Definir valor da outorga em concessões públicas é um desafio econômico-financeiro com reflexos jurídicos. Tal valor pode ser traduzido como o “preço do contrato”, ou seja, o montante que o concessionário deve pagar para ter o direito de explorar determinada infraestrutura. Ocorre que essa precificação leva em conta variáveis de difícil determinação, como demanda e custo efetivo do investimento, este no mais das vezes não detalhado nos processos licitatórios. Portanto, é muito difícil chegar ao valor justo dos contratos, o que dificulta sua financiabilidade e aumenta a probabilidade de pleitos de reequilíbrio. O objetivo da presente reflexão é propor um modelo de outorga que mitigue essas ocorrências.
II. O fato: Outorgas lastreadas em incertezaO principal problema na precificação das outorgas fixas está no fato de serem lastreadas em incerteza e não em risco. Risco é a dimensão previsível do aleatório, enquanto incerteza está no campo do que não se prevê.1 Previsibilidade, como capacidade de antever o futuro, é tão mais esotérica quanto mais variáveis são levadas em consideração.2 Oscilações macroeconômicas no Brasil, por exemplo, são imprevisíveis, dada a nossa histórica instabilidade político-institucional e a nossa imaturidade empresarial (informalidade, corrupção, falta de aprofundamento técnico etc.).
É fato, pois, que as outorgas fixas, por serem permeadas por incerteza, não traduzem o valor justo dos contratos de concessão. Insistir nesse formato aumenta o custo de capital dos projetos e reduz sua atratividade.
III. A alternativa: Outorga ajustávelDiferentemente do risco, a incerteza, na essência, não se aloca: gerencia-se. Toda vez que a outorga nas concessões é fixa, a incerteza fica carregada sobre o concessionário. Como isso compromete o valor justo do contrato, a alternativa é estabelecer outorga ajustável.
O valor da outorga deve estar fundado em uma premissa contratual, como histórico de demanda. No caso de um aeroporto, por exemplo, pode-se definir o valor com base em número de passageiros. Estabelecem-se, então, bandas de variação desse número dentro das quais o impacto contratual vai sendo distribuído entre as partes. Por exemplo, se a demanda variar 10% para cima ou 10% para baixo, nada acontece. Uma variação entre 10% e 20% seria absorvida 60% pelo concessionário e 40% pelo poder concedente; uma variação entre 20% e 30% seria distribuída meio a meio; e assim por diante.
Nesse formato, o privado paga o valor de outorga oferecido no leilão tendo como base o histórico de demanda, mas esse valor vai sendo ajustado via descontos ou acréscimos na outorga variável, usualmente calculada com base nas receitas da concessão. Ou seja, se a demanda cair, o concessionário paga menos outorga variável não somente em função da frustração de receita, mas também para ajustar o valor pago no leilão. Se a demanda subir, ocorre o inverso: o concessionário paga mais outorga variável tanto em função do aumento de receita como para recalibrar o “preço do contrato”. A aferição das bandas deve ocorrer em períodos contratuais determinados (a cada triênio, por exemplo).
Assim, a outorga ajustável torna-se referência ponderada do justo valor econômico do contrato, entendido como sua capacidade efetiva (e não apenas potencial) de geração de receita. Com isso, diminui-se a necessidade de exercícios de futurologia nas modelagens e, por consequência, mitiga-se a ocorrência de pleitos de reequilíbrio.
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1 Cf. ZANCHIM, Kleber Luiz. Contratos de PPP: Risco e Incerteza. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 39.
2 Cf. TALEB, Nassim Nicholas. The Black Swan: the impact if the highly improbable. New York: Random House, 2007, p. xxiv.
3 Cf. TEIXEIRA, L. M. A. Proposta de mecanismo para mensuração de valor de outorga em concessões aeroportuárias. Tese de Doutorado em Transportes apresentada ao Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília. Brasília, 2018, p. 12.
4 Cf. LANA, B. C. Análise do fluxo de veículos e cronograma de investimentos em concessões rodoviárias. Dissertação de mestrado apresentado ao Departamento de Geotecnia e Transportes da Universidade Federal de Minas. Belo Horizonte, 2014, p. 79.
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*Kleber Luiz Zanchim é especialista em projetos estruturados e distressed deals. Sócio de SABZ Advogados .