Migalhas de Peso

Design thinking e as cláusulas de resolução de disputas

Uma nova advocacia e um “novo mindset” por certo não ocorrem de um dia para o outro. No entanto, em um ambiente de negócios em constante transformação, em que muitas atividades e profissões ficarão pelo caminho, iniciar uma nova jornada e escolher um caminho com criatividade, colaboração e inovação pode ser uma boa escolha. E essa é uma escolha que, felizmente, cada vez mais profissionais estão fazendo.

26/2/2019

O imenso número de ações judiciais e a reconhecida demora do Judiciário em dar respostas tempestivas para as disputas empresariais e outros conflitos do dia a dia têm levado os advogados, especialmente aqueles que atuam na seara empresarial, a se voltarem para a advocacia proativa e preventiva.

Merece atenção especial aqui a pioneira visão do professor Louis M. Brown, reconhecido como o “pai da advocacia preventiva”. (https://www.preventivelawyer.org/main/default.asp?pid=brown_program.htm). Essa perspectiva recomenda uma nova atenção, contemplada através de uma preocupação maior com a redação dos contratos empresariais, a fim de que haja maior clareza e entendimento das partes envolvidas, traduzida não apenas na linguagem dos advogados, de forma que se possa evitar problemas futuros decorrentes de redações pouco claras ou que não expressem adequadamente a visão dos contratantes.

Para esta finalidade, uma das abordagens mais eficazes e que tem sido bastante utilizada com esse objetivo é o design thinking. O design thinking é centrado no ser humano e busca integrar as necessidades das pessoas através de soluções inovadoras para o sucesso do negócio. No âmbito dos contratos empresariais, permite criar um ambiente em que as principais questões para as partes contratantes sejam expressas de forma mais clara, objetiva e, principalmente, estimula a inovação pelo visual, seja por desenhos, gráficos, metáforas ou outras tantas formas possíveis de se expressar a criatividade.

Nesse contexto, um dos principais aspectos a ser abordado é a redação da cláusula de resolução de conflitos. Isso porque, conforme demonstram com maestria a professora Rachel Sztajn e os ensinamentos de Ronald Coase, há inúmeras possibilidades presentes e futuras, sendo inviável que um contrato preveja todas e quaisquer situações que possam vir a ocorrer. Logo, é necessário estabelecer mecanismos para resolução de conflitos que sejam efetivos em situações que possam gerar impasse, notadamente com relação às questões atuais da nova economia e a reconhecida demora do Judiciário.

Não obstante, por diversas razões, ainda é bastante comum que os contratos padronizados prevejam simplesmente a cláusula de foro judicial, levando todos as disputas decorrentes para o Poder Judiciário. Significa dizer, independentemente do valor, da complexidade ou do tipo de conflito, que as partes estão abrindo mão da possibilidade de escolher a pessoa ou a instituição que irá resolver seu conflito ou, ainda, abrindo mão ter qualquer tipo de controle sobre o tempo e o procedimento que se adotará até se chegar a uma solução. E ainda que essa opção possa ser vislumbrada mais tarde, quando instaurado o conflito, tudo fica mais difícil.

De outro lado, mesmo para aqueles que já adotam cláusulas de mediação ou cláusulas compromissórias (convenção de arbitragem) nos contratos, o que se percebe é que há pouca discussão sobre a redação dessas cláusulas. Adote-se, no mais das vezes, apenas a redação padrão disponibilizada por esta ou por aquela Câmara, que será debatida com o cliente apenas por ocasião do surgimento do conflito, quando geralmente há pouco espaço para se negociar qualquer tipo de alteração.

Quando essa discussão ocorre desde a redação do contrato é possível que o advogado, juntamente com as partes contratantes, defina pontos extremamente importantes em um ambiente muito mais favorável à negociação.

Pode-se, assim, debater previamente com o cliente qual a Câmara mais adequada para a resolução de eventuais conflitos, considerando a sua especialidade na matéria e a sua tabela de custas e honorários. Não faz sentido, por exemplo, a escolha de uma Câmara com valores altos de honorários em contratos envolvendo valores menos expressivos, exigindo uma análise prévia do custo-benefício da Câmara. E essa avaliação, muitas vezes, tem sido feita apenas por ocasião do surgimento da disputa, quando já pode ser tarde.

É importante definir também se os conflitos serão resolvidos por mediação e arbitragem (cláusula med-arb) ou se irão direto para a arbitragem. Ou ainda se será tentada a mediação e em seguida se utilizará a via judicial. Ou então definir se o Dispute Board é a ferramenta mais adequada. As alternativas são inúmeras, e não há uma fórmula padrão que dê resposta adequada para todas as situações.

Outra possibilidade, caso se opte pela arbitragem, é definir se as disputas serão dirimidas por um árbitro único ou por um Tribunal Arbitral. A opção pelo Tribunal Arbitral, que se justifica em contratos mais complexos e envolvendo altos valores, pode não se justificar em contratos de valores mais reduzidos, em que a solução por árbitro único talvez seja a opção economicamente viável, embora atualmente muito pouco utilizada.

Há ainda a possibilidade de definir desde logo como serão escolhidos os árbitros e mediadores, ou optar por adotar as regras da Câmara escolhida, que muitas vezes são desconhecidas pelas partes e pelos advogados até que surja o conflito. Pode-se ainda escolher a legislação aplicável e inclusive o local onde a arbitragem será realizada.

O importante, em todo caso, é que o advogado saiba expor para seu cliente todas as opções disponíveis e permita que ele participe da construção da melhor cláusula para o seu contrato. Esse é o papel do design thinking e suas formas criativas de atender às necessidades e aos interesses das pessoas. Nessa perspectiva, empatia e liberdade de expressão são fundamentais para o alcance da melhor cláusula, da melhor redação, que pode ser ainda melhor atendida por meio do complemento visual – revelando verdadeiramente uma nova advocacia.

Um contrato, se pensado desde o seu início de forma a atender aos interesses e entendimento das partes, com cláusulas redigidas com o envolvimento dos contratantes, tende a ter maior aceitação e ser bem menos questionada, criando um ambiente melhor para os negócios e evitando perda de tempo e dinheiro para todos, e promovendo transformação substancial na entrega dos serviços jurídicos.

Uma nova advocacia e um “novo mindset” por certo não ocorrem de um dia para o outro. No entanto, em um ambiente de negócios em constante transformação, em que muitas atividades e profissões ficarão pelo caminho, iniciar uma nova jornada e escolher um caminho com criatividade, colaboração e inovação pode ser uma boa escolha. E essa é uma escolha que, felizmente, cada vez mais profissionais estão fazendo.

__________

*Danilo Ribeiro Miranda Martins é procurador federal, mestre em Direito pela PUC-SP, MBA em Finanças pelo IBMEC, sócio-fundador da CAMES.

*Thiago Breyer é mediador extrajudicial e gestor organizacional jurídico empresarial. Mediador da CAMES. Sócio fundador da LEGALMAP.

 

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

Estabilidade dos servidores públicos: O que é e vai ou não acabar?

19/11/2024

O SCR - Sistema de Informações de Crédito e a negativação: Diferenciações fundamentais e repercussões no âmbito judicial

20/11/2024

Quais cuidados devo observar ao comprar um negócio?

19/11/2024