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A tributação de lucros e dividendos e seus potenciais efeitos tributários e trabalhistas para o mercado

Se interliga a essa possibilidade da tributação dos lucros e dividendos, um projeto de lei estudado pelo atual governo para criar uma nova modalidade de carteira de trabalho, denominada de carteira verde e amarela, com menor regulação legal e maior autonomia negocial entre as partes, permitindo uma pactuação mais livre do contrato de trabalho entre empregado e empregador.

1/3/2019

Foi lançado em 25 de abril de 2018, na Câmara dos Deputados, o manifesto reforma tributária solidária, sendo esse um projeto de autoria da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) e da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (FENAFISCO), o texto propõe uma reforma tributária para aumentar a arrecadação sobre a renda e reduzir a do consumo, a fim de diminuir a desigualdade do sistema tributário brasileiro.

Um dos aspectos relevantes deste projeto é a proposição do retorno da tributação sobre lucros e os dividendos distribuídos a quotistas e acionistas de empresas.

Desde a vigência da lei 9.249 de 26 de dezembro de 1995, os lucros e dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficam sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integram a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário.

Ou seja, os rendimentos são tributados exclusivamente na pessoa jurídica e ficam isentos por ocasião do recebimento pelos investidores, seja pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira.

Imperioso destacar, neste sentido, que a desigualdade no pagamento de tributos, no Brasil, ocorre principalmente por um desequilíbrio proveniente da fonte, do fato gerador do tributo, que se volta primordialmente para o consumo no país, tributando a renda em patamares inferiores aos de países mais desenvolvidos, como regra geral, mesmo com carga tributária alta.

Assim, carregar a carga tributária sobre o consumo se mostra contraproducente, visto que prejudica o consumo, impactando negativamente inclusive em aspectos macroeconômicos, em prejuízo do crescimento econômico nacional e, do ponto de visto microeconômico, ainda se onera a população com menor poder aquisitivo, visto que ao certo gastam a maior parte, se não a totalidade da renda, com suas necessidades de consumo.

Esse fenômeno da distorção da tributação entre renda e consumo ocorre no Brasil, dentre outros fatores, por técnica de tributação adotada pela política fiscal, em que os tributos sobre consumo são menos visíveis ao cidadão do que os incidentes sobre a renda, fazendo com que sejam mais palatáveis, em prejuízo da Justiça Fiscal.

Retornando à questão da tributação da renda, há que se ressaltar que o Brasil é um dos poucos países do mundo em que os lucros e os dividendos distribuídos a quotistas e acionistas estão isentos de imposto de renda.

Nesse sentido, os argumentos favoráveis à tributação dos lucros e dividendos se relacionam com a redução da carga tributária sobre o lucro das empresas, que é alta se comparada à tributação da pessoa física – em média 34% para empresas sob regime do lucro real, podendo chegar a 40% para as instituições financeiras, de modo que a repartição da tributação sobre o lucro entre a empresa e empresário possa ser um estímulo econômico para a fonte produtora e um desincentivo à retirada de lucros da empresa, visando seu reinvestimento.

Dentro desta expectativa, a carga tributária final deveria ser a mesma, somando-se a tributação sobre lucro da empresa e sobre lucros e dividendos ao investidor.

Esta “pequena” reforma, de tributar os dividendos e reduzir os tributos sobre o lucro seria mais simples de ser realizada, pois envolve apenas tributos de competência Federal, diferente da reforma que propõe a criação do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), que envolveria impostos federais, estaduais e municipais sobre consumo.

Todavia, essa “pequena” reforma não atingiria diretamente a real distorção existente entre a tributação sobre consumo e renda, pois não haveria impactos sobre tributos indiretos, que são os que recaem sobre o consumo.

Em termos de impactos trabalhistas, essa possível tributação na distribuição de lucro desencorajaria uma prática do mercado de trabalho atual denominada de “pejotização”.

A “pejotização” consiste na transformação do empregado em prestador de serviços pessoa jurídica, visando maior economia tributária para o colaborador e para o contratante.

Com a tributação dos lucros e dividendos, potencialmente se elevaria a carga tributária do profissional “pejotizado”, comumente sujeito a regimes fiscais incentivados, do lucro presumido ou simples nacional, quando comparado ao empregado celetista (sujeito às regras de contratação da CLT), inclusive estimulando um retorno da prestação de serviços mediante carteira assinada.

Já quanto aos argumentos contrários à tributação dos lucros e dividendos, estão relacionados ao mercado financeiro e à desconfiança de que esta medida leve efetivamente a uma maior carga tributária, alguns analistas de mercado estimam que a tributação de lucros e dividendos possa gerar uma fuga do capital para o exterior, além de tirar o poder de escolha do investidor, já que reduziria a distribuição dos dividendos e o retorno sobre os investimentos dos acionistas.

Importante destacar que num cenário em que seja respeitada a carga tributária atual, como o limite máximo para o novo cenário da tributação de dividendos, as diversas empresas do país com prejuízos acumulados de anos anteriores, impactadas pela crise, poderiam agora se recuperar mais rapidamente, acompanhando o esperado crescimento do país, ao se submeterem a menor carga tributária sobre o lucro da instituição, já que de toda forma não teriam lucros e dividendos a distribuir, mas apenas prejuízos a reverter, de modo que haveria uma contribuição também nesse aspecto, através desta pequena reforma tributária.

Por causa da isenção dos dividendos, Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), aponta que as companhias se organizam em planejamentos nos quais os lucros ficam livres da tributação tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física. São planejamentos válidos do ponto de vista legal, mas que não são ideais em termos distributivos.

Tratamento da distribuição de lucros e dividendos no exterior

Com efeito, estudos recentes da OCDE apontam que a alíquota nominal média da tributação sobre lucros e dividendos distribuídos à pessoa física cresceu de 18,7% para 28,9% entre 2009 e 2018, considerando-se os seguintes países: EUA, Reino Unido, Canadá, México, Chile, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão, Holanda, Noruega, Portugal, Espanha e Suíça.

No mesmo período de comparação, a alíquota nominal da tributação direta sobre o lucro das companhias nestes países recuou de 30,9% para 26,1%. Ao certo, essa evolução contribuiu para aumentar a participação da pessoa física na tributação global que incide sobre o lucro corporativo, que passou de 27,5% para 44,5%, no mesmo período, conforme as informações obtidas na página eletrônica da OCDE.

Na linha dos incentivos econômicos, o presidente da Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (AMEC), Mauro Rodrigues da Cunha, vem sustentando que o modelo de tributação brasileiro incentiva a descapitalização das companhias, ao isentar a distribuição dos lucros e tributar o ganho de capital com alíquotas progressivas, a partir de 15% .

“Pejotização” e o impacto da tributação de dividendos

Conforme destacado entre os argumentos favoráveis à adoção da tributação sobre lucros e dividendos, a atual sistemática da isenção estimula a “pejotização” ao possibilitar uma carga tributária inferior para o contratante e para o colaborador.

Para o contratante, evita-se uma série de tributos e encargos trabalhistas e previdenciários, além de o contratante sob lucro real aproveitar créditos de PIS e Cofins, ao terceirizar a atividade-fim, recentemente viabilizada pela Reforma Trabalhista.

De igual forma, para o colaborador “pejotizado”, há uma menor carga tributária sobre sua renda, principalmente sob regime do lucro presumido ou simples nacional, em média de 16%.

Todavia, com a potencial tributação incidente sobre lucros e dividendos pagos por empresas sob estes regimes incentivados de tributação, aos seus quotistas ou acionistas, haveria um aumento desta carga tributária total, de modo que passaria a haver um menor incentivo ou, até mesmo um desincentivo para a “pejotização”, passando a fazer mais sentido econômico ao colaborador a contratação via carteira de trabalho, sob as regras da CLT.

Nesse sentido, se interliga a essa possibilidade da tributação dos lucros e dividendos, um projeto de lei estudado pelo atual governo para criar uma nova modalidade de carteira de trabalho, denominada de carteira verde e amarela, com menor regulação legal e maior autonomia negocial entre as partes, permitindo uma pactuação mais livre do contrato de trabalho entre empregado e empregador.

Com efeito, esse contexto estaria voltado para colaboradores cuja atividade exercida inclui maior renda e maior instrução, de forma que não seriam considerados hipossuficientes em relação ao empregador, viabilizando-se uma paridade maior na negociação e maior capacidade para estipular os termos do seu contrato de trabalho.

Entretanto, essa modalidade negocial de contrato de trabalho ainda é uma questão prematura, pois sem dúvida existem reformas consideradas como primordiais na pauta do novo governo para este ano, tais como a reforma do nosso sistema tributário e da previdência social.

Contudo, este eventual projeto de uma carteira de trabalho menos rígida poderia se somar ao projeto de tributação dos dividendos, com vistas ao governo emplacar uma política pública de desincentivo à “pejotização”, fortalecendo a relação do contrato de trabalho e o controle da carga tributária e previdenciária pelo Estado brasileiro.

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*Fernanda Perregil é sócia na Melcheds || Mello e Rached Advogados.

 

*Luiz Rafael Meyer Mansur é advogado na Melcheds || Mello e Rached Advogados.

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