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Projeto da nova lei de licitações e contratos administrativos: breves considerações sobre as propostas de alterações do regime atual

Espera-se que, com a proximidade da eventual aprovação da nova lei, estas e outras inovações possam ser debatidas pelos operadores do Direito, de modo que os benefícios e as desvantagens de cada uma sejam trazidos ao conhecimento de todos aqueles que celebram ou pretendem celebrar contratos com o Poder Público.

6/3/2019

A Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou recentemente o substitutivo ao PL 1.292/95, que revoga as leis 8.666/93 e 10.520/02, e contempla uma nova disciplina para as licitações e para os contratos administrativos em todo o país. O substitutivo irá agora ao Plenário, podendo ser, inclusive, votado nos próximos meses. Em vista da proximidade de uma eventual aprovação da norma, suas inovações são de especial interesse ao operador de Direito, daí a pertinência de algumas breves reflexões sobre o tema.

 A lei 8.666/93 e suas alterações

Aprovada na esteira do chamado escândalo dos anões do orçamento, a lei 8.666/93 procurou modernizar a legislação brasileira sobre licitações e contratos administrativos, instituindo procedimentos para garantir sua aplicação nas contratações realizadas por todos os níveis da Administração Pública dos mais variados princípios, tais como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a igualdade, a publicidade, a probidade administrativa, a vinculação ao instrumento convocatório, o julgamento objetivo, entre outros.

Não obstante às nobres intenções que inspiraram a sua edição ou até mesmo ao excesso delas, a lei 8.666/93 nasceu com sérias deficiências, tanto que, menos de 2 anos, teve início um longo processo de alterações e atualizações de seus vários dispositivos. É desse processo, por exemplo, a lei 8.883/94, que definiu o conceito de execução indireta de obras e serviços. Ela incluiu como requisito nos projetos de obras e serviços a “adoção de normas técnicas, de saúde e de segurança do trabalho adequadas”; e instituiu a obrigatoriedade da licitação para as doações com encargo, salvo no caso de interesse público justificado.

À lei 8.883/94 se seguiram outras, isso quando a legislação simplesmente não afastou a incidência da lei 8.666/93 em hipóteses específicas, como no chamado Regime Diferenciado de Contratações Públicas, que instituiu normas próprias para obras e serviços associados aos Jogos Olímpicos e à Copa do Mundo.

Em vista de tão variadas alterações modificando o texto original da lei 8.666/93 ou excepcionando o seu campo de incidência, a elaboração de um marco legal com uma nova disciplina - coerente, harmoniosa e atualizada - para as licitações e contratos administrativos é mais do que bem-vinda, daí a importância do substitutivo a ser encaminhado ao Plenário da Câmara dos Deputados.

Uma simples consulta à norma já permite ressaltar importantes modificações ao regime atual, merecedoras de uma breve reflexão sem qualquer pretensão de esgotar as novidades do texto ou analisar todas as implicações de cada uma.

O atraso no pagamento pela Administração

Uma alteração a ser destacada se refere ao direito de o particular rescindir o contrato ou suspender a execução de suas contraprestações em virtude do inadimplemento da Administração. Hoje, nos termos do art. 78, inciso XV, da lei 8.666/93, o particular pode rescindir o contrato ou suspender o cumprimento de suas obrigações somente quando o atraso da Administração superar 90 dias. O substitutivo recentemente aprovado na Comissão Especial da Câmara, por sua vez, autoriza o particular a adotar referidas medidas assim que os atrasos da Administração superarem um único mês (art. 135, §2º, inciso IV, c/c §3º, inciso II, do substitutivo).

A mudança parece de pouca importância, mas não é. Não raro, a dimensão dos contratos públicos demanda do particular uma contínua mobilização de recursos para o seu cumprimento, o que faz com que ele não tenha condições financeiras para aguardar cerca de 3 meses de inadimplemento da Administração antes de se valer da exceção do contrato não cumprido, suspendendo suas obrigações até a normalização da situação, ou mesmo da rescisão do instrumento.

A alteração do prazo atende o clamor de vários operadores do Direito, segundo os quais aguardar o decurso de 90 dias para, só então, se socorrer da exceção do contrato não cumprido ou da rescisão motivada do contrato administrativo pode comprometer a situação econômica do particular e, a depender do objeto contratado, comprometer a própria execução da avença.

Parte da doutrina, a propósito, já defende a possibilidade de rescisão do contrato antes do fim do prazo de 3 meses. Espera-se, assim, que a alteração não só evite situações que podem levar o particular a sérias dificuldades econômicas, mas também incentive mais contratações com a Administração.

A antecipação do pagamento

Outra mudança a ser destacada diz respeito à introdução de uma seção para regulamentar os pagamentos realizados ao particular, o que não só permitiu a reunião sob um mesmo tópico de comandos hoje dispersos na lei 8.666/93, mas a introdução de normas que podem dirimir importantes conflitos relacionados ao tema. Caso, por exemplo, da possibilidade de se antecipar o pagamento ao contratado.

A atual lei 8.666/93 faz uma breve referência ao tema, quando, no art. 40, inciso XIV, alínea “d”, permite que os editais de licitação contemplem a hipótese, condicionando-a, contudo, à concessão, pelo particular, de algum desconto sobre o valor que será pago antes da data originalmente pactuada.

O substitutivo a ser agora apreciado pelo Plenário da Câmara dedica todo um artigo à antecipação do pagamento (art. 143), contemplando não só a hipótese de o particular receber adiantado mediante a concessão de um desconto à Administração, mas também a de receber adiantado em razão da antecipação se mostrar indispensável à consecução do objeto contratado.

O mecanismo poderia ser utilizado, por exemplo, nos contratos que se prolongam no tempo e demandam constantes aportes de capital pelo particular. Com efeito, por meio de uma antecipação devidamente justificada do pagamento, o particular poderia obter os recursos necessários para enfrentar as despesas associadas ao cumprimento da avença sem a necessidade de se socorrer de financiamentos que encareceriam o contrato.

Conclusão

A possibilidade de o particular suspender o cumprimento do contrato após 30 dias de inadimplemento da Administração ou de receber antecipadamente alguma parcela são apenas duas de várias inovações trazidas pelo substitutivo. Ambas podem tornar a contratação com a Administração Pública mais interessante e certamente constituem mecanismos de incentivo para que um maior número de interessados compareça às concorrências. Espera-se que, com a proximidade da eventual aprovação da nova lei, estas e outras inovações possam ser debatidas pelos operadores do Direito, de modo que os benefícios e as desvantagens de cada uma sejam trazidos ao conhecimento de todos aqueles que celebram ou pretendem celebrar contratos com o Poder Público.

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*João Claudio Monteiro Marcondes é advogado do Rocha e Barcellos Advogados.

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