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Conformidade e boas práticas. Por que o compliance é fundamental para as atividades de alto impacto social

Vidas continuarão a se perder, direta ou indiretamente, enquanto algumas empresas não se derem conta de que a priorização dos seus dividendos deve ceder aos imperativos éticos que a sua atividade exige.

11/2/2019

Depois das tragédias que se diziam “anunciadas”, algo desponta no cenário jurídico como dado fundamental a ser considerado: a ausência de um programa de compliance verdadeiramente implantado e em pleno funcionamento é absolutamente relevante para o futuro das empresas e da sociedade.

Passados alguns dias da mais recente tragédia socioambiental brasileira é de se questionar, a exemplo do que aconteceu em Mariana/MG, se o rompimento da barragem de Brumadinho/MG poderia ter sido evitado, como se ouve à exaustão nos meios noticiosos.

A resposta parece ser positiva quando são consideradas as boas práticas de governança corporativa que ditam os regramentos sobre a conduta ética e de sustentabilidade, ao teor do que se observa nos regulamentos internos da Vale S/A, seja em relação ao seu código de conduta ética1 ou mesmo sobre a sua política de sustentabilidade.2

Logo, tomando por premissa os dois documentos internos da empresa, então o evento de Brumadinho/MG teria sido realmente uma fatalidade.

Transportada a realidade regulatória interna da Vale para a atual realidade socioambiental de toda a área atingida do Córrego do Feijão, resta saber se aqueles mecanismos e procedimentos estavam devidamente implantados e vinham sendo rigorosamente observados pela alta administração da empresa e por todos aqueles envolvidos nas suas atividades.

Desse modo, se as respostas colhidas ao cabo das investigações e procedimentos administrativos, cíveis e criminais apontarem o contrário, é possível concluir que o programa de compliance da empresa apresentava a consistência de uma folha de papel, tendo em conta os gigantescos danos (ambiental, social e humano) causados pelo rompimento daquela barragem.

Essa eventual constatação sobre a existência do denominado “compliance de papel”3 pôde ser aferida, por exemplo, nos procedimentos administrativos abertos pelos órgãos de controle estatal brasileiros, que resultaram nos acordos de leniência firmados pela Odebrecht S/A e demais envolvidas nos escândalos de corrupção originários da Operação Lava Jato, diante do reconhecimento da sua conduta lesiva.

Logo se vê, portanto, que os programas de compliance implantados naquelas e em outras empresas, ainda precisam se submeter ao necessário “teste de maturidade” para que possam realmente cumprir a tarefa que lhes cabe no ambiente de conformidade e integridade corporativo.

Corrobora esse argumento a notícia que chega dos Estados Unidos onde a Vale estaria sendo demanda em juízo pelos seus acionistas naquele país, justamente por não estar em conformidade com a segurança dos seus trabalhadores.4

No texto, verifica-se que as alegações postas em juízo por dois escritórios de advocacia norte-americanos, têm como pano de fundo a acusação de que “a mineradora brasileira teria mentido para os investidores sobre seu comprometimento em garantir a segurança de seus trabalhadores” e, portanto, “diante dos prejuízos sofridos pelos investidores” a partir do que se entendeu como sendo “verdade” por trás dos potenciais riscos de rompimento da barragem de Brumadinho, seus clientes devem ser ressarcidos.

Embora os impactos econômicos para a empresa sejam vultosos, as chances de sua recuperação no médio/longo prazo parecem se confirmar. Entretanto, o verdadeiro passivo que se apresenta é o da devastação social e ambiental, caracterizado pela perda das vidas humanas, das condições de trabalho das pessoas envolvidas, da degradação do solo, das águas, da fauna e da flora locais.

Segue daí que conformidade, integridade e boas práticas passam a constituir no mundo atual das corporações e dos governos, uma espécie de ideia-força, responsável pela mudança necessária do ambiente de governança, para além de aparente e simples construção semântica.

A Vale é uma empresa importante para a economia brasileira e um player relevante no cenário internacional, daí porque suas ações e omissões se revelam preponderantes no desenvolvimento das suas atividades e no contexto social e ambiental que a cerca.

Nesse sentido, o comportamento ético de uma empresa ocorre quando ela age em conformidade com os princípios éticos e as regras do bem proceder aceitas pela coletividade, referindo-se ao modo moralmente correto com que interage com o seu meio envolvente.

Dessa forma, não basta que a empresa tenha missão, visão e valores que aparentemente não refletem suas ações. Não é suficiente possuir um programa de compliance restrito a um código de ética e conduta. As empresas têm que se comprometer com cada palavra escrita, tem que agir em conformidade com as políticas propostas, caso contrário, estarão entregando à sociedade menos do que delas se espera, situação que pode resultar em consequências sociais desastrosas.

De outro lado, enquanto o Estado não agir conforme sua responsabilidade, ou seja, fiscalizando eficazmente as empresas e sua forma de atuação, a sociedade brasileira continuará fadada a conviver com normas feitas "para inglês ver” e suas terríveis consequências, haja vista os desastres de Mariana e Brumadinho e os esquemas de corrupção identificados na Operação Lava Jato.

Vidas continuarão a se perder, direta ou indiretamente, enquanto algumas empresas não se derem conta de que a priorização dos seus dividendos deve ceder aos imperativos éticos que a sua atividade exige.

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1 Disponível em: Clique aqui.

2 DCA 092/2016 Rev.: 00-29/09/2016 POL-0019-G PÚBLICO. Disponível em: Clique aqui.

3 Expressão utilizada para denominar o programa de compliance que não atende de forma efetiva os critérios da boa governança corporativa.

4 Segundo revela o site da revista Veja. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 29/1/19.

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*Renata Palma Rozzante de Castro é advogada. Especialista em Compliance (CCEP-I) e em Gerenciamento Político, membro da Comissão de Legislação Anticorrupção e Compliance da OAB/DF.

*Marcelo Narcizo Soares é advogado. Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento (PUC-GO), membro da Comissão de Direito Constitucional e Legislação da OAB/GO.


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