A vida social impõe certas regras de conduta que se colocam a certa distância do Direito e também não pertencem à moral, embora possam eventualmente fazer parte dela. São as re-gras sociais, usos decorrentes do decoro ou da polidez, assim como de higiene. Variam no tempo e no espaço. Cada país ou povo tem suas próprias regras e, no curso da história, vão se alterando.
Deve também nesse campo ser levado em conta o que se denomina “linguagem do corpo”. O corpo fala: em um cumprimento, em saudação ou até em uma ofensa. Essas regras, distintas das morais, costumam ser denominadas regras sociais ou de cortesia, mas também podem ser referidas como máximas da vida social, normas de urbanidade, regras de decoro so-cial, convenções sociais, hábitos consagrados etc. (Mário Bigotte Chorão, Introdução ao direito. Coimbra: Almedina, 200, v.1, p.204; Miguel Reale, O direito como experiência. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 56).
Não é muito simples distinguir essas regras de menor espectro das normas morais, porque seus campos se interpenetram, podendo atingir o campo jurídico. Parte da doutrina nega que essas regras possam formar um terceiro gênero, qual seja, uma situação intermediária entre moral e Direito. É fato que não são raras normas jurídicas que interferem nessas condutas impondo ou proibindo certos comportamentos que à primeira vista deveriam passar ao largo do direito, como por exemplo, um aceno de mão significar, conforme as circunstâncias, crime de injúria ou difamação. Lembre-se também da legislação francesa, que não faz muito tempo proibiu vestes de cunho religioso nas escolas, atingindo, principalmente, o véu islâmico. Desse modo, a critério do legislador, quando esses usos interferem na convivência social, podem ser abrangidos por lei.
As regras sociais impõem determinada postura, comportamento, saudação ou vestimenta, dependendo do local e do nível social. Assim também a moda, outro fator de adequação social, que exige certo traje em local e evento apropriados. São facetas e circunstâncias de adequação social, as quais, assim como o Direito e a moral, completam a convivência e permitem que esta seja mais ou menos harmoniosa.
“As chamadas regras de cortesia ou de trato social também pertencem como o Direito e a moral, ao mundo normativo” (Inocêncio Galvão Telles. Introdução ao estudo do direito. 11.ed. v.1 2001.Coimbra: Coimbra editora, p.119). São simples normas de convivência destinadas a torná-la mais agradável e gozam também de sanção, que se traduz numa reprovação social.
O desrespeito a essas regras, que não tocam diretamente a moral e o Direito, mas po-dem com eles se relacionar, acarreta desajuste social perante o grupo. Assim, por exemplo, na maioria dos povos civilizados, não se admite que se inicie refeição sem lavar as mãos. É desajus-tada a pessoa que comparece em evento que convencionalmente exige traje formal com sandá-lias ou em andrajos. Esse desajuste, por vezes, é acintosamente utilizado por grupos que preci-puamente desejam chocar e afrontar as regras sociais e por isso mesmo são marginalizados. Essas regras sociais, conhecidas do grupo, guardam imperatividade e não podem ser desconhe-cidas do intérprete e aplicador do direito quando ora e vez trazem reflexos jurídicos.
Tais regras podem ser convertidas em normas jurídicas quando, por exemplo, estabe-lece-se em templo religioso que não é permitido o ingresso de pessoas com este ou aquele traje, ou em fábrica ou outro local de trabalho quando se exige que os empegados tomem banho ou vistam uniforme antes de ingressar no ambiente.
Conclui Jean-Louis Bergel (Teoria geral do direito, São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 51) que tudo isso não é somente instintivo, mas secretamente regulado. “Se se lhe acrescenta a moral e a religião, constata-se que todas essas regras correspondem a fenômenos de psicologia social resultante de uma pluralidade de sistemas normativos no seio de uma sociedade em cujo espaço social uns se produzem e outros se instalam na consciência individual”. São os chamados folkways, mencionados por sociólogos norte-americanos, maneiras de viver do grupo, de se ves-tir, alimentar, conversar, relacionar etc. Daí por que ao estrangeiro, que não é dado conhecer prontamente esses usos, não deve a sociedade reprová-lo, enquanto não inserido no seu con-texto.
Embora essas regras não sejam geralmente jurídicas, o Direito delas se utiliza, quando necessário, para adequar a interpretação do Direito ao caso concreto: “O Direto tem como par-ticularidade poder apropriar-se de qualquer outra regra social que seja (Jean-Louis Bergel. Ob.cit., p.51).
Recorda Miguel Reale (O direito como experiência. São Paulo: Saraiva, 1968, p.57) que não é indispensável que essas regras de comportamento social ou cavalheirismo sejam pratica-das com sinceridade. Assim, atendem às regras de etiqueta tanto aquele que cumprimenta o amigo com carinho na alma, como aquele que saúda o inimigo mascarando o ódio; “aliás, é o hipócrita quem mais se esmera na prática de atos blandiciosos”. Destarte, seja a lisonja verda-deira ou falsa, o que importa para o convívio é unicamente a exterioridade do ato social nesse caso; desimporta seu conteúdo. Nesse ponto, coincide com o Direito, mas as regras de cortesia não possuem a bilateralidade e a atributividade porque não se pode exigir o seu cumprimento.
Assim sendo, como viver o Direito, viver em sociedade, onde sempre está presente o direito, também é uma arte.
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