O desastre de Brumadinho completou 50 dias na semana passada e uma das principais discussões em voga diz respeito às indenizações que deverão ser pagas às famílias das vítimas ou às próprias vítimas, caso tenham sobrevivido.
Nessa esteira, a 5ª Vara do Trabalho de Betim/MG determinou o bloqueio de R$ 1,6 bilhões para assegurar pagamentos e indenizações trabalhistas.
No entanto, até o momento, não se chegou a nenhum acordo sobre valores.
Sob o enfoque trabalhista, entendemos que existem diversos danos passíveis de indenização, levando-se em conta exclusivamente os empregados da Vale.
De um lado, temos os danos patrimoniais, caracterizados por algum tipo de prejuízo financeiro às vítimas e/ou suas famílias.
Dentre os danos patrimoniais, podemos citar: (i) lucros cessantes e (ii) danos emergentes.
- Lucros cessantes são os prejuízos causados pela interrupção de uma atividade economicamente rentável e necessária para a manutenção de um núcleo familiar. Trata-se, na essência, de uma indenização pelo que o lesado deixará de ganhar, em decorrência de culpa, omissão, negligência, dolo ou imperícia de outrem.No caso em análise, os lucros cessantes devem se traduzir, pelo menos, no pagamento de uma indenização calculada com base na expectativa de vida média do cidadão brasileiro, de acordo com o IBGE, ou seja, multiplica-se o valor da remuneração anual do empregado pelo número de anos que deixou de trabalhar.
- Danos emergentes são os caracterizados pelo prejuízo material, imediato e mensurável sofrido pela vítima e/ou sua família, consubstanciados em despesas hospitalares, honorários médicos, tratamentos de saúde, funeral, jazigo, remoção do corpo, etc.
De outro lado, temos os danos extrapatrimoniais, ou seja, aqueles que são monetariamente imensuráveis e afetam os princípios correlatos à dignidade da pessoa humana.
Nesse ponto, é importante destacar que a CLT, após a reforma trabalhista que entrou em vigor em novembro/17, trouxe um capítulo inteiramente novo para tratar exclusivamente dessa modalidade de dano.
Note-se, ainda, que a lei adota a denominação “dano extrapatrimonial” e não “dano moral”. A utilização dessa expressão não é despropositada. Pretendeu o legislador ampliar a abrangência da lei para todo e qualquer dano que não seja patrimonial. Em resumo, não se tratando de dano emergente ou de lucro cessante (modalidades de dano patrimonial, conforme visto acima), incidirá a aplicação do novo artigo 223-E, da CLT, para todo e qualquer subtipo de dano extrapatrimonial identificado.
Dessa forma, podemos afirmar que o dano extrapatrimonial se divide nos seguintes subtipos: (a) dano moral; (b) dano estético; (c) dano existencial; e (d) dano social.
- Dano moral é a lesão a direitos de personalidade, uma violação a um estado psíquico do indivíduo. Embora esteja normalmente vinculado à dor, ao sofrimento, à tristeza, o dano moral não está restrito a esses elementos, se estendendo a todos os bens personalíssimos constitucionalmente tutelados.
- Dano estético é a lesão à integridade física da vítima. É, portanto, definido na doutrina como toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do “aleijão”, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um “afeamento” da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa.Importante aqui esclarecer que referida modalidade de dano apenas será indenizável em casos de vítimas que sobreviveram ao desastre e que ficaram com algum tipo de sequela física aparente.
- O dano existencial é configurado pela lesão que atinge as perspectivas pessoais de vida da pessoa humana, de forma a vulnerar o seu modus vivendi, frustrando as expectativas e os objetivos de vida perseguidos pelo indivíduo.Apesar de conceitos bem próximos, é possível diferenciar o dano existencial do moral, eis que este se vincula ao aspecto subjetivo, ao sofrimento psicológico causado pelo ato danoso, enquanto que aquele se configura como objetivo, porque decorrente de modificação de aspectos exteriores, do comportamento do indivíduo, que se vê obrigado a conviver com uma perspectiva não desejada e, às vezes, até insuportável.
- Por fim, temos o dano social, que decorre de comportamentos reiterados que causam um mal-estar social, resultando em um rebaixamento no nível de vida da coletividade.
A doutrina traduz o dano social como lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição da qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se por atos que reduzem as condições coletivas de segurança ou que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.Trazendo essa definição para o caso concreto, temos que a população do entorno da barragem ficou extremamente prejudicada no âmbito social, já que casas, comércios e propriedades produtivas foram destruídas, dizimando a atividade econômica da cidade, o que deve ser objeto de indenização.
Especificamente com relação a esse dano, por existir uma coincidência entre o agente causador do dano e o empregador, as vítimas sobreviventes que eram empregadas também podem requerer a indenização pelo dano social, a exemplo de outras pessoas prejudicadas, mas que não eram empregadas da Vale.
Outra modalidade de dano, advinda de construção doutrinária e jurisprudencial e embasada no direito comparado (uma vez que a origem dessa teoria ocorreu na França) é a perda de uma chance1, que se trata da frustração de uma oportunidade de ganho patrimonial ou da redução de uma vantagem, por ato ilícito de terceiro.
Essa teoria constitui situação em que a prática de um ato ilícito ou o abuso de um direito impossibilita a obtenção de algo que era esperado pela vítima, seja um resultado positivo ou a não ocorrência de um prejuízo, gerando um dano a ser reparado.
Assim, quando provocado um ato ilícito, é notável que esse ato interrompe inesperadamente o modus vivendi da vítima, lhe frustra uma oportunidade de obter um benefício, sendo que, nesse caso, a indenização devida se dá pela chance perdida e não pela vantagem final esperada.
Concluindo, é fato que a reforma trabalhista trouxe parâmetros para o cálculo da indenização decorrente de danos na esfera extrapatrimonial, o que inexistia anteriormente (o arbitramento ficava a cargo do juiz). No entanto, não é correto afirmar que cada vítima e/ou família receberá apenas 50 salários a título de indenização, uma vez que, para cada subtipo de dano extrapatrimonial devidamente comprovado, deverá incidir um valor de indenização correspondente.
Outro ponto de atenção com relação a essa questão diz respeito à controvérsia que paira sobre a modalidade de extinção dos contratos de trabalho dos empregados falecidos.
Em tese, em caso de falecimento do empregado, o contrato de trabalho automaticamente se extingue, com o consequente pagamento das verbas rescisórias equivalentes ao pedido de demissão (saldo de salário, 13º salário, férias proporcionais + 1/3, salário família, férias vencidas + 1/3 para empregados com mais de um ano de contrato).
Além das verbas acima listadas, a família fica autorizada a sacar o saldo da conta vinculada do FGTS.
No entanto, entendemos que, para o caso em análise, seria possível sustentar a existência de uma “justa causa” do empregador, que deu causa à morte do empregado, devendo a rescisão assumir os contornos de uma rescisão indireta, em que seriam devido, além das verbas acima elencadas, o pagamento do aviso prévio e da multa do FGTS.
Por fim, é preciso, ainda, analisar como ficará a situação dos empregados sobreviventes, uma vez que o local de trabalho foi completamente destruído e não há qualquer previsão de reconstrução em um futuro próximo.
Nesses casos, vislumbramos dois cenários: (1) a rescisão dos contratos de trabalho que, ao nosso ver, devem ocorrer por rescisão indireta por justa causa do empregador; ou (2) a transferência dos empregados para outros estabelecimentos da empresa, que poderá ocorrer sem a anuência do empregado, por se tratar de uma das hipóteses de exceção (extinção do estabelecimento em que trabalhava o empregado).
Além disso, entendemos ser possível a alegação da Teoria do Fato do Príncipe (factum prinicipis) para sustentar que a empregadora, através de sua conduta culposa, provocou um desequilíbrio na relação contratual, impedindo a satisfação das obrigações por parte dos empregados, devendo ser responsável pelo pagamento dos salários, para os empregados sobreviventes, até que um dos cenários acima seja implementado.
Sob a ótica trabalhista, entendemos que essas são as questões mais relevantes advindas do desastre ocorrido em Brumadinho. Como visto acima, são questões polêmicas e ainda não pacificadas pelo nosso ordenamento jurídico e que, em breve, terão diversos novos desdobramentos.
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1 Importante ressaltar que a jurisprudência ainda não firmou um entendimento acerca da classificação da indenização pela perda de uma chance, as concedendo ora a título de dano extrapatrimonial, ora a título de dano patrimonial, razão pela qual optamos por destaca-la de forma independente.
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*Ana Lúcia Pinke Ribeiro de Paiva é sócia do Araújo e Policastro Advogados.
*Marília Chrysostomo Chessa é advogada do Araújo e Policastro Advogados.
*Flavia Sulzer Augusto Dainese é advogada do Araújo e Policastro Advogados.