O tema abordado no presente estudo pressupõe estruturação em que pessoa(s) física(s) figure(m) proprietária(s) de holding pura sujeita ao Lucro Real, a qual, por seu turno, tenha participação societária em pessoa jurídica diversa, porém sob o mesmo regime tributário, para que, neste cenário, possam ser avaliados os impactos tributários do pagamento dos denominados juros sobre o capital próprio (JCP), primeiramente da pessoa jurídica citada à holding e, em momento posterior, dela ao(s) seu(s) sócio(s) pessoa(s) física(s). Ademais, para melhor compreensão, a demonstração dos reflexos desta sequência de operações terá comparativo à hipótese de pagamento dos JCP por pessoa jurídica apenas à sócia pessoa física, quando inexistir holding na estruturação societária.
Preliminarmente, cumpre salientar que o termo holding, oriundo da locução verbal, em língua inglesa, to hold1, é compreendido, em sua acepção mais “pura”, por aquela pessoa jurídica constituída com o escopo de obter participação societária em outras empresas, sem que hajam, propriamente, atividades operacionais, tais como as de venda de produtos e/ou de prestação de serviços.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a atividade empresarial da holding pura se concentraria na aquisição, alienação e manutenção da titularidade de participações societárias, sendo que a finalidade de sua criação seria a própria administração de seus investimentos, notadamente as ações/cotas que detenha em outras pessoas jurídicas, isto sem contar que o manuseio deste tipo empresarial pode garantir uma melhor estrutura organizacional a grupos econômicos, além da possibilidade de realização de planejamentos diversos, incluindo-se os sucessórios.
Ante as noções descritas anteriormente, parece-nos evidente que a holding se encontra em posição intermediária entre a(s) pessoa(s) física(s) titular(es) de suas cotas/ações e cada uma das pessoas jurídicas nas quais ela (holding) detenha participação societária2. Afinal, inexistindo relação direta de pessoa jurídica em que a holding mantém participação societária e determinada pessoa física sócia da holding, qualquer remuneração a ser percebida pela pessoa física, que seja oriunda da atuação da empresa investida, fica condicionada ao recebimento prévio da holding.
Adentrando às formas de remuneração de sócios por suas respectivas pessoas jurídicas, destacam-se, sobretudo, os denominados pró-labore e dividendos, assim como os JCP, estes últimos consubstanciando em objeto do presente artigo.
No tocante ao destinatário dos JCP, insta esclarecer que o pagamento pode ser efetuado a qualquer dos sócios da pessoa jurídica, independentemente destes caracterizarem-se como pessoas físicas ou jurídicas, desde que tenha sido auferido lucro (artigo 9º, § 2º, da lei 9.249/95), ainda que acumulado de outros exercícios, bem como seja respeitado, tratando-se de pessoa jurídica sujeita ao regime de tributação do Lucro Real, o limite de dedutibilidade da referida despesa, a saber, aquele correspondente ao menor valor dentre: (i) a multiplicação entre o Patrimônio Líquido da pessoa jurídica (vide rol de contas contábeis descritas no artigo 9º, § 8º, da lei 9.249/95) e a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) do período; e (ii) o maior montante entre (a) 50% (cinquenta por cento) dos lucros auferidos no exercício e (b) 50% (cinquenta por cento) das reservas de lucros e lucros acumulados.
Procedendo-se ao adequado aprofundamento atinente ao tratamento tributário da espécie remuneratória em questão, importante mencionar que, além da supracitada dedutibilidade para fins de imposto sobre a renda da pessoa jurídica, a qual encontra embasamento nos artigos 9º da lei 9.249/95, 355 do decreto 9.580/18 e 75 da instrução normativa 1.700/17, os JCP sofrem retenção do imposto sobre a renda (IRRF), aplicando-se alíquota de 15% (quinze por cento) na data do pagamento ou crédito ao beneficiário, consoante o teor do artigo 9º, § 2º, da lei 9.249/95.
Desta feita, apesar da necessária incidência do IRRF na operação, diferentemente, por exemplo, do pagamento de dividendos, que atualmente são isentos, ex vi o artigo 10 da lei 9.249/95, os JCP são, em muitas oportunidades, visualizados como boa alternativa remuneratória aos sócios, tendo em vista que, sem desconsiderar a necessidade de retenção em percentual de 15% (quinze por cento), a título de IRRF, a dedutibilidade do dispendido, dentro dos parâmetros legais, garante redução do lucro tributável apurado pela empresa, reduzindo-se, assim, a base de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa jurídica (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), tributos que possuem, a grosso modo, alíquota conjunta de 34% (trinta e quatro por cento).
Assim sendo, considerando todas as partes envolvidas num aspecto global, os JCP permitiriam uma economia de 19% (dezenove por cento), em virtude da dedutibilidade em percentual de 34% (trinta e quatro por cento) de seu valor, ao passo que, em contrapartida, aplicar-se-ia tributação de 15% (quinze por cento), por conta do IRRF, nos termos já argumentados.
Entretanto, o raciocínio apresentado traduziria a dinâmica aplicável ao pagamento dos JCP realizado por pessoa jurídica a sócio pessoa física, sendo que, na eventualidade de pagamento da referida remuneração a outra pessoa jurídica detentora de participação societária na empresa pagadora, mormente as holdings, o quadro será distinto, verificando-se os impactos tributários abordados na sequência.
Na hipótese de uma holding pura sujeita à tributação pelo Lucro Real figurando como recebedora dos JCP e pagadora desta remuneração, em mesma monta, aos seus sócios pessoas físicas, persistirá o direito ao abatimento da aludida despesa do lucro apurado da empresa, pois nada mais estará fazendo do que remunerando seus sócios, tornando-se aplicável, in casu, as normas atinentes à dedutibilidade dos JCP.
No que se refere à eventual receita auferida pela citada holding, em decorrência da remuneração obtida por meio dos JCP, esta será “anulada” pelo respectivo e idêntico pagamento (dos JCP aos sócios da holding), na medida em que, observados os requisitos legais, haverá dedutibilidade da importância paga a título de JCP, e coincidindo-se os montantes do recebimento e do pagamento dos JCP, inexistira lucro na operação da holding, resultando na desnecessidade de recolhimento do IRPJ e da CSLL.
Relativamente ao dispêndio dos JCP aos seus sócios, a holding deverá, igualmente, considerar a retenção de 15% (quinze por cento) sobre o valor em função do IRRF, contudo, lhe é permitida a compensação com o imposto retido anteriormente pela pessoa jurídica que a remunerou, também, pelos JCP, inteligência do artigo 9º, § 6º, da lei 9249/95.
Superados os pontos tratados anteriormente, a grande questão concerne à eventual incidência do PIS e da Cofins sobre a potencial receita advinda do recebimento dos JCP pela holding pura sujeita ao regime tributário do Lucro Real.
A priori, vale destacar que as pessoas jurídicas tributadas pela sistemática do Lucro Real deverão, em regra, observar o regime não cumulativo quanto ao PIS e à Cofins, excetuando-se somente as hipóteses legais expressas à obediência do regime cumulativo destas contribuições, conforme previsão do artigo 10 da lei 10.833/03.
Nessa perspectiva, havendo reconhecimento dos JCP como receita tributável na holding, as alíquotas aplicáveis de PIS e Cofins sobre esta base corresponderiam, respectivamente, a 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) e a 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento), consoante o conteúdo dos artigos 2º das leis 10.637/02 e 10.833/03.
Especificamente no que diz respeito aos JCP integrarem ou não a base tributável do PIS e da Cofins, o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se nos autos do REsp 1200492/RS, em sede de recurso repetitivo, no sentido de que os JCP devem compor o montante tributável das citadas contribuições. Mesmo que em votação não unânime, entendeu-se, em suma, que houve ampliação da base de cálculo do PIS e da Cofins, permitindo-se a inclusão da totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, com o advento da emenda constitucional 20/98, e, posteriormente, das leis 10.637/02 e 10.833/03, culminando na compreensão de que o JCP não pode ser deduzido (ou excluído) da base de cálculo destas contribuições, conforme a seguinte tese firmada:
[...]
2. Tese julgada para efeito do art. 543-C, do CPC: não são dedutíveis da base de cálculo das contribuições ao PIS e Cofins o valor destinado aos acionistas a título de juros sobre o capital próprio, na vigência da lei n. 10.637/02 e da lei n. 10.833/03.3
O fato de a mencionada tese ter sido desenvolvida em acórdão proferido sob a égide de recurso repetitivo obriga o respeito e a aplicabilidade dos demais órgãos do Poder Judiciário, assim como da esfera administrativa, seja no âmbito da fiscalização (auditores fiscais), seja na seara de julgamento de procedimentos administrativos fiscais (DRJs e CARF).
Diante disso, cabe aos magistrados e demais julgadores, em se deparando com situações semelhantes, aplicar o determinado pelo Superior Tribunal de Justiça ao caso concreto. Exatamente na linha do definido pela Corte Superior, citamos acórdão proveniente de decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª (terceira) Região (TRF-3), que abordou a problemática dos JCP sobre o PIS e a Cofins, no âmbito das holdings:
AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA - TRIBUTÁRIO - PIS E Cofins - HOLDINGS - JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO: INCIDÊNCIA DE TRIBUTAÇÃO, MATÉRIA APRECIADA SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS - ENQUADRAMENTO EMPRESARIAL NO REGIME DA NÃO-CUMULATIVIDADE PREVISTA NAS LEIS 10.637/02 E 10.833/03 - ESTRITA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA - IMPROCEDÊNCIA AO PEDIDO - IMPROVIMENTO À APELAÇÃO
[...] não se há de falar em exclusão da base de cálculo dos juros sobre capital próprio, matéria já apreciada sob o rito dos Recursos Repetitivos, RESP 201001169433. Precedente.
[...]
11. As leis 10.637/02 (PIS) e 10.833/03 (Cofins) foram editadas com a finalidade de tratar da não-cumulatividade dos tributos enfocados, sendo que as empresas impetrantes, que ostentam a natureza de holdings, estão sujeitas à tributação pelo lucro real, fls. 03, primeiro e segundo parágrafos, não estando excluídas do regime da não-cumulatividade (não figuram no art. 8º, 10.637/02, nem no art. 10, 10.833/03)4.
Em conclusão, visualiza-se como inafastável a tributação pelo PIS e pela Cofins sobre o montante recebido, a título de JCP, pela holding pura, na medida em que inexiste previsão legal à exclusão da base de cálculo das contribuições, além da jurisprudência ter sedimentado entendimento de maneira desfavorável ao contribuinte.
Por conseguinte, teremos, como resultado prático, uma redução na potencial economia tributária global em comparação às hipóteses de remuneração, pelos JCP, de pessoa jurídica diretamente à sócia pessoa física, portanto, sem a presença de empresa holding. Afinal, enquanto a operação com a ausência de holding pode garantir economia de 19% (dezenove por cento) na operação, conforme explanado ao longo deste texto, estando presente pessoa jurídica definida como holding pura, sujeita ao regime tributário do Lucro Real, este “benefício”, considerando todas as pessoas, físicas e jurídicas, integrantes das operações realizadas, seria reduzido para 9,75% (nove inteiros e setenta e cinco centésimos por cento), posto que seriam consideradas a dedutibilidade em percentual de 34% (trinta e quatro por cento), em contraponto à 15% (quinze por cento) de IRRF, o qual seria custeado uma única vez, tendo em vista a possibilidade de compensação tributária (artigo 9º, § 6º, da lei 9249/95), e à tributação, na holding, do PIS e da Cofins sobre a importância recebida de JCP, numa alíquota total de 9,25% (nove inteiros e vinte e cinto centésimos por cento), que é resultante da soma das alíquotas de cada uma das contribuições, correspondentes, respectivamente, a 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) e a 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento).
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1 Segundo o dicionário de Cambridge, significa: segurar, agarrar, prender, manter, dentre outros. Último acesso em 19/03/2019.
2 Com pensamento semelhante, é declarado que: A holding é o elo entre o empresário e família e o seu grupo patrimonial. in LODI, Edna Pires e LODI, João Bosco. Holding. 4ª edição, revisada e atualizada. São Paulo: Cengage Learning, 2011, p. 1.
3 REsp nº 1200492/RS, STJ, Primeira Seção, Relator(a): Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Mauro Campbell Marques, julgamento em 14/10/2015, publicação em 22/02/2016. Último acesso em: 20/03/2019.