Migalhas de Peso

Os EPIS estão com os dias contados

Mais uma vez, uma canetada do Judiciário Trabalhista acaba por criar uma enorme celeuma técnica, obrigando as empresas a investimentos não programados, especialmente num momento em que o país começa a sair do fundo do poço.

26/3/2019

Desde dezembro de 2014, por força do ARE 664.335, julgado pelo STF, os protetores auditivos não mais se prestam a neutralizar os efeitos do ruído, nos casos de aposentadoria especial.

O mais incompreensível deste julgamento é que se tratava de uma ação individual, impetrada em Chapecó/SC, na qual havia vários amici curiae (amigos da corte) em favor do segurado litigante e, nenhuma empresa ou entidade em favor da Previdência Social, que foi voto vencido. Para aqueles que tiverem curiosidade, assistam no You Tube o julgamento e verão que os amici curiae do litigante contrataram um dos maiores advogados da área previdenciária do Brasil para defende-los.

A consequência direta deste julgamento é que, a partir de então, as empresas que neutralizassem o nível de ruído acima do limite de tolerância, com os protetores auriculares, deveriam recolher mensalmente o FAE – Financiamento da Aposentadoria Especial – equivalente a 6% sobre a folha de pagamento.

A ação óbvia por parte das empresas seria a implementação imediata da proteção coletiva nos ambientes onde exista elevado nível de pressão sonora. No entanto, não é o que está acontecendo e, a Previdência Social está silente, aguardo os cinco anos da prescrição, para então iniciar o processo de autuação e cobrança de tais valores.

Por outro lado, implementar a proteção coletiva é dispendiosa e certamente não estão incluídos no orçamento das empresas tais investimentos. Neste momento as empresas precisam fazer contas e ver o que custa mais barato: controlar o nível de pressão sonora elevado, por meio da proteção coletiva ou, começar a recolher o FAE equivalente a 6% daqueles segurados que estiverem expostos.

Infelizmente, o mesmo também acontece com os agentes químicos. Não exatamente pela via judicial, mas pelos ditames do Manual de Aposentadoria Especial da Previdência Social, os agentes químicos reconhecidamente cancerígenos do Grupo 1 da lista da Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos – LINACH também constituem exceção, desde que possuam o Chemical Abstracts Service - CAS e que estejam listados Anexo IV do decreto 3.048/99, não podem ser neutralizados, seja pela proteção individual, seja pela proteção coletiva, por força da portaria interministerial MTE/MS/MPS 9, de 2014.

O Manual de Aposentadoria Especial, editado pela resolução INSS 600 de 10/8/17, ainda prescreve que os agentes químicos de avaliação quantitativa, caso dos anexos 11 e 12 da NR 15, se reconhecidamente cancerígenos pela legislação brasileira, também serão desconsideradas as tecnologias de proteção, mesmo se eficazes, de acordo com memorando-circular conjunto 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS, de 23 de julho de 2015.

E a lista não cessa. Agora é a vez dos agentes biológicos. O mesmo manual afirma com todas as letras que “como não há constatação de eficácia de EPI na atenuação desse agente (agente biológico), deve-se reconhecer o período como especial mesmo que conste tal informação, se cumpridas as demais exigências”.

Assim, além do ruído e dos agentes químicos considerados cancerígenos, também os agentes biológicos não terão suas exposições neutralizadas pelo uso dos EPIs, para efeitos previdenciários, ou seja, para a comprovação do tempo para obtenção do benefício da aposentadoria especial.

O manual ainda lembra às empresas de que deve ser observada a hierarquia entre medidas de proteção coletiva, medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho e utilização de tecnologia de proteção individual, nesta ordem. Nos termos do item 6.3 da NR 6, os equipamentos de proteção individual devem ser utilizados somente em três hipóteses: (1) situações de inviabilidade técnica da adoção de medidas de proteção coletiva, (2) enquanto as medidas de proteção coletiva estiverem sendo implantadas e (3) situações de emergência.

Infelizmente grande parte das empresas ainda utilizam o equipamento de proteção individual como primeira opção, por ser uma opção menos custosa, inobservando a hierarquia da lei, correndo o risco de ser autuada pela fiscalização previdenciária e, em caso de descaracterização da proteção individual, tendo de recolher o FAE.

O uso dos EPIs sempre estiveram cercados de vários problemas, desde a especificação incorreta até a descumprimento do item 6.6.1 da NR 6 por parte das empresas, as quais ainda tem utilizado como critério de seleção, exclusivamente o custo. Por outro lado os empregados também se escusam do uso do equipamento ou desviam a correta utilização do equipamento, descaracterizando a proteção pelos equipamentos individuais.

Muitos dos atores sociais em SST, contrariando os preceitos, inclusive internacionais, afirmam que os EPIs não possuem eficácia na neutralização dos agentes nocivos, o que não se trata de verdade, já que a legislação internacional reconhece a atenuação do risco pelo uso dos EPIs.

No entanto, esta virada de opinião soa, no mínimo, incoerente com a necessidade da Previdência que é reduzir as aposentadorias especiais, com vistas a conter seus gastos. Desde 1995 a Previdência Social vem restringindo as aposentadorias especiais através de legislações cada vez mais restritivas; no entanto, os critérios apresentados no Manual de Aposentadoria Especial representam a “abertura das porteiras” para os beneficiários da aposentadoria especial.

Ademais, ao que tudo indica, os critérios previdenciários cada vez mais se aproximam dos critérios trabalhistas e, possivelmente em muito pouco tempo deverão os critérios trabalhistas e previdenciários estarem totalmente harmonizados.

Dispensável falar sobre o impacto para os fabricantes, importadores e comercializadores dos equipamentos de proteção individual, que sofrerão sensível redução nas vendas. E, ainda que a medida esteja restrita à legislação previdenciária, uma vez implementada a medida de proteção coletiva, ela também beneficiará a questão trabalhista, que também deixará de adquirir os equipamentos de proteção individual.

No entanto, enquanto uns choram, outros vendem lenço e, as companhias que vendem proteção coletiva devem se preparar para uma verdadeira explosão de trabalho, vez que as empresas fatalmente estarão adquirindo tais proteções para suas instalações e equipamentos.

Finalmente, é cediço que os equipamentos de proteção individual estão com os dias contados, ao menos para fins previdenciários e, a intenção da Previdência Social é forçar as empresas a fazer uso dos equipamentos de proteção coletivos.

Apesar da previsão legal, o Ministério do Trabalho nunca exigiu das empresas a implementação da proteção coletiva; no entanto, a Previdência Social vem batendo nesta tecla há muitos anos, autuando as empresas para o uso da proteção coletiva, tendo por base a hierarquia das medidas protetivas.

 

E, mais uma vez, uma canetada do Judiciário Trabalhista acaba por criar uma enorme celeuma técnica, obrigando as empresas a investimentos não programados, especialmente num momento em que o país começa a sair do fundo do poço.

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*Antonio Carlos Vendrame é diretor da Vendrame Consultores.

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