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Responsável tributário sem defesa

É inegável que as novidades incluídas pela IN 1.862/18 abrem margem para questionamentos e dão ensejo à proposição de novas ações judiciais.

7/3/2019

Novas regras da Receita Federal sobre responsabilização tributária de terceiros inovam o ordenamento jurídico e, em certa medida, restringem o direito de defesa. A IN 1.862, em vigor desde 28 de dezembro de 2018, prevê quatro novas hipóteses de imputação de responsabilidade fiscal.

Em uma delas, a atribuição poderá recair ao sujeito passivo mesmo após a decisão definitiva que constituiu a dívida, impedindo, dessa forma, a possibilidade de recurso no processo administrativo fiscal.

Nessa hipótese, para eventual impugnação, o sujeito passivo deverá recorrer ao próprio auditor fiscal que lhe imputou o débito, instaurando-se, assim, um procedimento interno na Receita Federal, nos termos do art. 16 e parágrafos seguintes, da norma.

Em última Instância, a apreciação do recurso ficará a cargo da respectiva superintendência regional responsável pela autuação.

São os termos do dispositivo:

Art. 16. É facultado ao sujeito passivo apresentar recurso, nos termos do art. 56 da lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, em face da decisão que tenha imputado responsabilidade tributária decorrente do crédito tributário a que se refere o art. 15.
§ 1º O recurso deve ser apresentado no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da ciência da decisão recorrida, nos termos do art. 56 da lei 9.784, de 1999, e se restringirá ao vínculo de responsabilidade.
§ 2º O recurso será apreciado pelo auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil que proferiu a decisão.
§ 3º Na hipótese de não reconsideração da decisão, o auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil encaminhará o recurso ao titular da unidade.
§ 4º Os recursos fundamentados no art. 56 da lei 9.784, de 1999, contra a decisão proferida pelo titular da unidade, são decididos, em última instância e de forma definitiva, pelo titular da Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil (SRRF).

Entretanto, mais adequado seria, em deferência aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia, que o recurso sobre o qual se discute o vínculo tributário fosse apreciado pela própria instância administrativa onde foi constituído o débito: o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).

Assim, o direito de defesa seria exercido de forma plena, perante um tribunal paritário, que conta com representação equânime entre membros da Fazenda Pública e dos contribuintes.

Aliás, em analogia à hipótese prevista pela IN 1.862/18, outras modalidades de responsabilização tributária intempestivas já foram rechaçadas pelo CARF. Por exemplo, a decisão proferida pela 1° turma da CSRF (Câmara Superior de Recursos Fiscais) — o acórdão 9101-003.446 —, em que os conselheiros declararam nulas, por ofensa ao art. 146, do CTN, autuações complementares visando a imputar um novo responsável tributário.

Isso evidencia um descompasso entre as novas regras da Receita Federal e o entendimento firmado por um órgão “jurisdicional” vinculado ao próprio Ministério da Fazenda.

Além dessa hipótese, a IN 1.862/18 abre outras três ocasiões em que o crédito tributário poderá ser cobrado de terceiro: na rejeição de um pedido de compensação; antes do julgamento na primeira instância do processo administrativo fiscal e, finalmente, nos casos em que há confissão de dívida.

Ocorre que a ampliação desse rol, invariavelmente, implica em inovação do ordenamento jurídico, revelando outro ponto controverso no texto editado pela Receita Federal.

O art. 128, do CTN, é taxativo: elege a lei como única fonte habilitada para definir as hipóteses de responsabilidade tributária de terceiros. Eis a transcrição do dispositivo:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. (Grifo nosso).

Nesse sentido, em respeito ao princípio da legalidade, uma instrução normativa, cuja função consiste em regulamentar a execução da lei, jamais poderia invadir a competência legislativa.

É inegável, contudo, que as novidades incluídas pela IN 1.862/18 abrem margem para questionamentos e dão ensejo à proposição de novas ações judiciais.

Não por acaso, a via eleita para a discussão de uma matéria complexa e de amplos efeitos práticos no exercício fiscal não deveria ser outra senão o Congresso Nacional. 

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*Gustavo Pires Maia da Silva é advogado sócio de Homero Costa Advogados.

*Guilherme Scarpellini Rodrigues é colaborador de Homero Costa Advogados.

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