para análise do veto executivo. Espera-se que agora os Parlamentares locais, imbuídos de um profundo espírito de sabedoria e bom senso, não se deixem influenciar por paixões ou arroubos midiáticos e entendam de uma vez por todas que o empresariado local, antes de ser visto como um inimigo e causador de tragédias, é força motriz imprescindível à recuperação da economia local. Tais quais os demais cidadãos mineiros, faz ele jus à segurança jurídica e aos demais princípios liberais de ordem econômica que lhes são garantidos por nossa Constituição.
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1 Projeto de Lei disponível em clique aqui (acessado em 18/03/2019)
2 Razões de veto disponíveis em clique aqui (acessado em 18/03/2019).
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*Felipe Garófalo é advogado no escritório LTSA Advogados.